Jornal Estado de Minas

CÂMARA DOS VEREADORES

Conselheiros tutelares são alvo de CPI na Câmara de BH

 

A Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) abriu mais uma comissão parlamentar de inquérito. Novamente, com a prefeitura da capital como alvo das investigações, neste caso sobre o processo de escolha de conselheiros tutelares da cidade, marcado para outubro deste ano. Sob o pretexto de simplificar o processo seletivo e investigar possíveis abusos do Executivo na seleção de candidatos, a comissão pode ser palco de interesses de instituições como a Igreja Universal do Reino de Deus, que pretendem estender sua influência no conselho, mas não cumprem os pré-requisitos definidos em edital, conforme apurou o Estado de Minas.





 

A escolha dos conselheiros tutelares é feita a partir de votação aberta a todos os moradores do município. Até que os candidatos sejam definidos, porém, são feitas várias etapas de triagem para determinar que os nomes estejam aptos para exercer a função, que tem mandato de quatro anos e salário base de R$ 4.433,15. Nessas fases, os concorrentes devem apresentar documentação, comprovar experiência em trabalhos com o público infantojuvenil, passar por provas de habilidades específicas, redação e participar de cursos preparatórios.

 

Fontes ouvidas pela reportagem contam que, no processo deste ano, houve um imbróglio específico no momento de análise de currículo. Nove participantes apresentaram como comprovação de experiência com crianças e adolescentes trabalhos voluntários feitos na Igreja Universal do Reino de Deus e tiveram sua candidatura indeferida pela prefeitura. O Executivo alega que a experiência demonstrada não está nos padrões determinados no edital do processo.

 

O documento deteremina a necessidade de ter trabalhado com contrato assinado, como estagiário, como voluntário ou com carteira assinada por ao menos dois anos com atividades relacionadas a crianças e adolescentes. No caso de atividade ligada a organizações da sociedade civil, é preciso que a entidade esteja cadastrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de BH, mas não consta a inscrição da Universal ou de instituições ligadas à igreja da qual os pleiteantes fazem parte.





 

Os concorrentes que tiveram a candidatura indeferida por não aceitação das instituições ligadas à Universal recorreram da decisão via processo administrativo na prefeitura e via ação judicial, mas tiveram os recursos negados. A reportagem teve acesso a dois processos em questão. Em ambos, o juiz Emerson Marques Cubieiro dos Santos,  da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Belo Horizonte, entendeu que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permite que o município confira regras próprias ao processo de seleção de conselheiros e que, de fato, os pleiteantes não tinham experiência comprovada em instituições cadastradas no conselho.

 

Diante das derrotas nos requerimentos, a tentativa de questionar o processo seletivo dos conselhos tutelares chega a uma terceira via de apelação na CPI, segundo essas fontes. Por ter atuação próxima das comunidades e influência direta no funcionamento de instituições e famílias, a função de conselheiro tutelar atrai interesses políticos, especialmente pelo fato de ter a escolha dos membros do colegiado um ano antes das eleições municipais.

 

Sem citar especificamente qualquer instituição, o requerimento pela abertura da CPI fala em “perseguição religiosa contra cristãos” como uma das justificativas para abertura de investigação. O documento trata sobre o relato de uma pessoa que teve a candidatura indeferida por não ter a documentação necessária para provar os serviços prestados com crianças e adolescentes em instituição devidamente cadastrada no conselho.





 

“De tal forma, ao extrapolar na inovação de requisitos para a candidatura a função de conselheiro tutelar, bem como, em limitar a participação popular das candidaturas a função restringindo a autonomia do sufrágio popular, podem-se destacar indícios de uma possível predisposição da administração municipal a perseguir instituições não alinhadas e privilegiar entidades ideologicamente próxima aos dos comandantes da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania – SMASAC, caracterizando perseguição religiosa contra cristãos que viola a laicidade do Estado e aparelhamento político-ideológico”, diz trecho do requerimento. O documento também destaca que as denúncias recebidas pelos vereadores sobre irregularidades no processo de eleição de conselheiros foram acolhidas primeiro pela Frente Parlamentar Cristã de Belo Horizonte, que solicitou informações sobre o tema e nunca teve resposta do Executivo.

 

O primeiro signatário do requerimento foi o vereador Fernando Luiz (PSD), carioca, formado em teologia e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. Ele está em seu terceiro mandato na Câmara de BH, após ter sido o candidato mais votado nas eleições de 2012. Para tratar sobre as denúncias de perseguição religiosa citadas no requerimento, a reportagem tenta, diariamente, contato com o parlamentar desde 19/7, mas não teve as solicitações atendidas. O Estado de Minas ainda tentou falar com assessores e o gabinete de Fernando Luiz, mas não obteve resposta.

 

Em contato com a reportagem, a Igreja Universal do Reino de Deus afirmou que o assunto não tem qualquer ligação com a instituição e que pode ser observado a partir da consulta de qualquer documento público ligado à CPI. O interesse de instituições neopentecostais nos conselhos tutelares é reconhecido por fontes ouvidas dentro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e já foi, inclusive, alvo de investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro em 2020. No site oficial da Igreja Universal, por exemplo, há publicações com títulos como: ‘Conselho Tutelar: é nosso dever participar’, em que a atividade dos conselheiros é explicada didaticamente e os fiéis são incentivados a votar e pleitear o cargo.





 

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Evangélicos são maioria no colegiado

 

Belo Horizonte tem 45 conselheiros tutelares, cinco para cada uma das regionais da capital, além dos suplentes que atuam à noite, em fins de semana e feriados. Segundo conselheiros ouvidos pela reportagem e que não quiseram ser identificados, a atual composição do conselho da capital já tem a maior parte composta por evangélicos e há um interesse crescente na ampliação desse número. Um conselheiro tutelar ouvido pela reportagem questionou a reclamação de perseguição religiosa diante do fato de ter observado que integrantes de organizações cristãs são maioria dentro do conselho em BH. Ele elogiou o trabalho feito por membros de igrejas, mas aponta que há dificuldades atreladas à imiscuidade entre a dimensão técnica e a religiosa na atividade.

 

“Hoje eu diria que os evangélicos são cerca de 70% dos conselheiros em Belo Horizonte. Eles são maioria e querem ampliar. Eles são defensores de direitos humanos, a maior parte do trabalho realizam bem, inclusive. Mas quando vai de encontro a algumas questões, existe uma dificuldade muito grande. Por exemplo, com relação a adolescentes homossexuais, ou que têm trajetória de rua, ou histórico com entorpecentes, ou são mães solo”, explicou.

 

Não há qualquer irregularidade na participação de conselheiros em instituições religiosas. Entre as entidades e órgãos registrados no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de BH há dezenas de grupos relacionados a igrejas ou com designação ‘cristã’.