Jornal Estado de Minas

JUSTIÇA

Lei Anticorrupção faz 10 anos com alta aprovação e brechas


Há exatos dez anos, em 1º de agosto de 2013, a então presidente Dilma Rousseff (PT) sancionava a Lei 12.846/2013, determinando regras de combate e prevenção a crimes empresariais. Conhecida como Lei Anticorrupção, a medida chega a uma década de vigência com ampla aprovação no mundo corporativo, embora especialistas ainda apontem problemas em sua regulamentação e na aplicação de seus mecanismos. Entre outros pontos, o texto determina punições a pessoas jurídicas por atos contra a administração pública, incentiva o investimento no setor de compliance e estabelece mecanismos para acordos de leniência.




 
Para a doutora em Direito Público e professora de Direito Administrativo da PUC Minas Maria Fernanda Pires, ao se discutir a Lei Anticorrupção é importante lembrar o contexto em que foi sancionada e o fato de que a promulgação significou um passo já em atraso no Brasil em relação a legislações estrangeiras.

“Esse era um projeto que já estava sendo proposto havia bastante tempo, desde cerca de 2003. Em um contexto das manifestações de rua e do crescimento da pauta anticorrupção, a presidente Dilma sancionou a lei. Foi a primeira regra que previa punição de pessoa jurídica no Brasil e essa legislação já existia nos Estados Unidos desde a década de 1980. Foi um momento também de grande cobrança de organismos internacionais ao Brasil para que aqui tivéssemos leis que permitissem combater a corrupção”, explica.

Com ressalvas a pontos específicos, a professora avalia a primeira década da Lei Anticorrupção com um saldo positivo para a organização empresarial no Brasil. Mais do que estabelecer mecanismos de punição, ela aponta que um dos principais impactos da medida foi criar elementos de prevenção aos crimes em ambiente corporativo. “Até então, não tínhamos nenhuma responsabilização sobre a pessoa jurídica. E a lei responsabiliza de forma objetiva a pessoa jurídica. Esse é o ponto mais forte no texto. Outra coisa que ela faz é estabelecer instrumentos mais modernos, os acordos de leniência, uma demonstração mais clara de suborno de servidor público e o incentivo a políticas de compliance nas empresas. São mecanismos de integridade visando mais prevenir a corrupção do que simplesmente puni-la”, analisa Maria Fernanda Pires.





Ainda assim, a jurista aponta para melhorias necessárias na aplicação da lei. Um dos espaços para avanço está no estabelecimento de condições mais seguras para acordos de leniência, a possibilidade de que a empresa infratora disponibilize informações ao poder público para facilitar investigações em troca de possíveis diminuições das penas. Outras questões levantadas por Maria Fernanda Pires são melhoria na dosimetria das punições aplicadas às empresas infratoras e uma facilitação do texto para regulamentação nas instâncias estaduais e municipais, um obstáculo que dificulta a ampliação da aplicação da lei.

“A partir da entrada em vigor da Lei 12.846, os estados e municípios foram regulamentando para usá- la. Ainda assim, 60% dos municípios brasileiros não têm regulamentação para utilizar essa lei. É um texto complexo e até também uma falta de interesse político. Esse percentual dez anos depois é muito alto. Outra questão é que se  pegar a própria responsabilidade objetiva da pessoa jurídica é possível chegar até a uma pena de dissolução da empresa. Você tem a possibilidade de acabar com a empresa e a gente questiona se isso seria o mais indicado, se o ideal não seria você indiciar, mas permitir que a empresa continuasse funcionando, porque estamos falando, em alguns casos, de empresas que embora tivessem o problema da corrupção, arrecadavam, tinham competência do ponto de vista técnico”, complementa. A Operação Lava-Jato, que combateu a corrupção na Petrobras, fechou vários acordos de leniência, mas sofreu críticas por comprometer a saúde financeira das empresas.

PESQUISA 


Em levantamento divulgado ontem pela Quaest Pesquisa e Consultoria a pedido da Transparência Internacional - Brasil, 95% dos entrevistados avaliaram os impactos da Lei Anticorrupção como positivos e 99% acreditam que a lei contribui para disseminar sistemas de integridade nas empresas. Para a pesquisa, foram ouvidas 100 pessoas em 100 corporações diferentes. O levantamento também mostrou que houve uma percepção de aumento no investimento em setores de compliance nos últimos dez anos para 82% dos entrevistados. Para 86% dos ouvidos, no entanto, os sistemas de integridade das empresas brasileiras ainda são imaturos. Para 57% dos respondentes, as áreas de compliance devem crescer mais no futuro, enquanto 43% acreditam que deve-se manter o tamanho atual.