A proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de criar penas mais duras para crimes contra o Estado Democrático de Direito é "apressada" e "pouco eficaz", disse em entrevista à BBC News Brasil o jurista Oscar Vilhena Vieira, professor e diretor da FGV Direito SP.
Pesquisas acadêmicas, ressalta ele, mostram que endurecer penas traz pouco resultado concreto para evitar crimes. Na sua avaliação, o pacote do governo carece de medidas preventivas mais eficientes.
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Segundo anunciado na sexta-feira (21/07), umas das medidas propostas é estabelecer pena de 20 a 40 anos de prisão para quem atentar contra a vida do presidente da República, do vice-presidente, dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República, com o objetivo de alterar a ordem constitucional democrática.
O governo Lula também quer penas mais duras para quem organizar ou liderar movimentos antidemocráticos (6 a 12 anos) e para quem financiar movimentos desse tipo (8 a 20 anos).
Outra proposta é permitir que um juiz possa bloquear contas e apreender bens "quando houver indícios suficientes de autoria ou de financiamento de crimes contra o Estado Democrático de Direito" em uma decisão de ofício, ou seja, sem solicitação prévia de outro órgão como a Polícia Federal ou o Ministério Público.
Enquanto aguarda os detalhes do pacote, Vieira manifesta preocupação com a possível criação de tipos penais "abertos", ou seja, com uma descrição pouco objetiva, que permitam no futuro decisões políticas arbitrárias na suposta tentativa de proteger a democracia.
À BBC News Brasil, Vieira também analisou a atuação do Supremo Tribunal Federal nos inquéritos que investigam atos antidemocráticos e ataques à Corte, que estão concentrados principalmente no ministro Alexandre de Moraes.
Para o professor, o STF teve uma conduta, em geral, correta nos últimos anos, em sua própria defesa e da democracia, quando, em sua avaliação, outras instituições foram omissas, como a Polícia Federal e o Ministério Público. Mas avalia que seria importante que novos ataques a ministros, como a hostilidade recente sofrida por Moraes e sua família na Itália, sejam investigadas na primeira instância judicial, e não mais pelo próprio Supremo.
Outra preocupação sua, diz, é com a preservação da liberdade de expressão. "O exercício da crítica, o exercício da condenação, por intermédio de opinião, não pode ser censurado. Os ministros estão expostos e vão ser criticados publicamente. O tom dessa crítica muitas vezes é contundentíssimo, é fortíssimo, e não é crime", ressalta.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – O governo anunciou que enviará um projeto de lei o Congresso com medidas mais duras contra atos antidemocráticos, como pena de até 40 anos de prisão para quem atentar contra a vida do Presidente da República e de ministros do STF com objetivo de alterar a ordem constitucional. Qual sua avaliação?
Oscar Vilhena Vieira – Há uma lei de 2021 (que seria alterada caso o Congresso aprove a nova proposta do governo) que fez algumas interferências bastante cirúrgicas no Código Penal, inserindo alguns tipos penais novos (relacionadas a atos antidemocráticos).
Acho que ninguém imaginava que essa lei ia ser submetida a um teste tão vigoroso em tão pouco tempo. Evidente que existiam grupos que estavam agindo contra a democracia, mas o volume de casos foi imenso, especialmente no que diz respeito ao crime de incitação (a um golpe) e, por causa do 8 de janeiro, o crime de tentativa de golpe.
Eu acho que nós temos, em alguma medida, uma posição muito positiva de verificar a efetividade dessa legislação. O grande desafio do Brasil é aplicar essa legislação com correção, conseguindo discernir os diversos tipos penais que estão envolvidos nesses atos. Então, eu não simpatizo com a ideia de você já fazer uma reforma quando a lei ainda sequer foi testada. É um pouco apressado.
