O Partido dos Trabalhadores anunciou na segunda-feira (28/8) ter protocolado um projeto de lei para anular o impeachment de Dilma Rousseff.
A medida foi tomada após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter afirmado no sábado (26/8) ser preciso "reparar" Dilma após o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) arquivar a ação de improbidade pelas "pedaladas fiscais".
"A Justiça Federal em Brasília absolveu a companheira Dilma da acusação da pedalada, a Dilma foi absolvida, e eu agora vou discutir como que a gente vai fazer. Não dá para reparar os direitos políticos, porque se ela quiser voltar para ser presidente, eu quero terminar o meu mandato", disse Lula em entrevista coletiva concedida durante sua viagem a Angola.
A defesa de Dilma afirmou que o arquivamento da semana passada é importante do ponto de vista jurídico e histórico.
"Dilma Rousseff foi vítima de uma perseguição e teve a cassação do seu mandato em total desconformidade com a Constituição. Condená-la agora pelos mesmos fatos seria mais uma grande injustiça que se imporia contra uma mulher honesta e digna", diz a nota da defesa, assinada pelo ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.
Os advogados dos outros acusados no processo também comemoraram a decisão, dizendo que ela "reconhece a ausência de dolo na atuação dos gestores públicos, chancelando, em linhas gerais, o recente posicionamento do Supremo".
No entanto, tanto o entendimento de que Dilma teria sido "absolvida" quanto as falas de Lula foram duramente criticadas pelo deputado federal mineiro Aécio Neves (PSDB), que foi derrotado por Dilma nas eleições de 2014 e pediu a revisão do resultado.Neves disse que o presidente estaria impedindo "o Brasil de superar o antagonismo raivoso que se instalou na cena política nacional ao insistir em manter o país acorrentado a falsas narrativas do passado".
Foi uma referência à defesa de petistas de que as supostas pedaladas fiscais teriam sido usadas como um pretexto de parlamentares da oposição para retirar Dilma do cargo.
"Lula agora fala em reparar a ex-presidente Dilma pelo suposto 'golpe' do impeachment, ignorando decisões do Congresso Nacional e do STF [Supremo Tribunal Federal]", disse Neves em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
O deputado disse ainda que Lula deveria canalizar sua energia "para reparar o Brasil dos prejuízos que sua pupila causou ao país e aos brasileiros".
"O presidente e o PT também não fazem bem ao país ao disseminar a fake news de que a ex-presidente foi recentemente absolvida dos crimes de responsabilidade", disse.
Afinal, o que foi decidido pelo TRF-1 e o que isso significa de fato? A BBC News Brasil ouviu especialistas para esclarecer este e outros pontos.
A decisão do TRF-1
Na sexta-feira (25/8), o TRF-1 confirmou o arquivamento de um processo por improbidade administrativa pela acusação de uso de "pedaladas fiscais" por Dilma.
"Pedaladas fiscais" é como ficaram conhecidas supostas manobras contábeis, na qual o Tesouro Nacional atrasa o repasse de verbas a bancos para apresentar um balanço melhor em um determinado ano.
Ou seja, embora um gasto do governo já tenha ocorrido e sido pago pelo banco, ele entra nas contas públicas somente no ano seguinte.
Na prática, é como se o governo usasse um "cheque especial": fizesse gastos com o caixa dos bancos e pagasse no mês seguinte, de acordo com a descrição do ex-ministro do Tribunal de Contas da União, José Múcio Monteiro, atual ministro da Defesa.
De acordo com o advogado Denis Pesserotti, especialista em Direito Financeiro, a diferença é que, quando comete pedaladas, o governo não paga juros ou correção por esse atraso, gerando prejuízo para os bancos públicos.
"A pedalada fiscal é considerada irregular pelos órgãos de fiscalização porque é uma forma do governo esconder que está com as contas desequilibradas, que está fazendo despesas que não correspondem com as receitas", explica Pesserotti.
No processo em questão, o Ministério Público Federal (MPF) acusava Dilma, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine, o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho de terem cometido improbidade administrativa ao fazer uso de "pedaladas".
A ação havia sido arquivada por um tribunal de primeira instância em 2022, mas o Ministério Público Federal (MPF) entrou com um pedido de recurso - que foi rejeitado pelo TRF-1.
A decisão foi unânime e manteve o arquivamento do processo.
Marcelo Figueiredo, professor de Direito da Pontíficia Universidade Católica, explica que a improbidade administrativa é um ato ilegal cometido por funcionário público.
Os atos que podem ser considerados improbidade são estabelecidos em lei.
"Se comete improbidade quando há enriquecimento ilícito, violação dos princípios administrativos ou dano ao erário", diz Figueiredo.
Para que alguém seja condenado por improbidade, é preciso provar dolo, ou seja, intenção de infringir a lei e causar dano.
O relator do processo das supostas pedaladas de Dilma no TRF1, o ministro Saulo Bahia, afirmou que não havia causa para o seguimento de um processo.
Segundo ele, não foi apontada "conduta ilícita", e os atos descritos não poderiam ser punidos pela lei de improbidade, porque o MPF não conseguiu provar dolo.
Ainda segundo o voto do ministro, no caso de Dilma, durante seu mandato, os supostos atos de improbidade praticados no decorrer do mandato não podiam ser julgados na Justiça, somente responsabilizados pelo processo de impeachment, o que foi feito.
As "pedaladas fiscais" foram o motivo oficial para o impedimento da petista em 2016, embora quase nenhum dos parlamentares que votaram pelo impedimento da presidente tenha mencionado pedaladas em seus votos.
O processo de impeachment se seguiu a um momento de grande descontentamento do Congresso com o governo e baixa popularidade da presidente.
Isso significa que não houve condenação na Justiça contra Dilma e outros agentes públicos porque entendeu-se que não havia os requisitos para o seguimento do processo.
Com isso, o mérito da ação (a acusação do MPF de que Dilma praticou pedaladas fiscais e, portanto, improbidade administrativa) nunca chegou a ser julgado de fato.
De acordo com Figueiredo, o TRF-1 simplesmente aplicou um precedente que já havia sido estabelecido pelo STF.
Pesserotti diz que o arquivamento se trataria de uma "questão processual". "Com o impeachment ela foi responsabilizada por praticar pedaladas", afirma.
O TRF-2 já havia arquivado outro processo - uma ação pública - contra Dilma também com a acusação de cometer pedaladas.