A Cúpula da Amazônia convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começa na terça-feira (8/08) e vai reunir presidentes de países da região amazônica e líderes da África, Indonésia e Europa.
O encontro, porém, parece estar longe de ser apenas um evento na agenda presidencial.
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Para eles, Lula estará executando mais uma etapa dentro de uma estratégia definida: fazer da pauta ambiental uma das principais apostas diplomáticas do presidente em seu terceiro mandato.
O objetivo, segundo especialistas e diplomatas, é fazer com que o Brasil atue como uma espécie de representante informal dos países ricos em florestas tropicais do mundo em fóruns internacionais e, assim, ampliar sua influência global.
A Cúpula da Amazônia vai reunir presidentes de pelo menos seis presidentes da região Amazônica e políticos da República Democrática do Congo, da República do Congo, Indonésia, Alemanha, Noruega, França e São Vicente e Granadinas. O foco da reunião deverá ser obter uma posição coordenada desses países em fóruns e negociações internacionais relacionadas à questão ambiental.
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Cientistas alertam que, para impedir os efeitos mais drásticos das mudanças climáticas, é fundamental parar ou diminuir o desmatamento das florestas tropicais como a Amazônica. As florestas são consideradas importantes para a manutenção do clima no planeta e, ao serem desmatadas, liberam toneladas de CO2 na atmosfera, agravando ainda mais o processo de mudança climática.
As primeiras indicações de que Lula apostaria alto na pauta ambiental como parte da sua diplomacia presidencial, no entanto, começaram antes mesmo de ele assumir o comando do país pela terceira vez.
Em novembro de 2022, pouco mais de duas semanas depois de vencer as eleições, ele discursou para uma plateia de cientistas e lideranças políticas durante a 27ª Conferência das Nações Unidas para o Clima (COP27), em Sharm-el-Sheik, no Egito. O evento discutia medidas para combater os efeitos das mudanças climáticas.
"Estou hoje aqui para dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável Por esse motivo, quero aproveitar esta Conferência para anunciar que o combate à mudança climática terá o mais alto perfil na estrutura do meu governo", disse Lula.
O discurso agradou parte da comunidade científica internacional porque indicava uma mudança na política ambiental adotada durante o governo de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), que ficou conhecida pelo aumento nas taxas de desmatamento na Amazônia.
Dias depois, em dezembro, Lula fez mais um movimento: confirmou Marina Silva (Rede Sustentabilidade) como ministra do Meio Ambiente de seu governo, reeditando uma parceria que existiu durante os dois primeiros mandatos de Lula.
As apostas continuaram em janeiro deste ano, já como presidente empossado. Lula lançou a candidatura de Belém como sede da COP30, que será realizada em 2025. A ONU, organizadora da conferência, ainda não anunciou se aceitou o pedido feito pelo Brasil.
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"É importante que os chefes de Estado e as pessoas que de fato valorizam o meio ambiente venham para falar da Amazônia conhecendo a Amazônia”, disse Lula em um discurso em junho, durante a Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, organizada pelo governo francês, em Paris.
Além desses movimentos, Lula incorporou o tema ambiental em seus discursos durante a maior parte de suas agendas internacionais.
Em diversas oportunidades, ele defendeu que países ricos devem repassar recursos para países em desenvolvimento como forma de financiar iniciativas para impedir o desmatamento e lidar com as consequências das mudanças climáticas.
"Iremos fazer a COP30 em um estado da Amazônia, para que todos vocês tenham a oportunidade de conhecerem de perto o ecossistema da Amazônia e responsabilizar os países ricos para financiar os países em desenvolvimento que têm reservas florestais — porque não foi o povo africano que poluiu o mundo; não é o povo latino-americano que poluiu o mundo", disse Lula em outro evento em Paris, em junho deste ano.
Ao mesmo tempo em que se movimentava em torno do assunto, parte da comunidade internacional passou a prometer mais recursos.
