Uma mãe chora ao abraçar duas crianças enquanto fala “saudade” repetidas vezes. Ao agachar, é possível ver uma tornozeleira eletrônica em sua canela.
Uma das crianças pergunta sobre o pai, e ela responde: “Seu papai tá chegando já já. Ele tá na missão”.
A mulher que aparece no vídeo, amplamente reproduzido nas redes sociais, é Alessandra Faria Rondon, de 39 anos. Ela foi presa em 8 de janeiro após invadir, com uma multidão, o Congresso Nacional em um ato contra o resultado das eleições presidenciais, em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi vitorioso, e Jair Bolsonaro (PL), derrotado.
Ré em uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), Alessandra foi solta no início de julho para responder ao processo em liberdade provisória, mediante algumas condições — como o uso de tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar à noite e nos fins de semana e comparecimento todas as segundas-feiras ao fórum.
A empreendedora, dona de uma pizzaria em Cuiabá (MT) e de um trailer de lanches em Vitória da Conquista (BA), ficou seis meses presa, enquanto seu marido — também detido nos atos — segue na cadeia. O casal tem três filhos, dois deles menores de idade.
A filmagem do reencontro da mãe com os filhos pequenos após o tempo dela na prisão foi apresentada nas redes bolsonaristas como uma cena emocionante e um exemplo das injustiças que estariam ocorrendo contra aqueles que foram presos e que são acusados na Justiça pelo 8 de janeiro.
O STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmaram à BBC News Brasil que as prisões e os processos judiciais estão correndo dentro da normalidade (confira os posicionamentos ao longo do texto).
Em nota, o STF garantiu que os processos têm corrido com "garantia do contraditório e ampla defesa". "O Supremo Tribunal Federal vem garantindo o devido processo legal a todos os investigados pela Polícia Federal e denunciados pela Procuradoria Geral da República pelos gravíssimos crimes contra a Democracia ocorridos em 8/1."
Até a publicação desta matéria, a reportagem ainda aguardava um posicionamento do Ministério da Justiça sobre como o governo vem acompanhando os casos de 8 de janeiro e como avalia as denúncias de supostas violações.
Na postagem mais recente sobre o acontecimento em suas redes sociais, em 9 de julho, o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou: "O dia 8 de janeiro ainda terá toda a sua terrível história contada. Os covardes que estão nas sombras serão revelados e julgados."
Ao defender a Constituição — cuja réplica sumiu nos atos de janeiro —, Dino acrescentou que a Carta Magna "venceu os vândalos, golpistas e terroristas".
O dia 8 de janeiro ainda terá toda a sua terrível história contada. Os covardes que estão nas sombras serão revelados e julgados.
Decorridos 6 meses, tenho orgulho de ter lutado e seguir lutando em defesa da Constituição. E ela venceu os vândalos, golpistas e terroristas. pic.twitter.com/aE7Ws4hXKJ
Já para a Associação de Familiares e Vítimas de 08 de janeiro (Asfav), criada no final de abril para auxiliar os acusados pelos atos e seus parentes, há uma série de "violações" aos direitos de réus e presos.
Em 12 de julho, a associação divulgou um relatório assinado por três advogados apontando, entre outros pontos, que os réus são alvo de acusações muito semelhantes, sem evidências do que cada um teria feito individualmente.
O documento também diz que a longa duração de algumas prisões preventivas, especialmente de idosos e mães de filhos pequenos, seria injustificada e excessiva.
Além disso, os réus enfrentariam condições precárias nas prisões e sua defesa estaria sendo prejudicada por não ter acesso a um inquérito mantido em sigilo.
"Não se trata nem de questões políticas, são violações de direitos. As pessoas dizem: ah, tem que pagar mesmo, porque Bolsonaro é um grosso, é um fascista... Mas não se trata dessas questões, se trata de que estão abrindo precedentes que depois podem ser usados contra qualquer um", diz a advogada Gabriela Ritter, presidente da Asfav cujo pai foi preso no 8 de janeiro em Brasília e permanece na cadeia.
As denúncias têm o apoio de alguns senadores e deputados no Congresso, onde uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) investiga quem organizou e financiou os atos de 8 de janeiro.
Uma audiência foi realizada em junho na Comissão de Segurança Pública do Senado para ouvir os familiares e defensores dos presos.
A audiência foi convocada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), para quem os detidos são “presos políticos” que estão passando por situações vexatórias.
No último dia 21, Girão e mais três parlamentares entregaram um documento com denúncias ao embaixador do Brasil nas Nações Unidas, Sérgio Danese.
