Brasília – A Polícia Federal cumpriu ontem mandados de busca e apreensão contra a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). A congressista é acusada de envolvimento na invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A mesma ação, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), levou para a cadeia o hacker Walter Delgatti Netto – que ficou conhecido por invadir os celulares do senador Sergio Moro, quando era juiz, e de procuradores da Lava-Jato.
Com a revelação das suspeitas, e no alvo das investigações, a situação política de Zambelli se agrava. Ela está na mira de um processo que pode levar à perda de mandato na Comissão de Ética da Câmara. Zambelli foi alvo de mandados em Brasília e São Paulo.
De acordo com a PF, a operação, chamada de 3FA, tem como objetivo esclarecer a invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na inserção de documentos e alvarás de soltura falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).
Foram cumpridos dois mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão preventiva no estado de São Paulo e três mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, além de análise do material apreendido. O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse pelo Twitter que os mandados judiciais são relativos a invasões ou tentativas de invasões de sistemas informatizados do Poder Judiciário da União, no contexto dos ataques às instituições.
Ainda segundo a Polícia Federal, os crimes apurados ocorreram entre os dias 4 e 6 de janeiro de 2023, quando teriam sido inseridos no sistema do CNJ e, possivelmente, de outros tribunais do Brasil, 11 alvarás de soltura de indivíduos presos por motivos diversos e um mandado de prisão falso em desfavor do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Em julho, Walter Delgatti Neto disse, em depoimento à Polícia Federal (PF), que Carla Zambelli pediu para que ele invadisse as urnas eletrônicas ou a conta de e-mail e telefone do ministro Alexandre de Moraes.
Em um dos trechos, Delgatti também afirmou que se encontrou com o ex-presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Ele declarou que ouviu de Bolsonaro o questionamento se ele poderia invadir a urna eletrônica. Porém, afirmou que a solicitação não avançou, pois para acessar as urnas ele teria de ir até a sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tendo em vista que os equipamentos de votação não são conectados à internet. Como não teria acesso, não poderia atingir os sistemas de votação.
Em entrevista coletiva, Zambelli confirmou que se reuniu com Delgatti e com Bolsonaro. “Ele (Delgatti) queria conhecer o presidente (Bolsonaro). Como se dizia um esperto em tecnologia, o presidente queria perguntar pra ele se as urnas eram confiáveis, e ele (Delgatti) disse que não", relatou Zambelli. A bolsonarista e o hacker teriam se conhecido antes das eleições presidenciais. Segundo revelou o jornal “O Globo”, ela teria pago R$ 13,5 mil a Delgatti para que ele criasse um mandado falso de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes
Sigilo
Além das ações de busca e apreensão e da prisão, o ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra de sigilo bancário da deputada Carla Zambelli e do hacker Walter Delgatti. A decisão também atinge os assessores da deputada Renan Cesar Silva Goulart e Jean Hernani Guimarães, e também a empresa do hacker, a Delgatti Desenvolvimento de Sistemas. Além disso, o ministro pede que as "instituições financeiras envolvidas encaminhem os dados bancários via rede mundial de computadores".
O ministro ordenou também a apreensão de celulares, tablets e computadores, bem como de armas, munições e quantias acima de R$ 10 mil eventualmente encontradas nos endereços e veículos ligados à parlamentar. Na decisão, Moraes estabelece ainda o afastamento do sigilo bancário de "todos os bens, direitos e valores mantidos em instituições financeiras, no período de 01/06/2022 a 01/06/2023, pelas pessoas físicas e jurídicas relacionadas diretamente ou por seus representantes legais".
CPI
Os deputados da base do governo Lula (PT), que compõem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) dos atos antidemocráticos, querem votar a convocação do hacker Walter Delgatti Neto para depor. Segundo o deputado Rogério Correia (PT-MG) confirmou ao Estado de Minas, o requerimento será prioridade dos governistas na sessão deliberativa desta quinta-feira. O parlamentar argumenta que o depoimento é importante para entender as dimensões da organização interna para um “golpe de estado”.