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Alemanha e Noruega, principais doadores do Fundo Amazônia, anunciaram que fariam novos aportes. Em abril, foi a vez dos Estados Unidos prometerem uma doação de US$ 500 milhões ao fundo, o equivalente a aproximadamente R$ 2,5 bilhões. União Europeia e Reino Unido também se comprometeram a fazer doações para o combate ao desmatamento da Amazônia que totalizam em torno de mais R$ 607 milhões.
'Falar mais alto'
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a aposta de Lula na pauta ambiental como forma de alavancar a influência do país no mundo e se tornar um porta-voz de países ricos em florestas tropicais é resultado tanto de uma espécie de "cálculo" quanto de oportunidade.
"Existe uma posição natural guardada para o Brasil neste cenário, pois temos 65% da Amazônia. A novidade deste novo governo Lula é que houve um entendimento de que a pauta ambiental é aquela na qual o Brasil consegue falar mais alto", afirmou o secretário-executivo da organização não-governamental Observatório do Clima, Márcio Astrini.
"Apesar de o governo ter interesses em várias agendas, como a intenção de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e, mais recentemente, uma tentativa de interlocução na guerra da Ucrânia, o presidente Lula sabe que a questão do meio ambiente e clima é a pauta que realmente o alavanca no cenário internacional", complementou Astrini.
Historicamente, Lula defende uma expansão no número de assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU. Hoje os assentos permanentes são ocupados pelos Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China. O petista defende que mais países possam fazer parte do grupo, inclusive o Brasil. A proposta, no entanto, encontra resistência e nunca foi adotada.
Outra área na qual a política externa brasileira vem acumulando críticas é a posição de Lula em relação à Guerra na Ucrânia. Apesar de o Brasil condenar oficialmente a invasão russa ao país europeu, Lula já deu declarações dizendo que tanto o presidente russo Vladimir Putin quanto o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski seriam responsáveis pelo conflito.
Lula também defende a criação de uma espécie de "clube da paz" formado por países não envolvidos no conflito para mediar conversas sobre o fim da guerra. A proposta não foi bem recebida por países como os Estados Unidos, principal fornecedor de armas aos ucranianos.
A diretora-executiva da Plataforma Cipó, Maiara Folly, avalia que a aposta de Lula na pauta ambiental é resultado de uma espécie de "vocação" do Brasil nesta área.
"A liderança brasileira nessa área é natural porque o Brasil é o país mais biodiverso do mundo. Isso só não nos dá o cacife necessário para liderar. A nova política externa está fazendo um grande esforço para colocar o país como líder nessa área", afirmou.
A diretora do Departamento de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Maria Angélica Ikeda, afirmou que a cúpula desta semana é um exemplo de como o Brasil pretende atuar na área ambiental.
"Só o fato de o presidente (Lula) ter convocado a Cúpula da Amazônia antes mesmo de ter tomado posse demonstra a importância que ele atribui à conservação e uso da biodiversidade. Isso tudo mostra que o Brasil está interessado em se engajar com os demais países nos fóruns que tratam desses assuntos. A cúpula é a melhor mostra disso", afirmou a diplomata à BBC News Brasil.
Maiara Folly diz que uma das estratégias do novo mandato de Lula para colocar o país como líder nessa área é a tentativa de "unificar" as posições de países ricos em biodiversidade não apenas da América do Sul, mas da África e da Ásia.
Isso explicaria, segundo Folly, o convite feito pelo Brasil à República Democrática do Congo, República do Congo e Indonésia à cúpula em Belém.
"Há um reconhecimento de que esse é um problema não só da região Amazônica, mas global", disse Folly.
Sem se colocar oficialmente como "porta-voz" dos países ricos em florestas tropicais, Lula disse esperar que a cúpula em Belém consiga unificar posições de conjunto de países.
"Esse encontro é importante porque vai balizar a discussão que será levada à COP-28, no final do ano, nos Emirados Árabes (Unidos)”, disse Lula em uma entrevista na semana passada.