A JUSTIÇA E A VERDADE VÃO VENCER! Saímos há pouco do encontro c/o representante permanente do Brasil na ONU,embaixador Sérgio F. Danese. Vamos seguir até as últimas instâncias, inclusive internacionais,p/resguardar a liberdade e democracia brasileira contra a tirania. Paz & Bem pic.twitter.com/I4JbFFlDR9
— Eduardo Girão (@EduGiraoOficial) July 21, 2023Mas o plano de Girão de protocolar uma denúncia ao Comitê de Direitos Humanos ainda não foi concretizado. Segundo a assessoria de imprensa dele, não há previsão para isso ocorrer porque o parlamentar espera que, após o encontro com Danese, providências sejam tomadas tanto pelo Brasil quanto pela ONU.
O Itamaraty disse à BBC News Brasil que não cabe à pasta avaliar o mérito das denúncias no atual estágio, o que será feito pelos órgãos internacionais competentes, e esclareceu que o governo brasileiro responderá oportunamente se for demandado pela ONU, caso esta entenda que as denúncias são procedentes.
As denúncias não partem somente de parentes dos presos e de políticos que saíram em seu apoio.
O defensor público federal Gustavo Ribeiro, que coordena a defesa dos réus do 8 de janeiro e diz falar em nome de seus colegas da Defensoria Pública da União (DPU), disse à BBC News Brasil que vê “excessos” nas prisões e processos judiciais.
"Tem uma série de coisas completamente descabidas", diz Ribeiro, dando como exemplo prisões prolongadas de pessoas cuja culpabilidade não teria sido demonstrada.
Quem está preso?
Segundo o STF, 2.151 pessoas foram presas em flagrante a partir do dia 8 de janeiro em Brasília, tanto nos atos que levaram à depredação das sedes dos Três Poderes, quanto no acampamento bolsonarista em frente ao quartel general do Exército.
Após a identificação, 745 pessoas foram liberadas imediatamente, incluindo maiores de 70 anos, idosos com problemas de saúde e mulheres que estavam acompanhadas de filhos menores de 12 anos nos atos.
Atualmente, 251 pessoas (66 mulheres e 185 homens) continuam presas preventivamente — situação em que ainda não há condenação, mas a Justiça avalia que o acusado deve permanecer detido para garantir a ordem pública ou porque a liberdade dele pode trazer perigos, entre outros motivos listados pelo Código de Processo Penal.
De acordo com o STF, permanecem nesta condição aqueles acusados de crimes mais sérios.
Em linhas gerais, o caminho que levou presos em janeiro a se tornarem atualmente réus foi o seguinte: a PGR conduziu os inquéritos, fazendo investigações em parceria com a Polícia Federal, e ofereceu denúncias contra manifestantes ao STF.
As denúncias, então, foram julgadas como procedentes ou não pelo STF — nos casos em que elas foram aceitas, os investigados passaram a ser réus em ações penais que correm na Corte.
Um levantamento da BBC News Brasil a partir de comunicados do STF chegou ao número de pelo menos 1.291 denúncias oferecidas pela PGR e aprovadas pela Corte.
"Esse é o sistema acusatório clássico: existe um órgão de acusação, o Ministério Público. Ele, junto com a polícia, faz a investigação e pede que o Judiciário tome determinadas medidas — por exemplo, que determine ou flexibilize a prisão”, explica Álvaro Jorge, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio.
O relatório da Asfav lista o que seriam irregularidades nos processos — a começar pelo próprio julgamento dos casos no STF, uma vez que a rigor apenas pessoas com foro especial por prerrogativa de função são julgadas desde o início ali. A crítica é endossada pelo defensor Gustavo Ribeiro.
"Muitas dessas pessoas que estão sendo processadas não têm foro. Por que estão no STF?", questiona Ribeiro.
Normalmente, pessoas sem foro têm seus casos julgados inicialmente na primeira instância e, havendo recursos, as ações podem eventualmente chegar ao STF. Uma vez que os presos do 8 de janeiro já começaram a ser julgados no STF, a Asfav argumenta que eles perderam a possibilidade de recorrer a outras instâncias.
A assessoria de imprensa do STF não respondeu a essa crítica em particular, mas fato é que em 2020 a Corte julgou que pode abrir investigação quando ataques criminosos forem cometidos contra a própria Corte e seus membros.
Em inquéritos como o das chamadas Fake News, que corre no Supremo, há vários acusados sem foro, e algumas dessas investigações anteriores estão sendo usadas como base para as ações do 8 de janeiro.
