O acidente que matou sete torcedores do Corinthians na BR-381 na madrugada do último domingo serviu de pano de fundo para um novo embate entre o governador Romeu Zema (Novo) e o governo federal. Em publicação feita em seu perfil no Twitter ontem, Zema disse que o ocorrido com os corintianos deve servir para chamar a atenção para a necessidade de investimentos da União em rodovias federais. “Acidentes fatais, como o ocorrido neste domingo na BR-381, acendem o alerta da necessidade de melhorias urgentes nas rodovias federais que cortam nosso estado. Esperamos que haja ações rápidas e efetivas do governo federal”, cobrou.
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Cemig: MP arquiva pedido de CPI por não encontrar irregularidadesRepasse do ICMS para educação vai a plenário na ALMGMinas sobe para a 6ª posição no Ranking de Competitividade dos EstadosPAC é oportunidade para países do Brics, afirma LulaJunto de Dino, passou por BH o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG) e veio dele ontem uma das reações públicas mais ríspidas à manifestação de Zema sobre as rodovias. O também mineiro Silveira classificou a fala do governador como ‘lamentável’ e disse que a atual gestão no Palácio do Planalto tenta corrigir erros de governos pregressos.
“Lamentável a tentativa do governador de MG de politizar uma questão tão séria quanto a desse acidente em trecho concessionado da BR-381, que ceifou vidas e nos traz tanta tristeza. Isso apenas mostra a insensibilidade e o despreparo do governador para liderar mineiras e mineiros. O governo federal continua trabalhando para recuperar o tempo perdido em MG, que nos últimos 5 anos deteriorou a qualidade das estradas e nos fez perder outras oportunidades. Estamos de portas abertas ao diálogo, governador, não pelas redes sociais, mas de maneira institucional. O presidente Lula sempre ressalta, e o senhor sabe muito bem, que o governo federal não faz distinção de cores partidárias e quer trabalhar em união para melhorar a vida das brasileiras e brasileiros”, escreveu Silveira, também no Twitter.
O governo federal também comentou a fala de Zema por meio do Ministério dos Transportes. Em nota, a pasta afirmou ao Estado de Minas que a “falta de investimento observada nos últimos anos no setor de transportes acarretou em uma diminuição nos índices de condição da manutenção (ICM) bom das rodovias federais, em queda até o final de 2022, o que também afetou a A BR-381 em Minas. A partir de janeiro, com a retomada de investimentos pelo governo federal, por meio do Ministério dos Transportes, o ICM bom das rodovias federais voltou a crescer, chegando a 55% em junho, contra 52% de dezembro de 2022”, informou.
O órgão também ressaltou os investimentos previstos com o novo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), que vai aplicar quase R$ 171,9 bilhões em obras e serviços por todo o estado de Minas Gerais. Além disso, citou a concessão do trecho da BR-381 entre Belo Horizonte e Governador Valadares, que deve investir R$ 10 bilhões no sistema rodoviário.
Concessionária
Em entrevista ao EM, o coordenador da bancada mineira no Congresso Nacional, deputado federal Luiz Fernando Faria (PSD), lamentou a cobrança feita por Zema a partir do acidente e disse que a postura recente do governador tem dificultado o trabalho dos mineiros no Legislativo em Brasília.
"Eu lamento muito essa dicotomia que o governador Romeu Zema está provocando com o governo federal. Isso vem a prejudicar as ações e o estado de Minas Gerais. É lamentável. Há poucos dias ele fez uma declaração desastrosa que foi repercutida por todo o país. A criação do Consórcio de Integração Sul/Sudeste tem como objetivo fortalecer ações do governo do estado independentemente de ideologia, partido ou quem esteja à frente dos executivos. Mais uma vez ele vem querer politizar uma questão e está mal-informado porque essa estrada é uma concessão. Então, quem tem que ser cobrado neste momento é a concessionária”, disse recordando a recente polêmica causada por afirmações de Zema sobre o que ele considera um desequilíbrio na atenção cedida pelo governo federal às regiões Norte e Nordeste em comparação com Sul e Sudeste.
O deputado destacou que a busca por verbas para as estradas é uma das principais bandeiras dos deputados mineiros em Brasília e que falas como a de Zema não contribuem para um diálogo mais aberto com o governo federal para a liberação de recursos. "Ele poderia focar nas estradas estaduais, que estão em estado lastimável. Na minha região mesmo, a estrada que liga a BR-040 a Rio Pomba tem três trechos caídos", disse.
A estrada estadual citada pelo deputado é a MG-030, percorrida ontem pela equipe do EM que registrou as condições precárias da via. A situação não é diferente também nas rodovias federais, conforme já demonstrado recorrentemente pelo EM. Em consulta feita na terça-feira a um mapa de monitoramento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e pela Polícia Militar Rodoviária (PMRv), há atualmente 78 interdições parciais em rodovias estaduais e onze em rodovias federais.
Procurado para responder às críticas de aliados do governo Lula à fala de Zema, o secretário-chefe da Casa Civil do governo Zema, Marcelo Aro atacou o ministro Alexandre Silveira. "Se o ministro mineiro que está no governo federal estivesse mais preocupado em trabalhar do que em criar polêmica, talvez esse problema já tivesse sido resolvido, vidas teriam sido salvas e o governador não precisaria se posicionar publicamente. O relacionamento político com o governo federal sempre foi e continua sendo republicano e insitucional. Seguimos defendendo os interesses de Minas e dos mineiros", afirmou.
Responsabilidade
O trecho da BR-381 onde ocorreu a batida é considerado um dos mais perigosos de toda a rodovia. Conhecido como Alto da Conquista, é um local sinuoso e de serras, com curvas fechadas e declives fortes, apesar de contar com acostamento, ser duplicado e ser dotado de separação de pistas por barreira de concreto. Ontem, novo acidente ocorreu no mesmo ponto envolvendo oito acidentes.
Para o especialista em trânsito Rodrigo Mendes, apesar da concessão à iniciativa privada, o poder público deve intervir para contribuir na melhoria das rodovias. “Falta fiscalização do poder público. Apesar de a rodovia ser privatizada, existe uma ausência do poder público. Ele segue ausente, agora na fiscalização. O MP ou outros órgãos já deveriam ter exigido alguma intervenção, melhorias, em cima da Arteris”, pontuou o especialista.
A advogada Nathalia Machado, especialista em direito público, explica que, no caso de uma rodovia federal, como a BR-381, a União é proprietária da via pública, portanto, quando concedida à iniciativa privada, se torna o poder concedente. Sob este aspecto, é responsabilidade da concessionária executar os serviços relacionados aos trechos concedidos. “A concessionária assume o controle do trecho concedido e, consequentemente, a obrigação de executar serviços relacionados à recuperação, manutenção, monitoração, conservação, operação, etc.”, explica a advogada.
Apesar disso, Nathalia esclarece que o governo federal deve fiscalizar as rodovias, e pode até mesmo intervir nos serviços, nos termos contratuais. “A União segue como detentora do domínio da área e titular do serviço público relacionado a ela. A sua responsabilidade, enquanto poder concedente, é fiscalizar permanentemente a prestação do serviço, aplicar penalidades, quando for o caso, e até mesmo intervir no serviço, nos termos contratuais”, disse a especialista.