"O que queremos é dizer ao mundo o que vamos fazer com as nossas florestas e o que o mundo tem que fazer para nos ajudar, porque prometeram US$ 100 bilhões em 2009 e até hoje não saiu", criticou o presidente, referindo-se ao compromisso assumido (e até agora não cumprido) por países desenvolvidos de financiar mecanismos para diminuir o desmatamento e mitigar efeitos das mudanças climáticas em países em desenvolvimento.
Lastro e limites da aposta
Para Márcio Astrini, um dos principais lastros da aposta que Lula faz na pauta ambiental internacionalmente pode ser, ao mesmo tempo, o seu limite: os resultados do Brasil no combate ao desmatamento na Amazônia e outros biomas como o Cerrado.
"O principal fator se chama resultado. Não adianta o presidente fazer discurso sobre preservação do meio ambiente e o desmatamento no Brasil aumentar ou o Congresso Nacional aprovar leis que são claramente contra a preservação ambiental", disse.
Pelo menos em relação à Amazônia, o governo tem comemorado uma redução nas taxas de desmatamento. Em julho, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou uma redução de 34% nos alertas de desmatamento na Amazônia no primeiro semestre deste ano na comparação com o primeiro semestre de 2022.
O governo divulgou que houve uma queda de 7,4% nos alertas de desmatamento na Amazônia no período que vai de agosto de 2022 a julho de 2023. A área de floresta derrubada no período que engloba o último semestre do governo Bolsonaro e o primeiro de Lula foi de 7,9 mil quilômetros quadrados, a menor desde o intervalo entre 2018 e 2019.
No Cerrado, porém, houve aumento de 16,5% nos alertas de desmatamento do bioma entre agosto de 2022 e julho de 2023.
Astrini diz que os resultados domésticos do Brasil e a possibilidade de unificar os países ricos em biodiversidade poderão aumentar o cacife do país nas negociações internacionais pelos recursos que os países ricos prometeram às nações em desenvolvimento.
"Uma coisa é você cobrar dinheiro sem dizer o que vai fazer com ele. Outra coisa é cobrar e dizer que sabe o que fazer e como vai usá-lo", afirmou o secretário-executivo do Observatório do Clima.
Maiara Folly aponta outra possível limitação da estratégia brasileira: a manutenção da aposta do Brasil em combustíveis fósseis. Essa fonte de energia é vista como uma das principais responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa que causam as mudanças climáticas.
A Petrobras, estatal controlada pelo governo, tem planos para explorar uma nova fronteira exploratória de petróleo na área conhecida como Margem Equatorial, que vai do litoral do Amapá à costa do Rio Grande do Norte. A área é classificada por membros do governo como o "novo pré-sal".
Em maio, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou um pedido de licenciamento ambiental feito pela empresa para perfurar um poço na costa do Amapá, na bacia sedimentar da Foz do Rio Amazonas. O órgão alegou falhas no projeto enviado e falta de garantias de segurança em caso de vazamento de óleo. A Petrobras defende que o projeto era adequado e recorreu da decisão.
A exploração de novas fontes de petróleo pelos países da região ganhou destaque em janeiro, quando o governo da Colômbia anunciou que não daria mais autorizações para exploração de novas frentes de petróleo.
Em julho, durante uma reunião na cidade colombiana de Letícia, Petro discursou, ao lado de Lula, e indagou se os países da região iriam continuar explorando petróleo na Amazônia. O Brasil não sinaliza disposição de impedir a exploração de combustíveis fósseis na região.
"Vamos permitir a exploração de petróleo na Amazônia? Vamos entregar blocos para exploração? Isso é gerar riqueza?", indagou Petro ao lado de Lula, que não respondeu.
Na Cúpula da Amazônia, há a expectativa de que o assunto volte a ser debatido pelos presidentes e ministros envolvidos.
Mayara Folly diz não acreditar que haverá consenso sobre o tema em Belém.
"Não chegaremos a um consenso em Belém, mas temos que começar a dar passos nessa direção porque o planeta exige que a gente faça isso", afirmou.