O documento da Asfav também aponta que as audiências de custódia dos presos não foram realizadas no prazo de 24h, como determina a lei. Essas audiências servem para que um preso seja apresentado ao juiz, que vai ouvir manifestações das partes (como a defesa e o Ministério Público), avaliar a necessidade da manutenção da prisão e observar eventuais ocorrências de tortura ou maus-tratos.
Comunicados do próprio STF e da PGR dizem que houve um mutirão na Justiça para realização das audiências de custódia, que foram concluídas em 17 de janeiro — ou seja, ultrapassando o prazo de 24h.
Álvaro Jorge, da FGV, aponta que o atraso nas audiências de custódia não costuma levar à anulação da prisão. O Código de Processo Penal determina que a ilegalidade da prisão será decretada apenas quando o atraso não tiver justificativa idônea (adequada).
Para o professor, a justificativa para os atrasos em janeiro é óbvia: a enorme quantidade de presos.
"Era muita gente. Houve inclusive uma delegação da PGR e do próprio Supremo utilizando forças auxiliares, como promotores do Distrito Federal, para poder dar conta", diz Jorge, referindo-se aos mutirões.
Acusações
Uma das principais críticas das defesas dos réus é quanto à generalização das acusações e decisões.
“As denúncias são todas muito próximas, as decisões são todas muito iguais e nós estamos lidando com o processo penal. Precisa de um mínimo de individualização", diz o defensor público Gustavo Ribeiro.
Ribeiro argumenta que nem todos que estavam na praça dos Três Poderes participaram das depredações.
“Essa presunção absoluta em relação a todo mundo que simplesmente pisou na praça [dos Três Poderes] me parece um pouco excessiva. Teve gente que foi meio na curiosidade, meio ‘vamos ver lá o que está acontecendo’ e já chegou com tudo quebrado e acabou sendo preso”, afirma Ribeiro.
“E teve gente que disse assim: eu fui à praça porque eu queria rezar pelo meu país. Às vezes uma pessoa que teve menos acesso à educação, que tem menos acesso a jornais, por uma série de fatores, não consegue entender o que está acontecendo."
Gabriela Ritter, da Asfav, afirma que “a decisão que mantém as pessoas presas e o parecer da PGR que pede a prisão são iguais para todos, só muda o nome das pessoas”.
Como um breve teste, a BBC News Brasil usou uma ferramenta antiplágio para comparar as denúncias contra Alessandra Rondon, que protagonizou o vídeo que gerou comoção nas redes sociais, e Miguel Ritter, pai de Gabriela.
Foi constatado que 20% do conteúdo dos dois documentos é similar.
A denúncia contra Alessandra, por exemplo, diz que ela alcançou o interior do Congresso Nacional “participando ativamente e concorrendo com os demais agentes para a destruição dos móveis que ali se encontravam”.
Contra Miguel Ritter, é dito que as sedes dos Três Poderes ficaram “parcialmente destruídas pela ação do denunciado e de seus coautores".
A PGR disse à BBC News Brasil que as críticas de generalização não procedem porque os envolvidos nos atos de 8 de janeiro estão sendo acusados por crimes multitudinários.
Os crimes multitudinários não são tipificados por leis específicas, mas esse termo é comumente usado para falar das circunstâncias de um crime.
De acordo com o órgão, eles são crimes “praticados por uma multidão em tumulto, que deliberadamente e espontaneamente se organiza para a prática de um comportamento comum contra pessoas ou coisas”.
Isso torna “impossível especificar a contribuição individual de cada participante”, disse a PGR.
As penas variam de acordo com os crimes cometidos na ocasião, como crime de depredação de patrimônio público e outros elencados na denúncia.
O próprio ministro Alexandre de Moraes já indicou, em um evento da revista Piauí em junho, que está interpretando os acontecimentos de janeiro de forma semelhante.
“Quem estava lá participou. Não preciso dizer que fulano quebrou a cadeira A ou riscou o quadro B. Estar lá já é crime. Mas se [a pessoa] comprovar a partir das imagens que nada fez, alguns crimes caem”, disse Moraes.
'Punição desproporcional'
Outra crítica às prisões diz respeito aos casos em que não foi concedido aos réus o direito de aguardar o processo em liberdade provisória — e muitos deles seriam réus primários, segundo a Asfav.
Gustavo Ribeiro afirma que, entre as pessoas que permanecem presas, "muitas" não participaram ativamente do planejamento do ato e das depredações. Mantê-las presas seria, na visão do defensor público, uma punição desproporcional.