“As falas da Zambelli são o suficiente para mostrar as ligações com a intenção golpista entre ela, o hacker, a cúpula do PL e o próprio Bolsonaro”, disse Correia, afirmando que a oitiva ainda está dentro do escopo do ataque aos Três Poderes no 8 de Janeiro.
Quem é o hacker Delgatti
O hacker Walter Delgatti Neto, preso preventivamente ontem, durante operação da Polícia Federal, ficou conhecido por hackear trocas de mensagens do ex-juiz da Operação Lava-Jato Sérgio Moro, hoje senador, e do ex-procurador da República e deputado cassado Deltan Dallagnol. Essa é a terceira vez que ele é detido.
Com codinome Vermelho, Delgatti Neto já havia sido preso, em julho de 2019, na Operação Spoofing. À época, ele admitiu aos investigadores ter hackeado o celular de diversas autoridades do país. O hacker também afirmou que repassou o conteúdo das supostas mensagens entre Moro e Dallagnol ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, sem cobrar contrapartidas financeiras para repassar os dados.
As conversas mostrariam que Moro teria orientado investigações da Lava-Jato ao sugerir mudança da ordem de fases da operação, dar conselhos, fornecer pistas e antecipar uma decisão a Dallagnol. Os membros da Lava-Jato nunca reconheceram a autenticidade das mensagens. Entretanto, o conteúdo foi utilizado como fundamento para a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba anular todas as decisões tomadas por Moro contra o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, por exemplo. Além disso, os arquivos obtidos à época pela Operação Spoofing foram usados pela defesa do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva na decisão do STF que considerou Moro suspeito para julgar o petista.
Relator aceita denúncia que pode cassar deputada
O deputado federal João Leão (PP-BA) deu parecer pela admissibilidade de representação contra a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. A representação foi apresentada pelo PSB por quebra de decoro após xingamento a Duarte Jr. (PSB-MA), e o partido pede a perda de mandato. O colegiado começou a discussão do pedido, que foi adiada por pedido de vistas do deputado Domingos Sávio (PL-MG) por dois dias úteis.
Leão considerou adiar a leitura de seu parecer por conta da Operação da Polícia Federal que mira Zambelli, argumentando que ela não teria condições de apresentar sua defesa. A ideia foi defendida pela oposição, mas criticada pela base governista, que destacou que Zambelli estava dando uma coletiva de imprensa no Salão Verde. "Não gostaria de estar lendo esse parecer em função da ausência da deputada Carla Zambelli. Porém, tomei conhecimento de que ela estava nesta Casa. Portanto, se ela estava nesta Casa, ela poderia estar aqui", declarou ao iniciar a leitura. A deputada chegou ao plenário logo antes da leitura do voto do relator, e fez sua defesa.
Segundo o PSB, Zambelli mandou Duarte Jr. "tomar no…" durante sessão em abril com a presença do ministro da Justiça, Flávio Dino. A parlamentar não negou o xingamento, mas disse que ele não foi direcionado a Duarte. Ela explicou ainda que o deputado e outros dois homens a ofenderam, a chamando de "espanhola" e "pistoleira". "Eu disse: 'Agora só falta ele me mandar tomar naquele lugar'. Não houve quebra de decoro contra o deputado. Nós, mulheres, às vezes a gente fica ali sozinha. Eram três homens falando de mim", alegou.
Após a defesa, João Leão sugeriu um acordo para arquivamento da representação com um pedido formal de desculpas de Zambelli, com o qual ela concordou. A possibilidade foi rechaçada, porém, por Duarte Jr. "Ninguém ofendeu a deputada, pelo contrário. Estávamos debatendo na Comissão de Segurança Pública. Temos muito mais do que provas testemunhais. Temos filmagens. Temos a taquigrafia. A ofensa é muito mais do que para um parlamentar, para mim. A ofensa é para o Parlamento", afirmou Duarte.