Após meses de embate constante motivado pelo preço das passagens e o subsídio às empresas de ônibus, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e Câmara Municipal permanecem em pé de guerra na últimas duas semanas com outros dois temas: a Lagoa da Pampulha e o Aeroporto Carlos Prates.
No caso do espelho d’água, a finalização da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investigou contratos para limpeza do principal cartão-postal da cidade acirrou a relação entre os dois poderes e trouxe o Judiciário e o governador para o embate. Sobre o terminal, a divulgação de um projeto do Executivo para criar novo bairro no terreno motivou reação no Legislativo via projeto de lei (PL).
No último dia 12, véspera do fim do período determinado para a duração da CPI da Lagoa da Pampulha, foi marcada a votação do relatório final da comissão, feito pelo vereador Braulio Lara (Novo). O texto foi divulgado um dia antes e apresentava, em mais de 540 páginas, o pedido de indiciamento da Companhia de Saneamento e Abastecimento de Minas Gerais (Copasa); das prefeituras de Belo Horizonte e Contagem; e diversos nomes ligados à administração da capital. Destacam-se o ex-secretário de Meio Ambiente da capital, Mário Werneck; o atual secretário de Governo da cidade, Josué Valadão; e o diretor de Gestão de Águas Urbanas da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi), Ricardo Aroeira.
O relatório foi criticado por servidores de áreas técnicas incluídos no pedido de indiciamento e por parlamentares que questionaram o pouco peso dado a nomes do governo estadual no texto, remetendo ao fato de o parlamentar ser correligionário do governador Romeu Zema (Novo). Na votação, o relatório foi rejeitado por 4 votos a 3. A elaboração de um novo documento foi determinada e a relatoria passou à vereadora Flávia Borja (PP). O texto apresentado pela parlamentar era quase integralmente similar ao de Lara, mas com mudanças significativas nos pedidos de indiciamento. Saíram da lista os secretários da PBH, as prefeituras de BH e Contagem e a Copasa.
a vereadora pediu que o texto fosse retirado da pauta. A CPI foi encerrada, então, porque o prazo regimental venceu. A sessão foi tumultuada e se tornou palco para novas críticas do presidente da Câmara, Gabriel Azevedo (sem partido), à PBH. O parlamentar disse que o Executivo interferiu no funcionamento da Câmara, chamou Borja de “falsa cristã” e afirmou que ela fez “acordo sujo” para retirar o Executivo e secretários da lista de indiciamentos. No mesmo dia, Azevedo conseguiu as assinaturas necessárias para abrir nova CPI.
A versão de Borja seria votada em 12 de julho, mas Assinaram o requerimento para protocolar a segunda investigação dos contratos para a limpeza da Lagoa da Pampulha Bráulio Lara (Novo), Cesar Gordin (Solidariedade), Ciro Pereira (PTB), Fernanda Pereira Altoé (Novo), Fernando Luiz (PSD), Henrique Braga (PSDB), Irlan Melo Jorge Santos (Republicanos), Loíde Gonçalves (Podemos), Marcela Trópia (Novo), Ramon Bibiano da Casa de Apoio (PSD) e Sérgio Fernando Pinho Tavares (PL).
Azevedo comemorou a abertura da nova CPI. “A recriação da comissão evidencia que o Poder Legislativo de Belo Horizonte não aceita as manobras da prefeitura para que as investigações terminem em pizza. Quem preparou a pizza que a engula. A presidência não se dobra aos caprichos do prefeito Fuad Noman (PSD) e do secretário Josué Valadão”, disse o vereador em nota.
A prefeituira recorreu à Justiça com o argumento de que é inconstitucional a nova comissão. No pedido de liminar para a suspensão da nova CPI, a Procuradoria-Geral do Município apontou que a abertura de nova comissão com o mesmo tema fere o artigo 58 da Constituição Federal, que determina o período correto para o funcionamento desse tipo de colegiado. Regimentalmente, os prazos são de 20 dias para a conclusão dos trabalhos, prorrogáveis por mais 60 dias, totalizando um máximo de 180 dias.
Na quarta-feira, o juiz Thiago Grazziane Gandra, da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal concedeu a liminar. Ele julgou procedente a argumentação de inconstitucionalidade da nova CPI.
“O comparativo sumário entre o ID 98677387001 e o ID 9867738002 já permite visualizar a correspondência exata do objeto da CPI instaurada e a da que se pretende instaurar – a investigação de fraudes no procedimento licitatório iniciado em outubro de 2018 para a contratação de serviços de limpeza da Lagoa da Pampulha. O segundo requerimento é praticamente uma cópia, ipsis litteris, do primeiro”, afirmou o magistrado em sua decisão.
A Câmara reagiu à liminar. Em nota, Azevedo afirmou que a cidade merece uma conclusão das investigações e questionou o que considerou empenho do Executivo em barrar iniciativas que buscam esclarecer os processos de limpeza do cartão-postal da capital.
