De acordo com o hacker, ele não realizaria o grampo, mas assumiria a responsabilidade por ele. Delgatti contou aos parlamentares que Jair Bolsonaro afirmou que o grampo foi feito por agentes internacionais. No entanto, nunca chegou a ter contato com o material, afirmou.
Conforme o depoimento do hacker, ele conversou com o ex-presidente Jair Bolsonaro por telefone. A conversa foi mediada pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), à época, uma das aliadas mais próximas do ex-presidente. Walter Delgatti Neto conta que o celular usado na ligação era "novo", aparentemente nunca tinha sido usado. Até o chip utilizado era recém-comprado.
Jair Bolsonaro disse ao hacker que o grampo já havia sido realizado por agentes de outros país e teria conversas "comprometedoras" do ministro da Suprema Corte. Como Neto não teve acesso ao material, ele disse que não sabia informar se o grampo era verdadeiro ou não. A relatora da comissão, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), perguntou ao hacker se equipamentos do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) poderiam estar envolvidos no plano, mas ele afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro confirmou apenas a ação por parte de agentes estrangeiros, cujas identidades não foram reveladas.
"Seria difícil a esquerda questionar essa autoria [do grampo], porque lá atrás eu tinha assumido a 'Vaza Jato', que realmente foi eu, e eles apoiaram. Então a ideia seria 'o garoto da esquerda' assumir esse grampo", disse à CPMI.
Ele ainda revelou que Bolsonaro disse que se ele fosse preso por assumir a responsabilidade do grampo, o ex-presidente mandaria prender o juiz, rindo logo em seguida.
Plano de marketing contra as urnas
Delgatti afirmou na CPMI que, inicialmente, seria feita uma "campanha de marketing", com lançamento em 7 de setembro do ano passado, questionando a segurança das urnas eletrônicas. No entanto, a ação foi cancelada.
De acordo com o hacker, o primeiro encontro com Zambelli foi em 28 de julho do ano passado, em um hotel, onde ele pediu para tirar uma foto com ela. Desde então, os dois passaram a trocar mensagens pelo WhatsApp.
Delgatti foi a Brasília e começou a trabalhar nas redes sociais de Zambelli, mas quando o ministro Alexandre de Moraes decidiu bloquear as redes da parlamentar, ele deixou de prestar os serviços para a deputada.
Em 9 de agosto, o hacker e Zambelli tiveram uma reunião na sede do Partido Liberal (PL), sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, em Brasília. No encontro estavam Valdemar Costa Neto, presidente da sigla, os advogados do hacker, o irmão e o marido de Carla Zambelli.
De acordo com o hacker, foi uma reunião "preliminar", em que trataram de assuntos técnicos, mas marcaram um encontro, para o mesmo dia, com o marqueteiro da campanha de reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, Duda Lima.
A primeira ideia seria fazer uma entrevista com políticos da esquerda e de forma espontânea falar a fragilidade das urnas eletrônicas, o que não ocorreu, pois o encontro de Neto com o marketing de campanha do ex-presidente foi divulgado na mídia.
A segunda ideia seria realizada no dia 7 de setembro, quando Delgatti Neto manipularia o resultado uma urna eletrônica para "provar" uma suposta fragilidade. O hacker ressaltou que o código seria falso e manipulado por ele, e não o código fonte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"O código fonte é o código aberto. Ele tem diversos arquivos e, compilados, vira apenas um, que é o que está nas urnas eletrônicas. Quem tem acesso ao código fonte antes de compilar consegue inserir linhas que façam com que seja apertado um voto e o resultado seja outro. Lembrando que o código obedece quem está criando ele. Eu posso criá-lo com a ideia de que, assim que compilado, você inserir um voto e sair outro", explicou aos parlamentares.
"Eles queriam que eu fizesse um código de fonte meu, não o oficial do TSE, e neste código fonte inserisse essas linhas, chamadas de código malicioso, porque ele tem como finalidade enganar, colocar dúvida nas eleições. A ideia era falar que a urna, se manipulada, sairia outro resultado", completou.
A campanha contra a segurança das urnas eletrônicas também foi cancelada.
Visitas ao Ministério da Defesa e relatório sobre as urnas
Em outra reunião, no dia 10, no Palácio do Alvorada, o hacker se encontrou com o ex-presidente Jair Bolsonaro, Carla Zambelli, o general Marcelo Câmara e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
No encontro, Bolsonaro ordenou que Marcelo Câmara levasse o hacker até o Ministério da Defesa para procurar alguma fragilidade no sistema eleitoral. O ex-presidente disse a Delgatti Neto que ele estaria "salvando o Brasil" e garantindo a "lisura das eleições".
Segundo o hacker, ele esteve no Ministério quatro vezes, encontrou-se com o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e com a equipe de Tecnologia da Informação (T.I) da pasta.
A proposta inicial era inspecionar o código fonte, mas ele só era acessado por servidores do Ministério da Defesa indo até o TSE. De acordo com o hacker, os servidores tentavam decorar partes do código fonte para passar a ele, e assim tentar encontrar alguma fragilidade.
Ainda segundo o hacker, o relatório elaborado pelo Ministério da Defesa sobre as urnas eletrônicas, divulgado em novembro do ano passado, logo após o segundo turno das eleições, foi escrito com base em informações elaboradas por ele.
Invasões nos sistemas do judiciário
Walter Delgatti Neto disse que a sugestão de invadir os sistemas judiciários do Brasil tinha o objetivo de demonstrar fragilidade. Segundo o hacker, ele invadiu todos os tribunais do Brasil, inclusive o TSE.
De acordo com Zambelli, a ordem de invadir os sistemas judiciários era do ex-presidente, mas Jair Bolsonaro nunca confirmou o pedido. A ideia era "desmoralizar" o Tribunal Superior Eleitoral.
'Revelações bombásticas'
A relatora da CPMI, Eliziane Gama, avaliou o depoimento do hacker: "O depoimento de hoje é bombástico. Informações absolutamente sérias. Informações que estão no ponto central desta CPMI, que é exatamente o questionamento do resultado eleitoral, a tentativa de emplacar uma vulnerabilidade, e a busca de pessoas que já tinham histórico em invasão para que legitimassem claramente uma narrativa que é incompatível com a realidade em relação ao processo da segurança eleitoral", disparou.