O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), segue para o recesso legislativo com a sensação de "dever cumprido". Ele foi um dos arquitetos da aprovação da reforma tributária - uma exigência de diversos setores produtivos há quase seis décadas - e do projeto de lei que restaura o voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) em favor da União.
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Qual o balanço que o senhor faz da articulação do governo neste primeiro semestre, de muito tumulto para o país?
Conseguimos votar a PEC da reforma tributária, o PL do Carf, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e deixamos encaminhado o marco fiscal. Votamos todas as matérias de interesse do governo, não sobrou uma. Nem nos tempos áureos do primeiro para o segundo mandato do presidente Lula votamos tanta coisa consistente para o país. Nunca vi, em um semestre, votar matérias tão decisivas para a reconstrução da economia. A reforma tributária estava dormindo há 40 anos nas gavetas da Câmara. Desmontamos a bagunça fiscal feita pela turma do (ex-presidente Jair) Bolsonaro e aprovamos uma regra consistente, que garante a previsibilidade.
Qual a importância do PL do Carf para a pauta econômica?
Fundamental para elevar as receitas, é um complemento do arcabouço (fiscal). Essa conversa de que o voto de qualidade do Carf tem que ser mantido a favor do contribuinte, é preciso lembrar que esse contribuinte não é pequeno, médio ou grande. É o super-rico! É ele que detém esse volume enorme de recursos.
Na articulação para a aprovação da reforma, a participação do governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi importante. Como o senhor a avalia?
Coitado do Tarcísio, foi até vaiado (na reunião do PL, da qual participou para tentar convencer deputados do partido a votarem a favor da reforma). A vitória da PEC é uma vitória coletiva: do governo, da Câmara e de todos que participaram do esforço pela aprovação.
A oposição baixou o tom depois do apoio do Tarcísio?
Aquele encontro dele com o Haddad foi decisivo para a recomposição das bases para votar a reforma. Cada qual lida com as consequências.
Essas últimas liberações de emendas foram recorde. Isso ajudou na aprovação da reforma tributária e no PL o Carf?
Não tem nada a ver. Isso é um processo cumulativo. Chegou a hora, o sistema despacha. É um processo natural.
O arcabouço está azeitado para ser votado?
O senado fez quatro pequenas mudanças, o que não tem problema nenhum. Mas tem uma divergência, que não é nem no governo, sobre o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Se quiser tirar (do arcabouço), a gente tira. Não vou mexer no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Estamos dispostos a votar o texto do Senado para não ter nem destaque. É o que eu vou defender.
Mas nem tudo foi vitória. Teve o desgaste de rever o marco do saneamento básico, a medida provisória da formatação da Esplanada dos Ministérios...
Foi a mais doída. A maioria dos líderes não queria votar e o governo estava emperrado na agilização dos pleitos dos parlamentares. Mas superamos esta fase. Foi no gogó, foi com a palavra, com credibilidade, comprovando. Foi exaustivo, mas venceu o espírito colaborativo da Casa. Todos compreenderam a minha missão e deram o crédito de confiança. A Câmara tem colaborado, a despeito do tamanho da base, com aquilo que é fundamental para o governo Lula, que é a reconstrução do Brasil. Fizemos um trabalho bem concatenado, nunca teve divergência fundamental entre mim e o ministro (Alexandre) Padilha. Sempre dialogando e está aí o resultado.
O Palácio do Planalto entendeu o recado do decreto do saneamento?
Na política sempre tem recados, encaro isso com a maior naturalidade. Até nós do PT damos recados, desde que os recados sejam feitos com transparência.
Um parlamentar do Centrão nos falou sobre a importância de o governo ampliar a base para evitar surpresas. Isso é tão importante assim para evitar surpresas no próximo semestre?
Depende da matéria. Vou exemplificar: colocamos para votar uma matéria de costumes. A gente leva lapada. Tem uma maioria aqui que é de outro padrão ideológico, mas nas questões centrais do governo, que são econômicas, estamos dando de 13 a zero. O país mudou muito, o governo é outro, a Câmara é outra, o presidente é outro e temos um ministro com muita credibilidade, o (Fernando) Haddad.
O senhor pode ganhar o reforço da ministra demissionária do Turismo, Daniela Carneiro...
Um governo de coalizão sempre está em processo de avaliação dos seus ministros e ministérios, é natural. Encaro eventuais trocas como naturais, não tem nada de crise. A bancada do União Brasil é grande, 59 deputados. Não conheço tanto a Daniela, mas esteve com Lula e ajudou bastante (na eleição). Se ela voltar para a Câmara, vou convidá-la para ser minha vice-líder.
Essa é a moeda de troca que haverá com o União?
Não, eu quero convidá-la. O (Celso) Sabino é um excelente deputado, presidiu a Comissão Mista do Orçamento, é muito republicano na conduta, contribuiu para aprovar as contas da (ex-presidenta) Dilma (Rousseff). São dois bons quadros que temos na câmara, independentemente de ser partido A ou partido B. Essas trocas precisam ser encaradas como naturais.
Uma queixa que os deputados tinham era o "chá de cadeira" para conversar com os ministros para o encaminhamento de demandas. Está resolvido?
Isso acontece em todos os quadrantes da República, aconteceu no passado e acontece no presente. Tem ministro com 80 pedidos para atender deputados. Acho que o melhor para a relação é o ministro vir aqui, na liderança do governo na câmara. Camilo (Santana, da Educação) já veio, Juscelino (Filho, Comunicações), Simone (Tebet, Orçamento e Planejamento) - estou sugerindo que venham atender uma vez por semana aqui. Atende 30, 40 deputados. Não pode é deixar de atender. Isso é um desrespeito àqueles que estão aqui porque têm voto.
Desde a MP da Esplanada, a articulação do governo melhorou?
Tem evoluído. Primeiro, pelo diálogo que a gente faz todos os dias. Isso aqui é uma máquina de moer gente porque, a toda hora, tem que estar ligado, conversando, negociando. Em segundo lugar, o governo está agilizando os pleitos, a composição do governo, as emendas. Quando se fala em emenda, todo mundo se arrepia. O deputado tem direito, é só botar no Portal da Transparência. Minhas emendas estão no sistema, quem quiser ver vê. Boto todas para o Ceará.
Há pouco mais de um mês, o senhor foi defendido publicamente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, durante uma crítica que ele fez à articulação política do governo, que vinha capengando. Como o senhor recebeu isso?
Tem algum líder de governo que não dialogue com o presidente da Câmara? Fui líder da Dilma na presidência de Eduardo Cunha. Tomava café duas três vezes por semana com ele para discutir a pauta do governo. Estou praticamente todo dia na residência oficial do presidente da Câmara porque sou líder do governo. Minha missão é arrumar voto para o governo.
Sobre as pautas que são vistas como ideológicas pela oposição e pelo Centrão - as ambientais e sobre a questão indígena -, como ajustar para que não sejam derrubadas?
No governo, a questão ambiental é estratégica e a indígena é importante. Essa é a agenda do mundo. Quem está contra é porque foi contra o programa do Lula. A mudança da questão indígena que teve para mim não altera em nada. Tirar a demarcação do Ministério dos Povos Indígenas e botou no da Justiça. Será que o Flávio Dino vai fazer sacanagem com os indígenas? Claro que não. A questão ambiental é compromisso do mundo inteiro e qualquer coisa contradiga isso, o mundo reage. Afinal, o Brasil sediará a COP30.