Na noite de quarta-feira (17/8), agentes do setor de inteligência da Polícia Federal encontraram Frederick Wassef jantando em uma churrascaria, num shopping center de São Paulo.
Alvo de busca pessoal autorizada pela Justiça, o braço direito do ex-presidente Jair Bolsonaro, descrito como "anjo" por membros do entorno do ex-presidente, foi abordado, teve aparelhos de celular apreendidos — quatro, segundo o portal G1 — e o carro revistado.
Quase três anos após virar notícia por abrigar José Carlos de Queiroz — ex-chefe de gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pivô do escândalo das "rachadinhas" —, Wassef volta à tona após assumir ter pago US$ 50 mil (cerca de R$ 300 mil) para recomprar um relógio Rolex de luxo vendido irregularmente, segundo a Polícia Federal, por assessores de Bolsonaro nos Estados Unidos.
A PF deflagrou na última sexta-feira (11/8) uma operação contra pessoas próximas ao ex-presidente, incluindo militares e o advogado Wassef, sob suspeita de participação em um esquema de venda de presentes recebidos por Bolsonaro em compromissos oficiais.
O dinheiro obtido ilegalmente com as vendas, segundo a PF, iria para Bolsonaro — que nega qualquer envolvimento.
Naquele dia, Wassef não foi localizado pela polícia, que cumpria mandados de busca e apreensão. A investigação mira supostos crimes de peculato e lavagem de capitais.
'Anjo' não se elegeu
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Era tratado por Queiroz e familiares de Bolsonaro como "anjo" — nome que usou em campanha para deputado federal nas últimas eleições.
Em sua primeira publicação no Instagram, quando anunciou sua candidatura, Wassef escreveu: “O anjo chegou”.
Também usou o termo em publicações de apoio à reeleição de Jair Bolsonaro — mais tarde derrotado por Lula.
Com R$ 14 milhões em patrimônio declarado à época, Wassef teve apenas 3.628 e também não se elegeu.
'Contradições'
Tanto no caso da venda do relógio de centenas de milhares de reais, quanto no episódio em que o homem conhecido como "pivô das rachadinhas" foi encontrado em um imóvel de sua propriedade, Wassef deu declarações descritas como contraditórias.
"Jamais soube da existência de joias ou quaisquer outros presentes recebidos. Nunca vendi nenhuma joia, ofereci ou tive posse. Nunca participei de nenhuma tratativa, e nem auxiliei nenhuma venda, nem de forma direta ou indireta", disse no domingo (13/8), em nota à imprensa de madrugada.
"Jamais participei ou ajudei de qualquer forma qualquer pessoa a realizar nenhuma negociação ou venda", continuou.
Na terça-feira (15/8), no entanto, Wassef convocou a imprensa e assumiu ter comprado o relógio Rolex para "cumprir decisão do Tribunal de Contas da União (TCU)”.
Três anos atrás, em outubro de 2019, o advogado respondeu com ironia a uma pergunta sobre o paradeiro de Queiroz, que havia desaparecido e era procurado por investigadores.
"Como é que vou saber (sobre o paradeiro de Queiroz)? Ele tem um CPF e eu tenho outro (...) Não sei onde está, não tenho informação", disse então Wassef ao jornal O Estado de S. Paulo.
Em operação da PF em junho do ano seguinte, Queiroz foi encontrado escondido em uma casa no bairro Jardim dos Pinheiros, em Atibaia (SP), pertencente a Wassef.
Entenda o caso das jóias
O Rolex foi dado de presente a Bolsonaro por autoridades da Arábia Saudita em 2019, durante visita do ex-presidente ao país.
O relógio teria sido vendido ilegalmente pelo então ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, segundo a polícia.
Em março deste ano, o TCU determinou que Bolsonaro entregasse um conjunto de joias suíças de ouro branco da marca de luxo Chopard, também presente do governo saudita.
Após devolver a joia, membros do entorno de Bolsonaro teriam dado início a uma operação para resgatar o relógio vendido nos EUA.
Wassef seria, segundo a investigação, o responsável escalado para viajar aos Estados Unidos para comprá-lo e trazê-lo.
Antes de Wassef confirmar a compra à imprensa, a PF havia identificado uma viagem do advogado aos EUA, em 11 de março, além de uma série de conversas entre ele e Mauro Cid por WhatsApp.
Além da residência de Wassef, a operação deflagrada ela PF cumpriu mandados de busca e apreensão nos endereços do general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cid.
Segundo a PF, os investigados são suspeitos de usar a estrutura do governo "para desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do Estado brasileiro, por meio da venda desses itens no exterior".
