Brasília - A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) entregou à Comissão Parlamentar Mista (CPMI) dos atos golpistas 11 relatórios de inteligência que detalham inúmeras plano de organização para invasão do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) e outros ataques, inclusive de explosões e sabotagens, em várias regiões do país antes e depois de 8 de janeiro.
A agência rastreou pessoas que financiaram e divulgaram os ataques generalizados, como se organizaram pelas redes sociais, inclusive um plano contra torres de energia e aos seus sistemas de controle. Os documentos entregues aos parlamentares foram obtidos e divulgados pela TV Globo.
O primeiro relatório da Abin indica que 83 pessoas e 13 organizações fretaram 103 ônibus para levar 3.875 pessoas – todas já identificadas, segundo a agência – para Brasília, a maioria das regiões Sul e Sudeste. “É provável que diversos contratantes tenham sido utilizados como 'laranjas' com objetivo de ocultar os verdadeiros financiadores das caravanas e dos manifestantes", aponta o relatório.
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Lauriano teria financiado manifestações no Pará e em Brasília e também esteve presente em Brasília em 8 de janeiro. O terceiro relatório aponta 272 caminhões que estavam nos comboios para Brasília, a grande maioria registrada em Mato Grosso, Goiás, Bahia e Paraná. Destes, 132 estão registrados em nomes de empresas, o que, conforme a Abin, indica envolvimento de grupos empresariais no financiamento do acampamento no QG do Exército.
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Os demais 140 estão em nome de pessoas físicas. mas não pertenciam a caminhoneiros autônomos, são sócias em empresas do setor agropecuário. “A idade dos caminhões reforça o indício de envolvimento de grupos empresariais. Veículos de caminhoneiros autônomos têm, em média, 18 anos de uso. No entanto, aproximadamente 65% dos caminhões presentes nos comboios são novos e seminovos (ano modelo a partir de 2019).
Somente 18 dos 272 caminhões analisados (6%) têm 18 anos ou mais”, indica o relatório. O documento cita as rotas percorridas até Brasília e os nomes das empresas envolvidas.
Torres de transmissão
A Abin diz que descobriu que os ataques extremistas poderiam mudar de formato após 8 de janeiro. Em vez de manifestações, poderiam ter ocorrido vandalismo, sabotagem e ataques com explosões a sistemas de controle, como, por exemplo, de distribuição de energia, gás e gasolina. Em 10 de janeiro, por exemplo, uma mochila foi encontrada em viaduto de Feira de Santana (BA) com quatro artefatos que poderiam ser explosivos conectados a uma placa eletrônica.
Outro documento apresentado pela Abin à CPMI levantou nove tentativas de sabotagem a torres de linhas de transmissão de “relevância estratégica para a matriz energética nacional” em várias regiões do país. Em 14 de janeiro, por exemplo, foram detectados danos a estruturas das torres das linhas de transmissão da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). A queda de uma torre apenas causaria prejuízo ao abastecimento de energia na região.
Em um dos 11 relatórios, a Abin cita um extremista radical, de 24 anos, que defendia resistência civil contra o governo Lula. Ele integra 119 grupos do Telegram que incitavam ações violentas a partir de 8 de janeiro, inclusive com a criação de grupos paramilitares. O extremista identificado chegou a estruturar grupo paramilitar no Rio de Janeiro, que incluía policiais. “Além de trocarmos informações, devemos buscar nos organizar em células de autodefesa locais, porque a partir do momento que eles dominaram tudo, seus ‘coletivos’ como na Venezuela, já não teremos muito o que fazer”, afirmou ele em mensagem em 16 de janeiro, em um dos grupos, segundo a Abin.
Em outro relatório enviado à CPMI dos atos golpistas, a Abin lista 28 pessoas envolvidas com os ataques nas categorias lideranças identificadas, invasores com acesso a arma de fogo, influenciadores, organizadores de caravanas, financiadores e invasores. Três foram presos pela Polícia Federal. São eles Eduardo Antunes Barcelos, Joelson Sebastião de Freitas e Maria Aparecida Nogueira.
Outro documento mostra o rastreamento de um grupo extremista violento em Brasília que poderia atuar para tentar impedir a posse de Lula. O alerta surgiu a partir de quatro fatores: militares da reserva integrando o grupo; presença de membros do grupo perto da sede da Polícia Federal durante a diplomação de Lula, quando houve tentativa de invasão da PF; comunicação com um movimento radical que pretendia criar unidades paramilitares no país; um dos líderes ter publicado vídeo, em 22 de dezembro, afirmando: “A partir de então seria iniciada nova fase dos atos de protesto, pois o povo estava inflamado e não iria entregar o país ao crime político organizado”. E se a “salvação” não viesse pelo amor, viria “pela dor”.
Um dos líderes do grupo invadiu a Câmara dos Deputados, em 2016, durante um ato que pedia intervenção militar no país. Segundo a Abin, o grupo foi responsabilizado por incitar “desordem” no desfile de 7 de setembro de 2021, em Brasília.
Intervenção Militar
A Abin também entregou aos parlamentares um relatório que aponta Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA) como um dos “principais articuladores” de manifestações defendendo intervenção militar, mesmo antes das eleições de 2022, com apoio ao então presidente e candidato Jair Bolsonaro.
O movimento fez bloqueios rodoviários. “Muitos dos caminhões que partiram em comboio para Brasília após a eleição para apoiar o acampamento em frente ao Quartel do Exército partiram de regiões de influência do MBVA”, sustenta o documento.
Participaram da fundação do grupo em 2018 a Associação Nacional de Defesa dos Agricultores e Produtores da Terra (Andaterra), as Associações de Produtores de Soja e Milho (Aprosojas) de Mato Grosso e Goiás, e a União Democrática Ruralista (UDR). Atualmente, o grupo é coordenado pelas lideranças da Andaterra, Aprosoja Brasil, Aprosojas Mato Grosso, Goiás e Bahia.
As convocações ocorriam pelas redes sociais. O MBVA controla o programa Sucesso no Campo, na TV aberta.
O relatório indica que o grupo promoveu ou participou do ato na Agrobrasília em maio de 2019 em apoio a reformas econômicas; participou e apoiou acampamento 300 pelo Brasil em Brasília em maio de 2020; organizou ida de tratores e caminhões a Brasília em 15 de maio 2021; organizou protesto com tratores na sede da PF em Sinop (MT) em 23 de agosto 2021; liderou manifestações de 7 de setembro de 2021; levou máquinas pesadas a Brasília para a manifestação do 7 de setembro de 2022; atuou nos bloqueios e nos atos contra o resultado eleitoral a partir de 31 de outubro 2022. “Os municípios de influência das lideranças do MBVA são praticamente os mesmos de onde partiram os principais comboios de caminhões com destino a Brasília para as manifestações contra o resultado eleitoral em 2022, assim como nas manifestações ocorridas entre 8 e 10 de setembro de 2021”, diz o relatório da Abin.