O segundo ponto: o meio que se escolheu para endurecer (a repressão contra atos antidemocráticos) é o aumento de pena, que parece pouco eficaz. Há muitas pesquisas acadêmicas que demonstram que o aumento de pena, seja para crimes comuns ou agora para esses crimes, não tem muita consequência sobre a dissuasão (impedir um crime). A pessoa que se envolve nesses crimes não leva tanto em consideração se a pena é 4 anos, se é 6, se é 8. São outras razões que levam à prática do crime. Então, eu acho que isso tem um efeito mais simbólico do que o efeito concreto.
O que você pode fazer para prevenir os crimes contra o Estado democrático de direito é ter a agências que são capazes de investigar, são capazes de detectar esses grupos. É muito mais uma ação administrativa para conseguir debelar esse delito, do que uma ação simbólica de aumentar as penas.
Há o caso claro na Alemanha onde você tem uma agência especializada em proteção da Constituição. Ela produz dados sistematicamente, ela investiga as ações antidemocráticas, e ela vai transferir essas informações depois para o Ministério Público. Há uma boa divisão entre quem captura a informação e quem pode tomar uma ação judicial, pra que esse órgão não fique muito poderoso. Então, me parece que é o ponto que fica de fora (do pacote anunciado por Lula).
O terceiro ponto: embora haja um precedente que elevou a pena máxima no Brasil para 40 anos (a Lei Anticrime aprovada no governo de Jair Bolsonaro), há uma discussão sobre isso ser constitucional ou não. A tradição brasileira é uma tradição de pena máxima de 30 anos. Eu não vejo o porquê você precise aumentar isto.
BBC News Brasil – Críticos consideram que leis duras contra atos políticos podem virar uma ameaça, inclusive contra movimentos sociais. Há risco de autoritarismo ou perseguição política na aplicação dessa nova lei, caso seja aprovada?
Oscar Vilhena Vieira – Esse é um ponto muito importante. O projeto de lei ainda não foi divulgado, mas há uma indicação, na comunicação feita pelo governo, de que seriam criados alguns tipos penais. Tipos penais abertos geram uma enorme discricionariedade e uma possibilidade de aplicação arbitrária. E evidente que isso vai cortar para os dois lados. Hoje, você pode achar que os extremistas são de um lado do espectro político, mas outros aplicadores da lei vão achar que o extremismo está de outro lado.
O estabelecimento de delitos de ordem política devem ser minimalistas e muito bem definidos, porque aí o que você está punindo não é uma discordância em relação ao conteúdo da mensagem política, mas à prática que pode envolver violência, que pode envolver um tipo de dissolução ou abolição do Estado democrático de direito.
Então, a gente tem que tomar muito cuidado. Mas o projeto de lei ainda não foi divulgado para sabermos como vão ser esses novos tipos penais.
BBC News Brasil – A PF realizou uma operação autorizada pelo STF contra suspeitos de hostilizarem e agredirem a família de Alexandre de Moraes. Essa medida foi adequada, ou houve algum abuso?
Oscar Vilhena Vieira – É muito preocupante a intensidade com que o Supremo Tribunal Federal passou a ser atacado por setores extremistas. O ex-presidente da República (Jair Bolsonaro) fomentou isso porque ele era o primeiro a fazer ataques abertos, afetando não só a honra desses magistrados, mas também buscando uma forma de intimidação. E a reação do Estado brasileiro (a esses ataques) não foi sistemática. A Polícia Federal e o próprio Ministério Público foram muito omissos ao longo desse período. Isso gerou uma necessidade do Supremo Tribunal Federal se articular em sua própria defesa.
Algumas vezes são meros ataques à honra (dos ministros). Evidentemente que uma autoridade desse porte tem o dever de suportar (ataques). Outras vezes são ameaças de morte, são incitações a prática de crime. Então, a cautela tem que ser grande, a segurança (dos ministros) tem que ser aumentada, e as investigações têm que ser feitas para que nós possamos distinguir se é simplesmente um ataque pessoal, lamentável que ocorra, ou se isso ainda é uma tentativa de intimidação do próprio Poder Judiciário.
