A bancada mineira no Congresso Nacional inicia o segundo semestre de 2023 com cerca de 73% das emendas individuais impositivas já empenhadas pelo governo federal. O percentual é mais que o dobro do observado na primeira metade de 2019, primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro (PL), que, em seus quatro anos no Planalto, apenas superou a marca deste início de governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos anos eleitorais de 2020 e 2022.
Os dados apontam para um cenário em que a dinâmica de repasse de verbas para deputados e senadores é orquestrada pela forma como os poderes se relacionam e os interesses eleitorais e de aprovação de projetos. A partir de levantamento feito nos sistemas de informação do Legislativo Federal, o Estado de Minas mostra como os parlamentares mineiros utilizam o dinheiro a eles previsto no orçamento e como funciona o pagamento, a alocação e o planejamento do montante do orçamento da União que fica sob responsabilidade dos congressistas.
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Na primeira metade de seu terceiro mandato na presidência, Lula já atendeu os parlamentares em mais de 70% do valor a eles garantido. Durante o governo Bolsonaro, esse percentual foi de 36%, em 2019; 77% em 2020; 49,5% em 2021; e 85,7% em 2022.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, essa variação tem explicações relacionadas aos interesses do Executivo e do Legislativo. O início deste ano foi marcado pela chegada de um governo de características amplamente distintas da gestão que o precedeu, o que incluiu uma agenda com pautas que demandam negociações extenuantes com os congressistas, como destaca o economista e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
“No Brasil, as emendas parlamentares constituem um instrumento de barganha política. Ainda que as emendas individuais e de bancada sejam de execução obrigatória, o momento da liberação dos empenhos tem forte correlação com votações consideradas importantes pelo Executivo. O atual governo tem procurado ampliar a sua base de apoio parlamentar no Congresso para aprovar o arcabouço fiscal, a reforma tributária e outras matérias do seu interesse. Assim sendo, não por acaso, na minha opinião, o valor empenhado em emendas parlamentares em julho de 2023 é o maior desde, pelo menos, desde 2019 (em valores absolutos, conforme demonstrado no quadro)”, destacou o especialista.
A liberação recorde de emendas parlamentares antes de votações nevrálgicas para o governo como as reformas ministerial e tributária têm sido praxe neste ano. Ainda assim, o atual governo não empenhou, no primeiro semestre, percentuais mais altos do montante total disponível para deputados e senadores do que observado em 2020, ano de eleições municipais, e 2022, ano de eleições gerais.
Novamente, esse é um cenário explicado pelo contexto de negociação entre os congressistas e o governo federal e que tem um componente de calendário a mais, como explica Victor Dittz, cientista político e assessor parlamentar há quase uma década. “Ano de eleição é atípico, pois muitos parlamentares apresentam emendas em ações de execução ‘mais fácil’ para tentar empenhar, liquidar e entregar o máximo possível antes do início da vedação eleitoral, que acontece 90 dias antes do 1º turno, no começo de julho”, explicou à reportagem.
Vale lembrar que as emendas parlamentares são mecanismos previstos na Constituição para destinar aos deputados e senadores parte do orçamento federal. Os congressistas apresentam pedidos aos ministérios, que analisam as condições apresentadas com valores e destinação e decidem pela liberação das cifras. A emenda empenhada é aquela que já tem os recursos reservados pelo governo para a demanda específica do parlamentar.
Bancadas
Além das emendas individuais, gerenciadas por cada parlamentar em separado, há também as de bancada estadual e as de comissão, organizadas pelos congressistas de acordo com a composição de cada grupo. Todos esses tipos têm cifras já previstas no orçamento definido no ano anterior a partir de cálculos determinados em lei. Essas são as chamadas emendas impositivas, cujo pagamento é obrigatório. Em levantamento feito a partir das emendas apresentadas por parlamentares mineiros em 2023 no painel de execução de emendas do sistema Siga do Senado Federal e analisando todas as que foram destinadas a Minas Gerais a partir da área da verba, a saúde é a prioritária, com R$ 793 milhões dos R$ 1,4 bilhões empenhados. O número está de acordo com o que determina a lei, uma vez que 50% das emendas devem ser necessariamente destinadas a investimentos sanitários. O resto da verba é de livre emprego.
Em Minas, os encargos especiais, quando a finalidade da verba não se encaixa nos destinos padronizados, ficam na segunda colocação com cerca de R$ 554 milhões empenhados; a área é seguida pela assistência social, com R$ 61 milhões; depois por agricultura, com R$ 21 milhões; e por educação, com 5 milhões.
PEC
A Proposta de Emenda à Constituição número 32/2022, conhecida como PEC da Transição - entre os governos Bolsonaro e Lula - impactou diretamente no orçamento dos parlamentares para 2023. A partir dela, e por meio da Emenda Constitucional nº 126/2022, o percentual destinado para as emendas individuais impositivas saltou 0,8%, passando de 1,2% para 2% da Receita Corrente Líquida (RCL).Outra alteração, foi o fim da paridade entre os valores recebidos por deputados federais e senadores, que passou a ser, respectivamente, de 1,55% e 0,45%. Com a nova divisão, em 2023, cada representante da Câmara terá R$ 32,1 milhões e cada senador R$ 59 milhões. Antes da PEC da transição, o valor estipulado para este ano era de R$ 19,7 milhões.
Vale ressaltar que estas alterações não estão vinculadas a nenhum prazo e, portanto, são consideradas permanentes para os próximos cálculos anuais. “Há várias regras de temporalidades diferentes na PEC da Transição e a maioria vale apenas para este ano”, explicou um especialista jurídico consultado pela reportagem.
A alteração definitiva de aumento do repasse ajuda a explicar o apoio recebido pelo presidente Lula na aprovação da PEC, em dezembro de 2022, Já o percentual de emendas empenhadas no primeiro semestre, de quase 73%, mostra que o petista já usou boa parte do poder de barganha proporcionado pelo recurso.