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Estado de Minas MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Rios e córregos secos expõem a penúria no Norte de Minas

Municípios mineiros incluídos no semiárido já sofre com mudanças climáticas, com crescente crise hídrica causada por estiagem prolongada e desmatamento


31/07/2023 04:00 - atualizado 31/07/2023 07:03
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Rio das Pedras, em Glaucilândia, já foi caudaloso, mas agora virou ''estrada''
Rio das Pedras, em Glaucilândia, já foi caudaloso, mas agora virou ''estrada'' (foto: LUIZ RIBEIRO/EM/D.A.PRESS)

As populações dos municípios incluídos no semiárido brasileiro em lista atualizada já enfrentam os impactos negativos das mudanças climáticas, cujos efeitos são ainda mais severos no Norte de Minas e nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri, historicamente castigados pelas longas estiagens. Nas últimas décadas, os moradores desses locais viram a crise hídrica se agravar com redução das chuvas, estiagem de rios e elevação da temperatura. Um exemplo desse quadro alarmante é observado em Coração de Jesus, cidade de 48 mil habitantes no Norte de Minas. Este é um dos municípios que entraram no novo mapa do semiárido traçado com base nos dados climáticos entre 1991 e 2020.

A coordenadora municipal de Defesa Civil, Alais Cássia Saraiva Lima aponta o gravidade da situação: “Com as mudanças climáticas, é notório que os períodos de seca e estiagem aumentaram na nossa região. Sofremos com a seca todos os anos. As chuvas diminuíram significativamente. Não teve um ano sequer que o município não sofreu com escassez de água. São milhares de famílias que necessitam do auxílio do poder público para receber água potável”. Segundo ela, cerca de cinco mil moradores de Coração de Jesus dependem de caminhões-pipa para ter abastecimento hídrico, e as mudanças refletem os impactos da ação humana.

A coordenadora diz esperar que a atualização dos municípios do semiárido possa atrair atenção à situação da cidade. “Com a atualização desta realidade, esperamos que o governo reconheça e disponibilize mais apoio para amenizar essa situação. A ajuda precisa vir lá de cima, já que a maioria dos municípios que estão dentro do reconhecimento de situação de emergência sobrevivem apenas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)”, observa.

O cenário de angústia se repete em Bocaiúva, cidade norte-mineira com cerca de 48 mil moradores, que passou a integrar o semiárido. No município, os cursos d’água secos evidenciam a ação da mudança climática. “Tivemos algumas dezenas de riachos e pequenos rios que deixaram de correr água, muitas vezes pela falta de chuva e outras tantas pela ação do homem, com desmatamento às margens desses rios”, afirma Antônio Carlos Vieira, coordenador de Defesa Civil do município.

Segundo a Defesa Civil da cidade, existem quase 12,5 mil pessoas afetadas pela seca no município. Destas, 2,5 mil dependem de caminhões-pipa para serem abastecidas com água. Além do drama da falta d'água, a alteração climática acarretou sérias perdas para a economia local. Antonio Vieira informa que, somente neste ano, os prejuízos causados pela seca à agricultura e pecuária de Bocaiuva chegam a R$ 6 milhões, segundo cálculos da Empresa de Assistência e Extensão Rural (Emater-MG).
Outra integrante nova na lista atualizada do semiárido é Brasília de Minas. Na cidade de 32 mil habitantes no Norte de Minas, os sensíveis impactos da alteração no clima são narrados pela secretária municipal de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente, Anne Caroline Pereira Simões. “No município percebe-se uma grande redução da disponibilidade hídrica em rios e no lençol freático. Rios que eram perenes e se tornaram intermitentes. Alguns deixaram de existir”, informa a profissional, que também responde pela coordenação da Defesa Civil da prefeitura.

ABASTECIMENTO 


Ela lembra que o abastecimento da maioria da população é feito a partir da água retirada de poços tubulares. O problema é que observa-se uma “grande redução” no nível do lençol freático na região, o que seria outra consequência das mudanças ambientais. Atualmente, o município conta com cerca de 300 famílias da zona rural sendo abastecidas por três caminhões-pipa, segundo a prefeitura local. “Ao longo do último século, o progresso nas condições de vida da humanidade teve um impacto notável no rápido crescimento populacional em todo o mundo. No entanto, essa expansão demográfica acelerada trouxe consigo uma ameaça significativa para a disponibilidade dos recursos naturais e desencadeou mudanças no ambiente”, afirma a secretária de Brasília de Minas, citando o agravamento do efeito estufa e o aumento das temperaturas da superfície terrestre como consequência do fenômeno climático.

Os efeitos adversos das alterações no clima são verificados ainda em Glaucilândia, onde vivem menos de 3 mil pessoas, também em situação de emergência no Norte de Minas. Lá, o secretário municipal de Meio Ambiente, Cleidson Carpeggiane Santos Araújo, diz que as “mudanças climáticas são nítidas” no município, onde, nos últimos anos, mananciais que eram perenes, tornaram intermitentes, como o Rio das Pedras, nascentes secaram e o nível do lençol freático foi rebaixado.