Todos os casos devam ser investigados. As investigações devem ser conduzidas pelo Supremo ou não? Eu acho que essa questão é fundamental. Acho que aquelas que estão imbricadas nos processos de desestabilização democrática, nos inquéritos que estão sob a custódia do Supremo no caso do 8 de janeiro e os (ataques) anteriores, sim (devem ficar no Supremo), porque nós tínhamos ali uma atuação bastante coordenada, sistemática, voltada à ruptura do regime.
As investigações dos novos ataques eu acho que deveriam, essa é minha opinião pessoal como jurista, ser conduzidas nas primeiras instâncias da Justiça. Quer dizer, houve uma ameaça, houve um crime contra honra? Aí não há prerrogativa de foro (para que o caso trâmite no STF) em face da vítima ser o Ministro do Supremo.
BBC News Brasil – A concentração de investigações no Supremo, principalmente no gabinete de Alexandre de Moares, tem sido alvo de críticas de alguns juristas. O caso da hostilidade contra Moraes na Itália está em sigilo, mas, segundo reportagens da imprensa brasileira, a PF e a PGR justificaram possível relação com o inquérito que apura os chamados atos antidemocráticos para manter essa investigação no STF. Está correto manter esse caso na Corte?
Oscar Vilhena Vieira – Infelizmente, esse é um dos problemas: esses inquéritos são sigilosos e, portanto, não conhecemos a ramificação. Eu não tenho como afirmar se essa pessoa, eventualmente, é um financiador de atos, se ele está envolvido. Se ele não estiver ligado a isso, não faz sentido que a investigação esteja sendo avaliada como se fosse uma tentativa de desestabilização do Poder Judiciário, (pois) é um ato de agressão individual. Enquanto o Supremo não der ampla publicidade aos inquéritos, as pessoas têm todo o direito de exercer a sua posição crítica em relação a isso.
Eu tendo a achar que, com a normalização da política brasileira, ou seja, nós não temos mais no centro do Poder alguém que busca, sim, desestabilizar as instituições democráticas, que é o comandante-em-chefe das Forças Armadas, no caso do ex-presidente da República, as questões têm que ser tratadas com a sua ordinariedade.
Haverá sempre grupos mais radicais, que fazem emprego abusivo do seu direito de manifestação. E, quando houver abuso, eles serão responsabilizados, mas tudo isso pode ser feito pelas instâncias ordinárias, a primeira instância do Poder Judiciário, o Ministério Público que atua junto a primeira instância e a Polícia Federal. Então, sou da opinião que nós devemos, de certa forma, baixar a temperatura do embate. E isso significa que as instâncias ordinárias podem retomar a sua função na condução dessas Investigações.
BBC News Brasil – Alguns juristas compararam a grande concentração de casos no STF com a Lava Jato, quando o ex-juiz Sergio Moro julgava casos de todo o país. As decisões do Alexandre de Moraes, por exemplo, já atingiram desde empresários que discutiam golpe no WhatsApp, passando por executivos de grandes plataformas digitais como Google, até suspeitos de falsificação do certificado de vacina do ex-presidente. Há um problema nessa concentração?
Oscar Vilhena Vieira – Isso é resultado de um conjunto de coincidências cercado por uma questão processual, onde há atração de um caso (inquérito) pelo outro (que tenha relação com o primeiro). Vamos começar pelo conjunto de coincidências.
Foi designada a abertura de um inquérito (o chamado Inquérito das Fake News, de 2019) para investigação de atos de desestabilização da jurisdição constitucional, (conforme) previsto no regimento interno (do STF). O presidente de então, ministro Dias Toffoli, escolheu o ministro Alexandre (para presidir a investigação). Isso criou, sem dúvida nenhuma, uma centralização destas investigações.
Investigações que, reafirmo, foram feitas no momento em que nem a Agência Brasileira de inteligência, nem a Polícia Federal estavam cumprindo as suas tarefas de investigar grupos que atuavam contra a democracia. Então, isso (a abertura do inquérito das Fake News pelo STF) é uma medida, ao meu ver, extraordinária.
