O Ministério Público brasileiro é majoritariamente formado por promotores e procuradores homens, brancos e acima de 50 anos. Os servidores são em sua maioria mulheres brancas com 50 anos ou mais. Já os negros ocupam a maior parte dos postos somente nos cargos hierarquicamente inferiores, os estagiários.
Os indígenas praticante inexistem dentro da instituição. Essa é a conclusão do “Perfil Étnico-Racial do Ministério Público brasileiro", levantamento inédito feito pelo Conselho Nacional do Ministério Publico (CNMP) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Realizado entre outubro passado e abril deste ano, o diagnóstico é um retrato de todas as 26 unidades do Ministério Público nos estados, além do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério Público Militar (MPM) e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
O levantamento, que incluiu dados de membros (procuradores e promotores), servidores e estagiários, contrasta com os dados da população brasileira, majoritariamente (56,1%) composta por pessoas pretas e pardas e praticamente dividida meio a meio entre homens e mulheres.
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Em relação à idade do quadro funcional, verifica-se que os membros são mais velhos: 48,5% estão acima de 50 anos e 16,2%, acima dos 60 anos. Entre os(as) servidores(as), cerca de um quarto (24,2%) está acima de 50 anos, enquanto apenas 5,3% têm mais de 60 anos.
Política de cotas
O responsável pela Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas Formas de Discriminação do Ministério Público de Minas Gerais, promotor Allender Barreto, que também integra o grupo do Conselho Nacional do Ministério Público responsável pelo perfil étnico-racial, disse que os dados não foram surpresa para o CNMP, pois a olho nu qualquer pessoa percebe esse deficit de representatividade.
“Mas quando é traduzido em números torna-se mais assustador e real”, afirma o promotor, que considera a pesquisa uma grande conquista para que o Ministério Público em todo o Brasil possa refletir e atuar para mudar essa realidade e tornar a instituição um retrato mais fiel da sociedade brasileira, majoritariamente negra, o que a política de cotas dentro da entidade ainda não conseguiu.
Desde 2017, uma resolução do CNMP reserva à população negra 20% das vagas oferecidas no MP para concurso público, mas ela ainda não foi suficiente para mudar o perfil da instituição. Desde a entrada em vigor dessa norma de reparação social, mulheres e homens negros são, respectivamente, 6,5% e 13,2% do total de membros que ingressaram nos últimos cinco anos na instituição. No entanto, segundo Allender, alguns estados, caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, ainda não colocaram em prática essa resolução, já adotada pelo MPMG desde 2018.
E mesmo nos estados onde a resolução já foi adotada nem sempre a cota é cumprida em função do baixo acesso da população negra aos concursos por questões de classe e também de algumas dificuldades dos editais que o CNMP pretende avaliar para melhorar o ingresso desse grupo étnico no MP brasileiro, afirma Allender. No caso do MPMG, relata Allender, os promotores e procuradores brancos são 87% contra 13% de negros.
Entre eles está o promotor Evandro Ventura, de Governador Valadares, na Região Leste de Minas Gerais, que entrou no Ministério Público de Minas Gerais em 2010, quando ainda não havia a política de cotas. Ele conta que no início da profissão as pessoas estranhavam o fato de ele ser um promotor.
“Muitas vezes, eu chegava em algum lugar para fazer uma fiscalização ou uma audiência e me perguntavam cadê o promotor”, conta Evandro que passou então a adotar a tática de se identificar de imediato como promotor quando chegava em qualquer ambiente a trabalho.
Estranhamento amenizado
Hoje, afirma ele, esse estranhamento foi amenizado, não por uma evolução da sociedade no quesito racismo, mas porque ele já é conhecido na região. Para ele, a chegada de pessoas negras nas esferas públicas e privadas é fundamental para que as crianças e jovens se vejam representadas e tenham expectativas de que também podem, ainda que enfrentem muito mais obstáculos, chegar nesses lugares.
Ele também destaca o fato de que a ocupação do Ministério Público por negros traz para a entidade um olhar mais apurado e socialmente sensível para as questões que envolvem raça e classe. “No caso de porte de pequenas quantidades de drogas, por exemplo, o promotor terá uma visão mais ampla da situação que leva um jovem negro a cometer esse delito”, afirma Evandro.
Para o corregedor do CNMP, Oswaldo D’Albuquerque, os resultados da pesquisa revelam que o Ministério Público enfrenta um grande desafio no que se refere à equidade racial. “Há muito a ser feito para reduzir as desigualdades no Ministério Público. Entretanto, reconhecer o problema e lançar luz sobre o tema são passos iniciais primordiais na busca da necessária equidade”, afirmou.