O Ministério da Saúde completa 70 anos nesta terça-feira (25) comandado pela primeira mulher, a socióloga Nísia Trindade, e em um momento crítico de cobiça do centrão. Cargos são ambicionados pelo grupo enquanto verbas da pasta são usadas para ampliar a base de apoio ao Palácio do Planalto.
Com orçamento de cerca de R$ 190 bilhões, terceiro maior entre os ministérios, a Saúde é um alvo preferencial da pressão política em grande parte por causa do volume de emendas —instrumento por meio do qual parlamentares podem enviar recursos a destinos de sua preferência.
Há mais de R$ 14,7 bilhões reservados na pasta para indicações de deputados e senadores em 2023. Para gestores do SUS (Sistema Único de Saúde), o avanço do instrumento traz prejuízos.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, Alagoas e municípios do estado —berço político do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)— foram privilegiados na partilha da verba herdada pela Saúde com o fim das emendas do relator.
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"Não tenho nenhum tipo de contraponto ao Poder Legislativo", acrescenta a ministra. "Na medida das minhas possibilidades, eu quero contribuir com o governo para que essa relação seja a mais positiva possível em benefício do SUS e da democracia."
As negociações se desenrolam enquanto o próprio comando da pasta já chegou a fazer parte de discussões entre os políticos, pondo em dúvidas a permanência da ministra.
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No começo de julho, no entanto, o presidente Lula (PT) a elogiou publicamente e disse, em tom de recado ao centrão, que o comando da pasta não está em negociação. "Nísia, vá dormir e acorde tranquila, porque o Ministério da Saúde é do Lula, foi escolhido por mim e ficará até quando eu quiser", afirmou o mandatário em evento ao lado da ministra.
O atual cenário do ministério sob um comando petista e na mira do centrão é observado após uma fase peculiar, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), quando a cúpula da Saúde se alinhou ao negacionismo científico e contrariou os próprios técnicos ao editar normas para defender o uso de medicamentos ineficazes contra a Covid-19.
O momento dos últimos anos diferiu em grande parte do histórico da pasta, criada em lei de 1953 assinada pelo então presidente Getúlio Vargas, que separou Educação da Saúde. O ministério tem como marcos históricos a criação do PNI (Plano Nacional de Imunizações), em 1973, e a regulamentação do SUS, em 1990.
Durante esse tempo, os 51 gestores que passaram pela pasta enfrentaram diversas crises sanitárias, como a da febre amarela, a da zika e a da H1N1. A Covid-19 foi a mais recente e matou mais de 700 mil pessoas no país.
"Houve uma grande luta política dos sanitaristas e de parte da sociedade no início do século 20 para que o Brasil tivesse um Ministério da Saúde. Estamos fazendo 70 anos, mas a força do ministério vem com o SUS, não devemos dissociar o ministério do SUS", diz à reportagem a ministra.
O ministério ainda foi determinante na consolidação da política de atenção gratuita a pessoas vivendo com HIV/Aids.
Nísia afirma que está entre as prioridades da pasta retomar a coordenação nacional do SUS, "muito comprometida pelas ações do governo anterior", além de fortalecer programas de vacinação e de produção nacional de medicamentos e vacinas.
A regulamentação do SUS foi um dos principais marcos da história da pasta. O médico Alceni Ângelo Guerra, ministro durante o processo (entre 1990 e 1992) afirma que esquerda e direita se uniram para retirar o sistema do papel –a universalização da saúde estava prevista na Constituição de 1988, mas precisava ser implementada.
Para o ex-ministro da Saúde e presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, Arthur Chioro, as ações de saúde pública se desenvolveram em ritmo mais acelerado após a criação da Saúde.
"O Brasil não seria o que é hoje, não teria produzido a interiorização, nós não teríamos mudado o perfil de mortalidade, de doenças infectocontagiosas se o ministério não tivesse produzido grande desenvolvimento das ações de saúde pública", diz ele.
"Geralmente a gente conta a história do Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, quando ainda não existia o ministério, mas pensando em expansão de política de saúde pública voltada a ações positivas, foi um momento muito importante na história do Ministério da Saúde ", afirma. "Tivemos também o momento muito sombrio, que é a ditadura, a partir de 1964. Inclusive, essas ações de saúde pública vão perdendo recursos, sendo deterioradas e colocadas em segundo plano ."
Diretor-geral da Opas (Organização Pan-americana de Saúde), o médico brasileiro Jarbas Barbosa diz que o ministério teve papel relevante na padronização de regras de vigilância sanitária e de acesso à saúde. "Houve um processo de nacionalização de políticas. Antes era diferente em cada estado."
Para Barbosa, um dos maiores desafios do ministério é aumentar o número de servidores concursados, pois a força de trabalho de diversas áreas da pasta é composta de funcionários e consultores contratados.
"Esses contratos deveriam servir para atividades mais temporárias, como atualizar um guia técnico. Mas o ministério precisa de um corpo técnico permanente maior, especializado, com mais epidemiologistas, gente da área de gestão de serviços de saúde", diz Barbosa, que também presidiu a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e atuou em diversas gestões do Ministério da Saúde.
Ministro durante a pandemia de Covid-19, o médico Marcelo Queiroga (PL) afirma que a crise sanitária levou o SUS a melhorar a vigilância sobre as possíveis novas ameaças à saúde.
"A gente precisa avançar em relação ao financiamento, colocar mais recursos na Saúde, e que esses valores cheguem às regiões mais vulneráveis. Outro ponto que é necessário evoluir é na eficiência do sistema, como um todo, a estrutura é tripartite, com estados e municípios, que são fundamentais."
Questionado sobre Bolsonaro ter sido um vetor de desinformação sobre a Covid-19, Queiroga minimizou a interferência do ex-presidente nas ações da Saúde. "O presidente tem uma fala muito assertiva, né? Quando eu assumi o ministério, ele me chamou e disse ‘olha, eu não sou médico e você que vai conduzir isso aqui e harmonizar essa relação.’"
Ministro da Saúde na gestão Michel Temer (MDB), o deputado Ricardo Barros (PP-PR) afirma que o Brasil tem o melhor modelo de saúde do mundo, construído por muitas mãos. Segundo ele, ainda há no que se avançar, principalmente na produção de vacinas e medicamentos no Brasil e na informatização. Ele critica a judicialização que ocorre na Saúde.
"O SUS é um sistema como qualquer outro e tem orçamento e despesas. Então, aquilo que não está previsto na cobertura não pode estar disponível. Não podemos ficar comprando medicamento de R$ 6 milhões."
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MARCOS DOS 70 ANOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
Pasta enfrentou crises sanitárias e implementou políticas de imunização e SUS
1953: criação do Ministério da Saúde, na gestão Getúlio Vargas, a partir da divisão do Ministério da Educação e Saúde
1973: Criação do PNI (Programa Nacional de Imunizações)
1975: Criação do SNVS (Sistema Nacional de Vigilância Sanitária)
1988: nova Constituição Federal determina que saúde é direito de todos e dever do estado
1988 - Criação do Programa Nacional de Aids/Dst
1990: regulamentação e criação do SUS
1994: Brasil recebe certificado livre da poliomielite depois de década de campanhas de vacinação
1996: sancionada lei que garantiu distribuição gratuita de medicação para HIV/Aids
2004: Criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres
2013: Criação do Programa Mais Médicos
2020: declaração da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional pela Covid-19; sob pressão de Bolsonaro, ministério adota postura negacionista
2023: socióloga Nísia Trindade se torna a primeira mulher a ocupar o comando do Ministério da Saúde
Fonte: Ministério da Saúde.