E a coincidência é que esse mesmo ministro (Alexandre de Moraes) calhou de ser o presidente do TSE no período eleitoral. Eleição em que houve uma atuação, também vedada pela legislação brasileira, no que diz respeito ao próprio questionamento da credibilidade do processo eleitoral, das urnas eletrônicas. Então, parte do que você colocou aí, a atuação dos empresários, a atuação de outros grupos, se deu na Justiça Eleitoral, onde ele (Moraes) era o presidente.
Eu mesmo tinha escrito no início de janeiro que essa hiperconcentração (de inquéritos no STF) deveria ser diluída. O grande problema foi que, no momento em que você poderia ter a eventual distribuição desses inquéritos para que eles pudessem tomar um curso normal, vem o 8 de janeiro, com mais de mil pessoas presas.
E aí a hiperconcentração se concentrou mais ainda. Eu acho justificada (no caso do 8 de janeiro). Embora haja condutas distintas dentro deste ato, elas estão conjugadas. Então, se você distribuir isso na primeira instância, você pode ter um juiz que vai entender que é um tipo de crime, que é depredação, e outro que entenda que é um crime de abolição do Estado de Direito. Naturalmente, um crime complexo como esse (a invasão dos Três Poderes) deveria ser julgado de uma maneira homogênea, não nas condutas individuais, mas na forma de abordar.
Pode ter um que depredou, pode ter um que roubou o patrimônio público. Infelizmente nem todos vão ser responsabilidade pelo que fizeram, mas é importante que aqueles que há provas, que há filme, que há uma testemunha ocular sejam punidos.
Então, com a saída do ministro Alexandre da presidência do TSE (prevista para junho de 2024), isso muda. E eu espero que esses delitos que passem a ocorrer agora, como esse do incidente em Roma, também não mais sejam centrados no Supremo.
Lembrando que tem uma distinção aí do caso do Sergio Moro que é o fato de que o ministro Alexandre Morais, para o bem ou para o mal, as suas decisões têm sido convalidadas pela maioria dos ministros do Supremo. Então, se há questionamento, acho que o questionamento tem que ser ao próprio Tribunal, não só a ele.
BBC News Brasil – Há um certo espírito de corpo do STF nessa reação? Decisões questionáveis, como o afastamento do governador Ibanes Rocha, mesmo após já ter sido adotada uma intervenção federal na segurança do DF, acabam chanceladas pela Corte devido a esse contexto grave de ataques às instituições?
Oscar Vilhena Vieira – O ataque ao Supremo foi grave. É muito semelhante ao que aconteceu na Venezuela, o que aconteceu na Hungria, o que vinha acontecendo na Turquia. Então, o enredo de populistas autoritários atacando cortes constitucionais para mimar a sua legitimidade e posteriormente poder fazer uma intervenção era dado. É só você pegar e ver o que aconteceu em partes do mundo e ver também o quanto as redes sociais foram empregadas pra deslegitimar os ministros do Supremo e para incitar o ódio contra eles. E incitar, inclusive, as Forças Armadas contra o juiz, para que nós tenhamos clareza da dimensão do problema.
Isso, sem dúvida nenhuma, gerou a um mecanismo de autoproteção institucional, recrudesceu esse espírito, até porque o Supremo não se viu amparado pelas outras instâncias que deveriam estar agindo.
Então, eu pondero muito sobre isso. A questão é: para que autoridade do Supremo possa ser mantida, seria fundamental que ele não fosse, numa situação de normalidade como nós passamos a viver, o responsável por ser autoproteger. Então, eu tenho dito: afastem do Supremo a sua autoproteção. Para isso, é muito importante que o Ministério Público volte a atuar, que a Polícia Federal volte a atuar, e que o Supremo não centralize tudo. Isso é fundamental para saúde democrática brasileira.
BBC News Brasil – Há uma associação que reúne familiares de presos do 8 de janeiro. Ela diz que pessoas inocentes, que não cometeram atos de vandalismo e estariam se manifestando pacificamente, estariam presas, já que não houve individualização das condutas das pessoas detidas. Há algum problema nessa grande quantidade de prisões?
