Brasília - Em meio a polêmicas envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o tenente-coronel Mauro Cid por suposta venda irregular de joias da presidência exposta na última semana no depoimento do hacker Walter Delgatti Neto na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) do dia 8 de janeiro, a extrema-direita está em xeque e calcula o estrago no capital político bolsonarista enquanto passa pela sua pior fase. Mesmo a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, vista como uma das apostas para concorrer ao Palácio do Planalto no próximo pleito em uma espécie de extensão do legado do ex-presidente, também está sendo investigada. Na visão de especialistas consultados pela reportagem, o desgaste da figura de Bolsonaro, a depender dos desdobramentos e somada a sua inelegibilidade, pode reforçar o fortalecimento dos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) ou ainda do governador tucano Eduardo Leite (RS).
Os três nomes são tidos como personagens centrais nos próximos anos. Em outra nuance, os últimos acontecimentos ainda podem acelerar a procura por novos nomes que possam representar o pensamento do eleitorado conservador em 2026. O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, aponta que o caso das joias abala a narrativa da honestidade de Jair Bolsonaro de combate à corrupção, contudo, o apoio da ala radical que o acompanha segue inabalado.
“Para o bolsonarista radical, isso [desgaste] não faz diferença, pois ele acredita que Bolsonaro está sendo vítima de perseguição, seja da Justiça, do sistema, da mídia”, avalia. Ao mesmo tempo, diz, apoiadores de centro avessos a Lula podem migrar. Um dos caciques da direita, o presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, comentou durante a última semana as recentes acusações contra Jair Bolsonaro e o defend
eu apontando que o ex-presidente está sendo alvo de “diversas injustiças”.
Apesar do desgaste e da inelegibilidade do ex-chefe do Executivo federal sentenciada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Costa Neto continua apostando na liderança de Jair Bolsonaro nas eleições municipais do ano que vem e até o pleito presidencial de 2026. Para o ano que vem, inclusive, Costa Neto tem dito em entrevistas que o PL pretende saltar de 339 prefeituras para cerca de 1,5 mil em todo o país. “Somos a legenda que mais cresce no Brasil, e com a força dos nossos parlamentares e de Bolsonaro, iremos fazer mais de 1,5 mil prefeitos nas próximas eleições”, disse ele em recente evento da sigla.
“HERDEIROS” COMO OPÇÃO
O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, destaca que o desgaste de Jair Bolsonaro é substancial. “O risco da situação legal jurídica se agravar é grande e quanto mais isso ocorrer, as pessoas mais próximas a ele ficam fragilizadas. É o caso de Tarcísio. Vai depender muito do quanto o governador vai se envolver, ele pode se distanciar, ter uma neutralidade e acabar reduzindo esse dano. Tarcísio e Zema estão no jogo. Mas essa também pode ser uma oportunidade para candidatos de centro como Eduardo Leite. Eles podem acabar se fortalecendo à medida que o ex-presidente se desgaste”, diz.
Apesar disso, analisa que Bolsonaro é uma liderança importante e mantém capital político que não pode ser desprezado. “Vai depender muito do cenário daqui para frente que pode tanto se agravar como pode eventualmente perder consistência. Ainda tem muita coisa para acontecer até 2026”.
Na visão de André César, cientista político, sócio da Hold Assessoria, hoje, o cenário é de revés para o grupo, mas é certo que haverá novos momentos de força da ultradireita em algum momento mais à frente. “Essa corrente 'saiu do armário' e será uma força permanente no cenário nacional", defende. Paulo Baía, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) analisa que a direita passa por um “inverno”. “Isso faz com que o cenário para Bolsonaro fique turvo e complicado momentaneamente, mas essa crise está concentrada em Bolsonaro. Tarcísio e Zema ainda superam essa expectativa”, aponta.