À GloboNews, o advogado criminalista Cezar Roberto Bittencourt, responsável pela defesa do tenente-coronel Mauro Cid, disse que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro é um “grande injustiçado” na investigação da PF. Ele disse que ajudantes militares como Cid cumprem “ordens ilegais e injustas” dos chefes por causa da “obediência hierárquica”.
A jornalistas, nesta terça-feira, Wassef disse que sua viagem aos EUA teria "fins pessoais".
Ele também disse, no entanto, que comprou o Rolex com dinheiro vivo, "do meu banco", e declarou a transação à Receita Federal.
"Comprei o relógio, a decisão foi minha, usei meus recursos, eu tenho a origem lícita e legal dos meus recursos", afirmou.
Na entrevista, ele afirmou que o objetivo da compra era "devolvê-lo à União, ao governo federal do Brasil, à Presidência da República, e isso inclusive por decisão do Tribunal de Contas da União".
Segundo o advogado, o pedido de compra não partiu de Bolsonaro ou de Cid. Ele se recusou a informar para quem entregou o relógio.
"O governo do Brasil me deve R$ 300 mil", disse também Wassef, mostrando um recibo de compra de US$ 49 mil.
Ele justificou o pagamento em dinheiro vivo como forma de conseguir um "desconto". "Consegui US$ 11 mil dólares (de desconto). Se comprasse com cartão de crédito, pagaria no Brasil com 5% de IOF."
Amigo dos Bolsonaro desde 2014
O advogado se tornou amigo do presidente da República e de sua família ainda em 2014, e gosta de dizer que foi a primeira pessoa a dizer a Bolsonaro que ele deveria concorrer à Presidência da República, quando esta ainda era uma possibilidade distante para o então deputado federal.
"Eu não só fui o primeiro a acreditar no Bolsonaro, como fui o primeiro a colocar na cabeça dele a ideia de concorrer à Presidência", disse ele à colunista Thaís Oyama, do UOL. "Eu tinha acesso à Lava Jato, sabia que iriam ser todos presos. Falei para ele: o senhor vai ficar sozinho e sem concorrência no mercado. Eu previ o futuro", comenta.
Na época, Frederick Wassef era casado com a empresária Maria Cristina Boner Leo — ela se tornou amiga de Michelle Bolsonaro.
Michelle e o ex-presidente passaram a frequentar a casa dos dois. Em 2015, Bolsonaro chegou a comprar um veículo SUV da marca Land Rover de uma das empresas de Cristina, por R$ 50 mil. A transação veio a público em reportagem da revista Veja.
Maria Cristina era ré em um dos processos resultantes da Operação Caixa de Pandora, deflagrada pela Polícia Federal em novembro de 2009, e que resultou na queda do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (2007-2010).
Em janeiro de 2020, o Ministério Público do DF pediu a condenação dela no caso, junto com Arruda e com a do ex-vice-governador Paulo Octávio, entre outras pessoas.
"O conjunto probatório produzido nos autos foi mais que suficiente para comprovar que a ré Maria Cristina Boner Leo ofereceu e efetivamente pagou vantagem indevida aos réus", disse o MP.
'Ministro informal'
Apesar de nunca ter tido cargo no governo federal, Wassef era frequentador assíduo do Palácio do Planalto e participava de solenidades importantes, como a posse de ministros.
Costumava ser visto em "áreas vip" de eventos do governo Bolsonaro, ao lado de figuras importantes como a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e o então ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura).
Pela proximidade com o ex-presidente da República, Wassef era considerado quase um "ministro informal" ou "ministro sem pasta" dentro do governo , segundo assessores próximos.
A visão dele teria sido levada em consideração em algumas das decisões mais importantes do governo — entre elas, a escolha de André Mendonça para o posto de Ministro da Justiça e Segurança Pública, após a saída do ex-juiz Sergio Moro do posto.
Wassef, no entanto, negou em público que tenha participado dessa ou de outras escolhas.
"O PR escolhe seus ministros sozinho. Esta história, lenda urbana, folclore de que os filhos de Bolsonaro escolhem os ministros não corresponde à história real. Quem toma a decisão é ele, quando forma sua convicção. Não tem isso de os filhos estarem intrometidos no governo", disse ele, na ocasião.
Católico praticante, Wassef tem visões políticas próximas daquelas dos Bolsonaro. É a favor de mais rigor na intervenção policial, por exemplo, e se considera um inimigo da esquerda política.
Com reportagem de André Shalders.