Oscar Vilhena Vieira – Não há dúvida de que há um enorme problema. É uma multidão de pessoas que fizeram coisas distintas, é extremamente difícil a determinação das individualizações. O que não significa que o Código Penal brasileiro não tenha condutas mais gerais para enquadrar quem estava lá.
Existe uma conduta no Código Penal, que talvez muitos dos manifestantes tenham tido dificuldade de compreender, que é o crime de incitação: incitar as Forças Armadas a tomar medidas contra os Poderes civis. Então, aquelas pessoas que estavam na frente de quartéis, com cartazes, com placas, elas estavam cometendo um delito. Veja, delito que foi tolerado durante os últimos meses de governo, não houve nenhuma investigação, não houve nenhuma ação. E delito que continuou ocorrendo em 8 de janeiro quando as pessoas foram na rua pedindo e se manifestando junto com aqueles que tiveram uma ação mais predatória, violenta.
Sem dúvida nenhuma, o direito à defesa é o direito a que as pessoas se defendam da melhor forma possível, exijam que o Estado apresente provas de que essas pessoas estavam lá, de que elas patrocinaram esses atos. E que distingua isso daqueles que tiveram uma ação de coordenação, de financiamento, de depredação física. Agora, também é preciso tomar cuidado daqueles que incitaram, que possam ser responsabilidades pela incitação.
BBC News Brasil – Em resumo, você vê algumas decisões questionais do Supremo nos últimos anos, mas considera que a conduta na defesa da democracia e da própria Corte, em geral, foi correta?
Oscar Vilhena Vieira – Eu acho que o papel do Supremo durante o período do governo Bolsonaro, no que diz respeito à pandemia e no que diz respeito aos ataques da democracia, foi um papel crucial. O que não significa que eu concordo com todas as decisões pontuais. Acho que nós deveríamos sim distensionar. E um ponto em que eu tenho sido mais crítico ao Supremo é no que se refere à liberdade de expressão. Acho que como houve muita agressão à democracia, muito crime de ódio, nós podemos correr o risco de juntar coisas que são distintas. Quer dizer, o exercício da crítica, o exercício da condenação, por intermédio de opinião, não pode ser censurado.
Então, evidente que os ministros estão expostos e vão ser criticados publicamente, e isto é absolutamente natural. Como autoridade política, o tom dessa crítica muitas vezes é contundentíssimo, é fortíssimo, e não é crime. Também as pessoas podem não ser democráticas, não tem nenhum impedimento de que eu fale: "eu sou autoritário, as mulheres não tem que ter o mesmo tratamento dos homens, eu gostaria que o regime político aqui fosse teocrático".
Então, tem um conjunto de condutas que eu posso até reputar nefastas, mas que não são crime. O que nós temos é crime de discriminação, que pode ser feito com a palavra, eu tenho crime de incitação ao golpe, que pode ser feito com a palavra, eu tenho até crimes contra honra que podem ser feito com a palavra. Distinguir isso é muito importante. Nós não podemos criar no Brasil uma percepção, que eu acho inclusive que a extrema-direita está usando, de que há uma restrição à liberdade de expressão. O Supremo tem que ser o principal defensor da liberdade de expressão mesmo quando essa liberdade de expressão seja para ser empregada contra ele. Então, é aí é onde a minha preocupação reside.
BBC News Brasil – Há algum episódio específico, alguma decisão do STF, que ilustre esse risco à liberdade de expressão?
Oscar Vilhena Vieira – Há um conjunto de casos onde a discussão é: foi um discurso antidemocrático, o grupo de WhatsApp estava fazendo discussões antidemocráticas. Qual o problema? Não tem nenhum problema. Ah, o grupo está patrocinando uma atividade de incitação de abolição do Estado de direito? É outra história.
A gente precisa ajudar a separar o joio do trigo. Quer dizer, o que é liberdade de expressão mesmo, com questões que são graves, desagradáveis, etc, daquilo que é um crime que pode ser cometido com a palavra.