Pressionado pelo Centrão, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai aos poucos perdendo a identidade anunciada e vendida ao eleitor durante a campanha vitoriosa nas urnas no ano passado. A frente amplamente democrática com maior participação de mulheres e de ampla coalizão partidária vai cedendo espaço para aliados de ocasião, como partidos do Centrão que há menos de um ano eram aliados de Jair Bolsonaro, como o Progressistas e o Republicanos.
Além da repetição dos dois mandatos anteriores de Lula com mais espaço aos aliados de interesse, o governo também vai abrindo espaço para velhos conhecidos de gestões petistas. O presidente já anunciou o nome de Márcio Pochmann para o comando do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e está empenhado em nomear Guido Mantega para presidir a Vale.
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Consórcio Lula-centrão reúne quase 400 votos na CâmaraMinistério da Saúde faz 70 anos sob comando da 1ª mulher e pressionado pelo centrãoLula descarta ida de Rui Costa à Petrobras para abrigar CentrãoJanones vai acionar a PGR contra Nikolas por apologia ao nazismoMoraes é citado em artigo do New York Times sobre Judiciário de IsraelE deu um recado direto ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). “Eu não quero conversar com o Centrão enquanto organização. Eu quero conversar com o PP, quero conversar com o Republicanos, quero conversar com o União Brasil. É assim que a gente conversa”, disse ele.
No último dia 27, Lula telefonou para Arthur Lira e apontou que deve agilizar nesta semana, na volta aos trabalhos do Congresso Nacional, uma conversa com líderes do PP e do Republicanos sobre as trocas ministeriais. A urgência ocorre porque além da votação da nova regra fiscal na Câmara e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo precisa aprovar a medida provisória que atualiza os valores da tabela mensal do Imposto de Renda e taxa os rendimentos no exterior das pessoas físicas residentes no Brasil.
Sob reserva, um parlamentar da base governista enxerga os movimentos de Lula como uma espécie de resposta às ofensivas do Centrão. O presidente quer mostrar que apesar de ceder cargos ao PP e ao Republicanos e negociar ainda novas vagas para PSD, União Brasil e MDB, ainda mantém o governo com aliados de primeira hora. No entanto, alguns movimentos de integrantes do governo vem incomodando símbolos do governo, nomes considerados parte da espinha dorsal dessa frente ampla em prol da candidatura de Lula para derrotar o bolsonarismo.
PLANEJAMENTO
O IBGE está dentro do guarda-chuva do Ministério do Planejamento, de Simone Tebet. A ministra que foi candidata à Presidência e apoiou Lula no segundo turno, foi pega de surpresa com a nomeação e chegou a declarar que nunca havia ouvido falar no nome de Pochmann. Entretanto, ela pôs panos quentes na situação logo após para evitar uma situação de crise. Já o nome de Guido Mantega incomodou setores do mercado. Lula já fez uma série de comentários negativos sobre a lógica capitalista e de lucro dos grandes empresários e acionistas.
Além de Simone Tebet, os primeiros nomes da gestão Lula a cair por pressão política ou que estão ao menos na mira são de mulheres, que já teve a queda de Daniela Carneiro no Turismo para dar lugar ao deputado Celso Sabino (União Brasil-PA). Na semana passada, Marina Silva, que comanda o Ministério do Meio Ambiente, recebeu mais um fogo amigo do governo, desta vez da Casa Civil. O ministro Rui Costa fez uma declaração favorável à exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Existe dentro do governo uma natural disputa entre setores de energia e de meio ambiente e Costa, como chefe da Casa Civil, em vez de manter uma postura neutra, sinalizou ter um lado na discussão.
A ministra do Esporte, Ana Moser, e a presidente da Caixa, Rita Serrano, também ocupam vagas que estão na mira do Centrão. O governo vem pedindo aos partidos que ao menos indiquem mulheres para ocupar esses espaços, assim, a gestão Lula não perderia o tão defendido quórum feminino. A busca por aliança com o Centrão se tornou uma necessidade para Lula. A esquerda não elegeu uma bancada expressiva na Câmara e os aliados de primeira hora de centro do governo totalizam cerca de 160 deputados. Sem base para aprovar até mesmo projetos de maioria simples, os governistas tiveram que buscar apoio do centrão.
A cada escolha e projeto aprovado, o governo é convidado pelo bloco a fazer uma renúncia. Essas situações incomodam os aliados ideológicos, mas sem as concessões, o chefe do Executivo não teria aprovado suas principais medidas. Integrantes da oposição acusam o governo de não se importar com causas sociais. O deputado Kim Kataguiri (União-SP) afirma que o governo “usa” as minorias para conquistar objetivos eleitorais. “Acho que Lula e o PT apenas usam minorias como objetos descartáveis, úteis ao seu projeto de poder. Representatividade nunca foi prioridade, sempre foi o poder”, disse.