Jornal Estado de Minas

REGIÃO CENTRAL DE MINAS

Obra de sede da prefeitura de Jeceaba é dinheiro público jogado fora


O que seria a nova sede administrativa da pequena Jeceaba, município da Região Central de Minas, com apenas 6.197 habitantes, é hoje usada para depósito de carteiras escolares quebradas, pneus velhos, motores e veículos danificados, objetos e materiais diversos que a prefeitura não usa mais. São sete mil metros quadrados de obra abandonada desde 2013, que consumiram dos cofres públicos do município ao menos cerca de R$ 8 milhões, que hoje corresponderiam a R$ 16,7 milhões.




 
A suntuosa construção, encravada no alto de uma colina, com vista panorâmica para a bela Serra do Gambá, é inspirada nos projetos arquitetônicos cheios de curvas de Oscar Niemeyer e chama de longe a atenção pela beleza, mas de perto é o retrato do desperdício de dinheiro público.

Sozinha, a obra inacabada consumiu valores que representariam hoje quase 12% das receitas que a Prefeitura de Jeceaba estima arrecadar este ano para cobrir todas suas despesas. Distante da área urbana do município, a nova sede começou a ser construída pelo então prefeito Júlio César Reis (PT), que administrou a cidade por dois mandatos, entre 2005 e 2012. A edificação foi inspirada na Cidade Administrativa do governo de Minas, construída pelo então governador Aécio Neves (PSDB), atualmente deputado federal, com assinatura de Niemeyer. A edificação contrasta com as casas simples da cidade e mais ainda com a sede atual da prefeitura, um casarão antigo, com piso desgastado e mobiliário modesto.

A construção abandonada desde 2013 tem 7 mil metros quadrados (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 
A sede abandonada hoje está gradeada e vigiada por um segurança e um cão de guarda. Entrar no local e filmar não é permitido, até mesmo por questão de segurança, pois a obra apresenta riscos para os curiosos, mas a reportagem do Estado de Minas conseguiu entrar e registrar o abandono. Além de muito material de descarte no local, janelas estão quebradas, algumas partes estão escoradas com troncos de madeira e há buracos no piso de alguns andares.





O atual prefeito de Jeceaba, Zezé do Cristianinho (PDT), não quis conversar com a reportagem e indicou seu antecessor e aliado, Fábio Vasconcelos (PDT), que sucedeu Júlio César no comando do Executivo, para falar sobre o assunto. Fábio disse que não teve condições de continuar a obra, pois o investimento para sua finalização era elevado, cerca de R$ 5 milhões à época, e a cidade tinha outras prioridades e obras mais importantes para finalizar.

Além disso, segundo ele, a nova sede era distante do Centro da cidade, o que dificultaria o acesso da população, além de ser muito grande para o tamanho do corpo administrativo do município. “E ainda tinha o problema com a despesa para manter um local daquele tamanho”, afirma. Só o terreno de 160 mil metros quadrados, onde fica a obra abandonada, foi comprado por R$ 1,4 milhão. Foi adquirido por Júlio César na época em que a cidade teve elevado crescimento econômico em função da instalação na cidade de uma fábrica de tubos para extração de petróleo.

Júlio Cesar rebate a afirmação de seu sucessor e diz que pagou 80% da obra e que apenas com a arrecadação de dois meses era possível concluir toda a construção. Afirma ainda que Fábio foi eleito com seu apoio e com o compromisso de finalizar a nova sede da prefeitura, mas que ele rompeu o acordo para prejudicar sua imagem junto à população. Júlio César disse também que não considera a obra suntuosa, apesar de parecer.





“Não só deixei faltando apenas o valor de 20% para terminar, como deixei um valor a ser recebido em espécie de R$ 7,5 milhões que dava para construir mais da metade da nova sede de novo, além de pagar aquela obra que ficou para terminar, mas lamento que ele não quis terminar”.

Como seria a nova sede administrativa de Jeceaba, segundo a maquete (foto: attuareengenharia.com/Reprodução)
 
Segundo, é um projeto muito “bonito, visionário e barato”, pois feito basicamente em estrutura de concreto. “Uma obra que daqui há décadas ainda seria moderna e arrojada”, afirma. Ele disse que vai se candidatar a prefeito nas eleições do ano que vem para poder finalizar o empreendimento. Júlio disputou a prefeitura no último pleito, mas não se elegeu. “Perdi por 183 votos”, afirma Júlio. A diferença entre ele e o eleito foi de 3,% dos votos.

Policlínica inadequada

Ampliação da policlínica (segundo prédio) também está paralisada (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Além da obra da prefeitura, a ampliação da policlínica também não foi concluída. Segundo o atual secretário de Saúde, Vinicius Gonzaga, a ampliação não teve o aval da Vigilância Sanitária, por isso não pode ser concluída. O local hoje, um prédio de dois andares, abriga um almoxarifado hospitalar. Júlio César disse que deixou essa obra paga e que ela não foi concluída pelo mesmo motivo da sede administrativa.





O procurador do município, Francisco de Assis do Carmo, também não quis dar entrevistas e não respondeu ao pedido de informações enviado por e-mail pela reportagem. Francisco é o responsável por uma ação de improbidade movida contra Júlio César, mas não quis dar detalhes do procedimento, ainda em tramitação na Justiça Mineira.

O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) notificou 372 prefeituras para apresentar informações sobre o andamento dos contratos suspeitos de paralisação, mas não informou se Jeceaba faz parte dessa lista. De acordo com o órgão, a relação completa das obras paralisadas por cidade será publicizada assim que as apurações forem concluídas, após análise das informações enviadas pelas prefeituras. Procurado na terça-feira pela reportagem, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) não se manifestou sobre a obra e não informou se há algum procedimento judicial em trâmite para apurar as responsabilidades pelo abandono da obra.