Crítica a reunião com Zema
O prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, se reuniu com o governador Romeu Zema, na última terça-feira, para tratar do cronograma de obras da Copasa para acabar com o lançamento de esgoto na Lagoa da Pampulha. Durante o encontro, que teve a presença de representantes da Copasa, o prazo para encerrar o foco principal de poluição do espelho d’água foi reduzido de cinco para três anos.
Além disso, estão previstas obras para a expansão da rede de esgoto, proteção dos curso d’água e da fauna e melhoria das condições sanitárias. Em março, as prefeituras de BH e Contagem assinaram com a Copasa acordo pelas intervenções de limpeza da lagoa, incluindo cerca de 10 mil novas ligações à rede de esgoto, 2,8 mil na capital e outras 7 mil no município vizinho.
Nas redes sociais, o presidente da Câmara Municipal, Gabriel Azevedo (sem partido) associou o encontro do prefeito com o governador e a decisão de reduzir o período para o fim do lançamento de esgoto na lagoa como um resultado da pressão do Legislativo sobre a prefeitura a partir da abertura da nova CPI.
A apresentação de um plano detalhado da prefeitura para uso do terreno do Aeroporto Carlos Prates na segunda-feira iniciou novo capítulo do embate entre a PBH e a Câmara. O Executivo pretende construir estruturas públicas, que incluem parque, escolas para educação infantil e ensino fundamental, museu da aviação, Unidade de Pronto Atendimento (UPA); cerca de 4.500 novos imóveis, parte deles destinada à população de baixa renda. Na segunda-feira, em evento para mostrar à população o projeto da PBH, houve discussão entre grupos que pedem a manutenção das atividades do aeroporto e movimentos pela moradia popular. Membros do Executivo foram interrompidos em diversas oportunidades pela gritaria entre os movimentos.
Na reunião, o vereador Braulio Lara anunciou o lançamento de documento assinado por 22 parlamentares e enviado à Presidência da República, ao Ministério de Portos e Aeroportos e à PBH pedindo a manutenção das atividades do terminal.
“A Voa Prates, a associação que cuida do aeroporto, já vem se movimentando politicamente para conseguir reverter essa decisão. Então, existe apoio dos deputados federais e estaduais e, agora, o manifesto que foi assinado por 22 vereadores demonstra essa maioria de parlamentares que apoiam o aeroporto como importante equipamento para a cidade. É o nosso aeroporto mais antigo, 80 anos não se jogam fora como estão jogando. A prefeitura, infelizmente, está querendo passar para as pessoas que ela tem um projeto de moradia popular que já devia ter muito antes de começar a falar de Carlos Prates. Ele já devia estar caminhando dentro do Plano Diretor nas áreas que tem infraestrutura de transportes, mais favoráveis para esse tipo de empreendimento. Em um oportunismo político, a área do Carlos Prates, acabou virando bandeira de acenos políticos claros do prefeito e jogando fora um importante equipamento que forma milhares de profissionais da área é aeroportuária”, declarou.
Braulio Lara também protocolou projeto na Câmara propondo que a área do aeroporto seja usada apenas para atividades com potencial de desenvolvimento econômico. A medida inviabilizaria a construção de moradias e permitiria que o aeroporto continuasse funcionando. Nos dias subsequentes, Fuad Noman colecionou declarações em que questiona a movimentação na Câmara: “Nunca vi vereador ser contra moradia popular”.A prefeitura aguarda a transferência definitiva do terreno pela União ao município para começar a tirar as obras do papel. A cessão deve acontecer em setembro, embora opositores do desativamento do aeroporto acreditem em prolongamento do prazo.
Também na reunião de apresentação do plano da PBH, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), vice-líder do governo na Câmara, garantiu que não há chance de recuos na municipalização do terreno.
“Eu, como vice-líder do governo do presidente Lula, tenho cuidado pessoalmente disso. Já estivemos com o próprio vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), como o ministro de Portos e Aeroportos (Márcio França) e com o ministro das Cidades (Jader Barbalho Filho). Então o que está planejado aqui é, junto com a prefeitura, fazer com que essa área tenha destinação pública de moradia e também para suprir as carências da região. Ter uma área verde, um parque, escolas de educação infantil e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que é uma carência em toda região.Está bem encaminhado, não existe a menor hipótese de volta atrás desse processo”, disse o parlamentar ao EM.
O petista prosseguiu tratando sobre a movimentação em Brasília para disponibilizar o terreno ao município e viabilizar o início das obras ainda neste ano. Correia afirmou que o aporte de verbas federais ao projeto deve se dar a partir do programa de habitação Minha casa, minha vida. “O que é preciso agora é iniciar o que há de imediato. Eles vão recuperar o parque, provavelmente já iniciar as obras da UPA, da unidade de educação infantil, tudo ainda este ano. A moradia já é um processo mais demorado, tem que ver qual o tipo de moradia, discutir com o Ministério das Cidades. Mas está bem avançado O governo ajudaria com o Minha casa, minha vida”, disse Correia também.