Fartura hídrica ficou no passado


Rio Itacambiruçu, em Itacambira, no Norte de Minas, também fica seco fora da temporada de chuva
Rio Itacambiruçu, em Itacambira, no Norte de Minas, também fica seco fora da temporada de chuva (foto: DEFESA CIVIL/DIVULGAÇÃO)

Itacambira, com 4,2 mil habitantes, por ser localizada em região de maior altitude, na Serra do Espinhaço, tem  clima mais ameno e por causa disso, já teve muita oferta de água. No entanto, há pouco mais de uma década, a fartura hídrica de Itacambira deixou de existir. O volume de chuva reduziu drasticamente e rios e córregos do município que eram perenes tornaram-se intermitentes. Por outro lado, a temperatura aumentou, seguindo os resultados das alterações climáticas. “A partir de 2012, principalmente, observamos quedas bruscas nos índices pluviométricos e aumento nas temperaturas”, relata Edvaldo Magalhães Filho, coordenador municipal de Defesa Civil de Itacambira, outra cidade que entrou na lista do semiárido do IBGE a partir de 2022.

Segundo Edvaldo, até 2012, o município tinha média anual de 1.200 mm de chuvas. Mas o número caiu nos anos seguintes, atingindo 713,2 mm em 2019, última atualização disponível. Já a temperatura local, que, no passado, chegava até uma máxima de 27ºC, hoje ultrapassa os 35,5 graus. Como resultado das alterações, 42 cursos d'água perenes tornaram-se intermitentes na última década. Entre eles, estão o Rio Itacambiraçu, que, no passado, corria caudaloso o ano inteiro, e os rios Queiroz, São João dos Mangues, Caititu e o Córrego da Onça. Atualmente, Itacambira conta com 110 famílias sendo abastecidas por dois caminhões-pipa.

A situação é semelhante em Botumirim, de quase 6 mil habitantes. Outro município do Norte de Minas “estreante” no semiárido em 2022, é também situado na região da Serra do Espinhaço e já teve água em abundância. “De 2010 até agora, as chuvas reduziram e estão sendo mal distribuídas. Córregos e rios que eram perenes passaram a intermitentes”, afirma Jéverton Cristiano Souza, coordenador municipal de Defesa Civil de Botumirim. Ele conta que não percebeu alteração na temperatura do município. No entanto, afirma: “O período de seca aumentou nos últimos anos e cresceu também a necessidade da perfuração de poços artesianos comunitários e transporte de água através de caminhão-pipa para consumo humano”. Botumirim encontra-se em situação de emergência por causa da seca e 300 famílias da zona rural do município estão sendo atendidas por dois caminhões-pipa.

Associação considera mudança benéfica

O presidente da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), José Nilson Bispo de Sá, o Nilsinho prefeito de Padre Carvalho, considera “benéfica” a ampliação do número de municípios mineiros no semiárido. “Entendemos que a ampliação do número de municípios na área de abrangência do semiárido mineiro foi muito importante e benéfica, pois somos de uma região com vulnerabilidades e com potencialidades. Temos as mesmas características climáticas, populacional, regime pluviométrico, chuvas concentradas, e situação socioeconômica semelhante, vivenciada nos nossos municípios”, afirma.

“Por questão de justiça, esta ampliação precisa e deve continuar para outros municípios. Como exemplos temos os municípios que foram emancipados e hoje não são considerados semiáridos, enquanto o seu município de origem sim”, diz Bispo de Sá. Ele lembra que municípios semiáridos têm vantagens como mais investimentos dos governos estadual e federal, financiamentos a longo prazo, renegociação de dívidas, participação do Seguro Garantia Safra, e recursos para a agricultura familiar e infraestrutura e ainda da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Já o vice-presidente da Amams e prefeito de Buenópolis, Célio Santana, reclama que a microrregião de sua cidade, do Rio das Velhas, “é considerada cinturão da pobreza”, e compreende cinco municípios (Buenópolis, Augusto de Lima, Joaquim Felício, Monjolos e Santo Hipólito). No entanto, estão fora da área de abrangência da Sudene e também não são considerados do semiárido mineiro.

Com cerca de 6,5 mil moradores, Machacalis, no Vale do Mucuri, é um dos 126 municípios que ingressaram no semiárido na nova lista do semiárido. Nas últimas décadas, foram verificados, na prática, os efeitos das oscilações no clima, com a redução das fontes hídricas, segundo o secretário de Agricultura e Meio Ambiente do município, Alexandre Amador. Diante das informações fornecidas pelo IBGE sobre as mudanças climáticas, é evidente que houve impactos significativos no clima local e no abastecimento de recursos hídricos”, afirma Amador. Segundo ele, foi observado aumento na temperatura média no município ao longo destas três décadas, “o que indica um cenário de aquecimento global e mudanças climáticas em curso na região”.

Ele aponta como pior consequência do fenômeno a redução dos recursos hídricos. “As mudanças climáticas tiveram um efeito negativo nas fontes de água do município. Muitas nascentes secaram, o que impactou diretamente o abastecimento de córregos e rios que antes eram perenes, tornando-os intermitentes”, lamenta Alexandre Amador.

Rio das Pedras, em Glaucilândia, já foi caudaloso, mas agora virou “estrada”




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