"O caso é de janeiro, e há prisões de pessoas que não têm qualquer capacidade de liderança, que não tem o menor sentido ficarem presas preventivamente”, argumenta Ribeiro.
Entre os que permanecem presos, a Asfav diz que há pessoas com necessidades especiais, como idosos e mães de filhos pequenos.
O Código de Processo Penal prevê que um juiz pode converter a prisão preventiva para prisão domiciliar em alguns casos, como para idosos maiores de 80 anos, pessoas extremamente debilitadas por motivo de doença grave, gestantes e mulheres com filhos de até 12 anos de idade.
A Asfav aponta que há pelo menos quatro pessoas com mais de 60 anos entre os presos. A informação foi confirmada pela BBC News Brasil.
Porém, nenhum deles tem idade acima de 80 anos: o mais velho tem 72.
Álvaro Jorge, da FGV, explica que a concessão destes benefícios não é automática.
“Se você pratica um crime com 30, 50, 70 ou 80 anos, você responde da mesma forma. O que acontece é que existem algumas exceções que devem ser consideradas em cada caso concreto pelo juiz", explica o professor da FGV-Rio.
A Asfav afirma ainda que seis mães com filhos menores de 12 anos continuam presas. A reportagem não conseguiu confirmar essa informação nos documentos dos processos aos quais teve acesso.
“Algumas pessoas foram soltas nas audiências de custódia lá em janeiro, mas isso sem critério nenhum, porque jovens foram soltos e idosos doentes ficaram”, diz Gabriela Ritter, presidente da Asfav.
Jorge ressalta que o juiz tem acesso privilegiado às evidências, aos acusados e às testemunhas — e diz que isso pode ajudar a entender decisões que parecem injustas a princípio.
“O juiz é o senhor da prova no sentido de que ele está sentado ali, é ele quem está conversando com o réu, ele consegue pegar o cara no contrapé, ele consegue ter intuição de se o cara está mentindo", exemplifica.
O STF disse à BBC News Brasil que permanecem presos aqueles acusados por crimes mais graves e que “mães de menores de idade e idosos tiveram análise preferencial, sendo que a maioria foi liberada para responder em liberdade”.
Alessandra Rondon, por exemplo, é acusada dos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Sua defesa diz que ela é inocente.
Seis meses antes do vídeo de reencontro com os filhos que causou comoção, ela protagonizou um outro, em que aparece sentada em uma cadeira no Senado pedindo a prisão de políticos “traidores” e a intervenção militar no país.
O advogado de Alessandra, Bruno Jordano, diz que sua cliente não participou nem concorda com as depredações. Ele argumenta não ser possível “enquadrar uma fala como um golpe de Estado”.
Jordano defende que os atos de 8 de janeiro não poderiam ser considerados um ataque à democracia, porque não teriam sido empregadas “armas de guerra”.
O advogado diz ainda que os filhos do casal passaram por um período difícil enquanto Alessandra e o marido estiveram presos ao mesmo tempo.
“Eles chegaram a pensar que os pais os tinham abandonado ou morrido”, diz Jordano.
Já Miguel Ritter, pai de Gabriela Ritter, é acusado de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado.
Mas sua filha diz que ele não participou das depredações e que entrou no Palácio do Planalto para se abrigar da repressão policial aos atos.
“Era uma manifestação que se tornou uma tragédia, porque ninguém concorda com atos de vandalismo”, diz Gabriela Ritter.
Os autos do processo apontam que o mecânico de 60 anos não tem antecedentes criminais. A advogada diz que o pai tem vários problemas de saúde, como diabetes, hipertensão e complicações ligadas à próstata e à mobilidade limitada no ombro.
Segundo ela, Miguel não estaria recebendo atendimento médico adequado na prisão e seria melhor cuidado se estivesse em liberdade provisória em Santa Rosa (RS), onde a família mora.
"Meu pai sempre foi uma pessoa muito forte, com autoestima, bom humor... Nunca nada abalou ele. Só que, dos últimos dias para cá, está sendo bem difícil, porque não tem uma perspectiva. Temos notado uma tristeza profunda no olhar dele”, afirma Gabriela Ritter, que se reveza com o irmão para visitar o pai em Brasília a cada 15 dias.
“A sensação que temos é que a condenação está pronta.”
A presidente da Asfav preferiu não responder à reportagem se votou em Jair Bolsonaro (PL), como muitos dos que participaram dos atos de 8 de janeiro, e minimizou os ataques do ex-presidente e seus apoiadores ao sistema eleitoral.
