Jornal Estado de Minas

ATOS GOLPISTAS

Generais seguem impunes sete meses após ataques em Brasília

Brasília - Quase no fim do governo anterior, os integrantes das Forças Armadas, que já ocupavam cargos do alto escalão do governo, decidiram aprofundar o envolvimento com a política. Por meio do relatório produzido pelo Ministério da Defesa, chancelado pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, os militares apontaram “melhorias” que poderiam ser realizadas no sistema eleitoral. Nos meses seguintes, as ações dos militares culminaram na anuência com acampamentos golpistas em frente a quartéis — que em Brasília subsidiou os ataques às sedes três Poderes no início do ano. De lá para cá, pouco se fez para responsabilizar os generais responsáveis pelas decisões.




 
Na semana passada, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, que apura ações que tentaram minar as eleições gerais de outubro de 2022 e os ataques contra prédios públicos em Brasília, sinalizou que deverá isentar as Forças Armadas de qualquer culpa pela tentativa de golpe e citou que os militares teriam “protegido a democracia”. No entanto, o posicionamento dela durou pouco tempo, em razão das críticas de que estaria anistiando, por decisão própria, os militares de alta patente dos crimes.

Pelas redes sociais, a parlamentar afirmou que sua conclusão vai pedir o indiciamento de todos os infratores identificados, independentemente da função ou área em que atuem. “Investigaremos na CPMI e não pouparemos ninguém, inclusive, aqueles que se esconderam na farda para cometer atos golpistas. De recruta a general, ninguém será poupado”, afirmou a parlamentar, em publicação nas redes sociais. A decisão, escolhida até agora, vai na mesma linha que o país segue há mais de 30 anos, quando os militares que tomaram o poder por 21 anos, sequestraram, eliminaram e perseguiram opositores, foram beneficiados pela Lei da Anistia, ficando impunes até os tempos atuais.
O depoimento à CPMI do coronel Jorge Naime, ex-comandante de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal, apontou que, no dia 8 de janeiro, após as sedes dos três Poderes serem seriamente danificadas pelos extremistas, o Exército impediu que a polícia chegasse até o acampamento golpista montado em frente ao quartel-general da força para prender suspeitos que teriam seguido até a Esplanada, participado dos ataques, e voltado para encontrar refúgio no local.




 
Rodrigo Lentz, ex-coordenador da Comissão de Anistia e doutorando em ciência política da Universidade de Brasília (UnB), destaca que a anistia concedida aos militares após a ditadura fez com que o assunto permanecesse como um entrave na história do país. “Existe uma política inacabada em relação à ditadura de 1985.
 
Sabemos que não houve responsabilização de militares que durante seu serviço público, ativo, cometeram graves violações dos direitos humanos em seu serviço. E essa não responsabilização segue sendo chancelada pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que é a lei da anistia de 1979. Historicamente temos um grave problema e um óbice à consolidação da democracia. Isso, inclusive, produz uma certeza de impunidade”, afirma.
 
Lentz que o Judiciário tem avançado, mas ainda não ocorreram as responsabilizações esperadas. “Do ponto de vista do Judiciário, tem se avançado com a prisão do coronel Cid. Mas falta chegar nas altas patentes, que é o generalato. Esse passo ainda não foi dado, mas é fundamental… Eu entendo que o STF está tomando as precauções para que não haja questionamento, por parte da força, da eventual responsabilização de generais das Forças Armadas. Existe um movimento dos militares para tentar blindar as entidades. Eles pedem para a CPMI pegar leve. Mas esta tática está tendo o efeito reverso. As Forças Armadas seguem sangrando em praça pública. E a lama para onde esses militares levaram esta instituição segue. E estão afundando ainda mais em direção a essa lama", completa o acadêmico.




 
O jurista Helio Silveira, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep), afirma que para caracterizar omissão dos oficiais do Exército, é necessário comprovar que eles sabiam das intenções golpistas. “Se após investigação minuciosa ficar comprovado que militares tinham o conhecimento de que os acampados no Quartel-General do Exército marchariam em direção à Praça dos Três poderes para incorrer nos crimes de tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito e tentativa de golpe de estado, é certo que devem responder pela omissão”, afirma.
 
Berlinque Cantelmo, advogado especialista em ciências criminais, destaca que se o Exército impediu que a PM efetuasse prisões no dia 8 de janeiro, pode ter ocorrido a prática de crime. "Numa análise superficial, em se tratando de impedir a PM de prender em flagrante qualquer indivíduo envolvido nessa situação, militares do Exército podem ter cometido no mínimo o crime de prevaricação sem prejuízo de serem considerados partícipes nos demais crimes cometidos pelos extremistas processados e investigados na ocasião", destaca.

OMISSÃO

De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), que se baseia em mensagens de aplicativo trocada por policiais, a cúpula da Polícia Militar do DF se omitiu e decidiu não colaborar com o Exército para debelar ou evitar o crescimento do acampamento montado no Setor Militar Urbano, em Brasília, com incentivo a atos golpistas e ações antidemocráticas. Por conta das acusações, sete oficiais que tinham patente de comando foram presos na sexta-feira (18), por determinação do Supremo.




Procurado pela reportagem, o Exército informou que não comentaria as declarações do hacker Walter Delgatti Neto na CPMI. E que “os atos ocorridos em 8 de janeiro de 2023, bem como os fatos que culminaram no evento encontram-se sob escrutínio de inquérito demandado pelo STF, à Polícia Federal, assim como são investigados por Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, no Congresso Nacional, e Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Sendo assim, o Exército afirma que “não se manifesta sobre processos de investigação conduzidos por outros órgãos”. “Cabe destacar que esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República”, completa o texto.

Moraes proíbe pai de Cid de visitá-lo


Brasília - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes proibiu o general Mauro Lourena Cid de visitar o filho, o tenente-coronel Mauro Cid, na prisão. Ambos são investigados pela venda das joias sauditas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mauro Cid está preso há três meses no Batalhão de Polícia do Exército, em Brasília, investigado em diversos casos que envolvem o nome do ex-presidente — como as joias sauditas, falsificação dos cartões de vacinação e o plano golpista para anular o resultado das eleições de 2022.
 
O pai de Mauro Cid foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal (PF), em 11 de agosto, após aparecer em reflexo de foto de uma das esculturas presenteadas à Bolsonaro. De acordo com a PF, Lourena Cid tirou uma foto da caixa com esculturas recebidas de forma oficial para enviar a uma joalheria e avaliar o preço que poderia cobrar. A decisão de Moraes, relator do caso, pretende impedir troca de informações entre os dois investigados do mesmo caso.




 
A corporação investiga crimes de lavagem de dinheiro e descaminho, pois os presentes recebidos por Bolsonaro, inclusive um relógio Rolex de alto valor, deveriam ter sido incorporados ao patrimônio da União. No entanto, foram vendidos. A polícia investiga o envolvimento do pai e filho Cid na execução das negociações.
 
O esquema de venda dos objetos teria começado ainda em janeiro deste ano, poucos dias depois de Bolsonaro chegar nos Estados Unidos - para onde foi após perder as eleições. As mensagens obtidas em investigação demonstram medo dos envolvidos de que o Tribunal de Contas da União (TCU) determinasse a devolução dos objetos. A partir daí, começou uma operação para reaver o que tinha sido vendido.