Os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, impediram cerca de 740 mil mortes de crianças abaixo de cinco anos no Brasil, México e Equador, de acordo com um estudo global que avaliou os impactos na saúde dessas estratégias.
De acordo com o levantamento, a mortalidade infantil no período de 2000 a 2019 caiu 24%, sendo a maior variação observada no Brasil, de 28%, seguido pelo Equador (26%) e México (11%).
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Considerando ainda os impactos na próxima década, segundo o estudo, a expansão dos programas de transferência de renda nos três países pode impedir ainda mais 153 mil mortes de crianças abaixo de cinco anos e reduzir a mortalidade infantil em 17% até 2030, mesmo com os efeitos das crises econômica e de saúde globais causados pela pandemia da Covid.
O trabalho liderado pelo ISGlobal (Instituto de Saúde Global de Barcelona) publicado nesta sexta-feira (14/7) no periódico científico Jama Network Open, com pesquisadores do Brasil, Equador, México, Colômbia, Suíça e Espanha.
Para calcular os efeitos do Bolsa Família e outros programas sociais na mortalidade infantil, os pesquisadores avaliaram 4.882 municípios do Brasil, México e Equador com indicadores sociodemográficos similares, como taxa de mortalidade infantil, incidência de nascimentos e incidência de mortes com causa mal definidas, para evitar ruído na análise.
O México, com o programa Progresa, foi o primeiro no mundo a criar um programa de transferência de renda com condicionalidade (CCT, na sigla em inglês), em 1997. O Bolsa Família brasileiro, criado em 2003 e retomado em 2023 pelo presidente Lula (PT) após ser substituído pelo Auxílio Brasil no governo Jair Bolsonaro (PL), é o maior programa de transferência de renda do mundo, com mais de 21 milhões de famílias atendidas. Já o Equador tem, desde 2003, o programa Bono de Desenvolvimento Humano, com 74 mil famílias atendidas.
Análises
A análise calculou então as chamadas razões de risco (RR, na sigla em inglês) para mortalidade infantil em diferentes idades: neonatais (0-28 dias), lactantes (28 dias a 1 ano), bebês (1 ano) e crianças (de 1 a 4 anos). Para cada idade, foi também calculada qual seria a redução na mortalidade caso o programa tivesse uma abrangência baixa (0% a 29% da cobertura prevista), intermediária (30% a 69,9%), alta (70% a 99,9%) e consolidada (100%).
No total para todas as idades, a mortalidade infantil caiu de 7,8% para 6,5%, enquanto a hospitalização infantil teve uma queda de 3%. No mesmo período, houve um aumento de mais de 76% da cobertura dos três programas.
Em relação à mortalidade com causa de morte associada, houve uma redução significativa das mortes causadas por infecção HIV/Aids (68%), má nutrição (67%) e diarreia (59%), enquanto a queda foi menor para as mortes causadas por tuberculose (38%), infecções do trato respiratório inferior (34%) e malária (24%).
Para Danielle Medeiros, pesquisadora da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e primeira autora do estudo, um ponto importante da pesquisa é que as análises para todos os países no período estudado foram consistentes, mostrando a importância da continuidade de programas de transferência de renda. "A alta cobertura possibilitou a prevenção dessas mais de 740 mil mortes infantis, com um efeito ainda maior no Brasil, que é o país com a maior cobertura, indicando assim um efeito positivo do Bolsa Família na redução da mortalidade", disse.
De acordo com ela, existe uma interpretação muitas vezes equivocada dos benefícios desses programas como se fossem apenas uma questão de transferência de renda, mas na verdade eles garantem acesso a direitos básicos. "A via de transferência monetária dá um alívio imediato na pobreza o que ajuda a reduzir indicadores de mortalidade ligados por exemplo à fome e à desnutrição, mas as funcionalidades do programa vão além em garantir para muitas dessas crianças o primeiro acesso ao serviço de saúde que vai determinar aquele estado nutricional", avalia.
Como as condicionalidades dos programas estão ligadas ao atendimento em saúde, à educação e à alimentação das crianças, a presença deles é uma forma de garantir esses direitos, explica.
Davide Rasella, pesquisador do ISGlobal e coordenador do estudo, destaca ainda que os efeitos dessas condicionalidades podem, no futuro, custar até menos aos cofres públicos devido à redução dos gastos relacionados à saúde. "O que vimos foi uma redução drástica de mortalidade infantil, uma redução drástica de morbidades e uma redução drástica de hospitalização. Do ponto de vista ético, é inquestionável garantir direitos a todos, mas do ponto de vista também econômico, há um ganho em proteger os mais pobres e mais vulneráveis", afirma.
A incidência elevada de problemas associados à pobreza no Brasil e em outros países da América Latina, como tuberculose, doenças negligenciadas e hospitalização por diarreia, colocam esses países na mira para a agenda 2030 de redução da mortalidade infantil.
No estudo, foram feitos três cenários para avaliar as mortes que ainda podem ser evitadas até 2030: um cenário de mitigação da pobreza (ideal), um cenário mantendo a distribuição atual de renda (intermediário) e um cenário de austeridade fiscal (restritivo), com controle de gastos públicos. Com a austeridade, haveria um pico de mortes infantis até 2025, seguido de uma queda lenta. Já no cenário da mitigação, há uma janela para evitar 153.601 mortes de crianças abaixo de cinco anos.
Para Rasella, em um cenário de crise global pós-Covid não há espaço para implementar medidas de austeridade fiscal, e os programas de transferência de renda podem ser um instrumento importante para proteger as populações. "O Brasil já é referência internacional em redução de mortalidade infantil, mas é verdade que tivemos um período aí meio obscuro. Porém, acredito que o país tem o potencial para ser esse farol mundial e mostrar que é preciso investir na proteção dos mais pobres e sobretudo reduzir as mortes infantis para garantir o seu desenvolvimento no futuro", completa.
Programas de transferência de renda no Brasil, México e Equador
De 2000 a 2019
24% redução mortalidade
738.919 mortes de crianças abaixo de 5 anos evitadas
Mortalidade com causa de morte associada
67% má nutrição
68% HIV/Aids
59% diarreia
34% infecções do trato respiratório inferior
38% tuberculose
24% malária
Cenário até 2030
17% redução mortalidade infantil
153.601 mortes podem ser evitadas