“Não é a primeira vez que se questiona no Brasil e no mundo o resultado das eleições.”
Direito de defesa
Outro ponto levantado pela associação de familiares dos presos é que a sua defesa tem sido sistematicamente prejudicada por decisões da Justiça.
Outro ponto levantado pela associação é que o inquérito 4879, aberto em 2021, tem sido usado como base para os inquéritos e ações penais do 8 de janeiro. Entretanto, ele é físico e sigiloso, e as defesas reivindicam acesso a ele.
A associação diz ainda que as defesas dos réus têm sido avisadas das datas das audiências com prazos muito curtos e que o STF tem pedido que a sustentação seja enviada em vídeo, não sendo possível fazer isso presencialmente — como seria a preferência da defesa dos presos.
A Asfav afirma que fez denúncias à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a qual não teria tomado as medidas adequadas, segundo a associação.
A OAB disse à BBC News Brasil que “até o momento, todas as requisições da OAB sobre prerrogativas profissionais foram atendidas pelo STF”.
O defensor público Gustavo Ribeiro acrescenta que as defesas têm dificuldades em pleitear a liberação de presos, uma vez que o STF tem como jurisprudência não conceder um habeas corpus contra decisão monocrática de seus ministros.
Restariam, então, recursos — mas, segundo Ribeiro, eles não colocados em julgamento pelo relator dos inquéritos e ações penais relacionados ao 8 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes. Mas, segundo Ribeiro, eles não seriam colocados para julgamento.
"Tudo que tenha qualquer relação [com os atos de 8 de janeiro], por ínfima que seja, vai para o ministro Alexandre de Moraes. O STF entende que não cabe habeas corpus (HC) contra ministro do próprio STF. Sendo assim, como escapar e levar certas discussões sem depender do ministro Alexandre de Moraes? Depende dele colocar o recurso para julgar, e ele não coloca. A gente faz o HC, e dizem que não cabe o HC”, aponta o defensor público federal.
O STF não respondeu especificamente às críticas à falta de acesso ao inquérito 4879 e nem sobre a impossibilidade de impetrar habeas corpus e a dificuldade de ter recursos julgados, apesar desses pontos terem sido apresentados pela reportagem.
Condições dos presídios
O documento da Asfav, assim como um relatório publicado no final de fevereiro pela DPU e pela Defensoria Pública do Distrito Federal, criticou as condições dos presídios para os quais foram levados os presos a partir de 8 de janeiro: o Centro de Detenção Provisória II, no Complexo da Papuda; e a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como "Colmeia".
Os documentos apontaram para superlotação dos presídios, alimentação insuficiente e insatisfatória, dificuldade de acesso a medicamentos e atendimento médico e a não realização de banhos de sol, entre outros pontos.
Responsável pelos dois presídios, a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) afirmou que, atualmente, o presídio masculino tem no total 1.282 presos para 980 vagas (portanto, com lotação acima da capacidade); e o feminino, 591 presas para 1.028 vagas.
Sobre a alimentação, a Seape afirmou que todo detento recebe quatro refeições diárias (café da manhã, almoço, jantar e ceia) e que "a alimentação de boa qualidade é um dos aspectos contratuais a serem seguidos pelas empresas contratadas".
Por isso, os contratos para esse serviço "são objetos de extrema diligência" por parte da pasta.
O órgão garantiu também que todos os detentos que chegam aos presídios passam por triagem médica, recebem vacinas e fazem consultas para identificar doenças crônicas.
"Além disso, no que diz respeito à saúde, é válido informar que todas as unidades prisionais do DF possuem uma Unidade Básica de Saúde em seu interior, que conta com médico, odontólogo, enfermeiro, técnico em saúde bucal, auxiliar de enfermagem, psicólogo, assistente social, farmacêutico, terapeuta ocupacional, psiquiatra, fisioterapeuta, ginecologista (no caso do presídio feminino) e um infectologista que atende todo o sistema prisional", acrescentou a secretaria.
Gabriela Ritter, da Asfav, reconhece que a situação do pai preso a fez se deparar com a realidade dos presídios brasileiros — que ela não sabia serem "tão ruins".
"Às vezes a gente julga algumas situações, mas quando a gente passa por elas, vê que a gente sempre pode aprender e mudar o nosso pensamento", diz Ritter.
"A prisão deve ser sempre o último lugar que um criminoso deve estar, mas estando lá, deve-se ter as condições para que ele se reabilite na sociedade."