A definição do conteúdo da PEC ocorreu na segunda-feira (28), cinco meses após o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, ter fechado um acordo sobre o tema com os comandantes Tomás Paiva (Exército), Marcos Olsen (Marinha) e Marcelo Damasceno (Aeronáutica).
O impasse que atrasou o envio da proposta ocorreu por indefinição do Palácio do Planalto, que recebeu em março uma primeira versão da redação.
O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, avaliava inicialmente encaminhar o texto ao Congresso dentro de um projeto já em tramitação, para acelerar a análise.
A ideia agora é que um parlamentar governista no Senado apresente o texto avalizado pelo Planalto. Um dos mais cotados para a relatoria é o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), que foi ministro da Defesa em 2015. Ele diz que ainda não foi procurado pelo Planalto. "Mas eu vou lutar pela relatoria", disse.
A reportagem teve acesso à minuta da proposta enviada ao presidente Lula.
O texto, assinado por Múcio e pelo ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), diz que a Constituição define limites para a atuação política dos militares.
"O texto constitucional veda aos militares, por exemplo, a sindicalização e a greve, bem como a filiação a partido político enquanto estiverem na ativa. Além disso, tendo em vista a relevância da atividade militar, o ordenamento jurídico lhes impõe restrições à cumulação de cargos, bem como ao exercício de cargo, emprego ou função pública civil temporária", diz trecho do documento.
Os dois ministros argumentam ainda que a proibição de militares permanecerem na ativa quando disputarem eleições ou ocuparem cargos no primeiro escalão do Executivo é uma "cautela adicional" para garantir a "neutralidade política das Forças Armadas".
"Com esse objetivo, propõe-se que o militar em serviço ativo, estável, que queira se candidatar a cargo eletivo, seja transferido para a reserva no ato do registro da candidatura", afirmam.
Para evitar casos como o do governo de Jair Bolsonaro (PL), que colocou militares da ativa em cargos estratégicos do Executivo, a proposta ainda cria uma "vedação para que eles ocupem cargos de Ministro de Estado, enquanto estiverem na ativa".
Na gestão de Bolsonaro, os generais Eduardo Pazuello e Luiz Eduardo Ramos atuaram como ministros da Saúde e da Secretaria de Governo, respectivamente, ainda nos quadros ativos do Exército.
Ramos deixou a Força após pressão política, e Pazuello decidiu permanecer na ativa mesmo diante de críticas. Na pré-campanha de Bolsonaro à reeleição, o ex-ministro da Saúde chegou a participar de uma motociata promovida por apoiadores do ex-presidente e saudou, ao microfone, os manifestantes.
A participação de Pazuello foi alvo de uma investigação no Exército, para possível punição por desrespeito ao Estatuto Militar. O comando da Força, no entanto, decidiu não punir o militar. As mudanças promovidas pela proposta são no artigo 14, para limitar a elegibilidade de militares àqueles que estão na reserva, e no artigo 87, para transferir para a reserva os militares que assumirem cargos de ministro de Estado.
A PEC não mexe no artigo 142, como defendia setores do PT. Parlamentares do partido de Lula elaboraram uma proposta mais ampla, que retirava da Constituição a possibilidade das Forças Armadas participarem de operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
A proposta, capitaneada pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), estava na fase de recolhimento de assinaturas quando Múcio e os comandantes das Forças decidiram apresentar a PEC dos militares na política a Lula.
Pelas regras atuais, militares da ativa podem pedir uma licença de suas funções para se filiar a partidos políticos e disputar eleições. Se não forem eleitos, as Forças Armadas autorizam o término da licença, e os oficiais ou praças podem voltar aos quartéis.
A avaliação de Múcio e dos comandantes das Forças é que a regra é permissiva e, na prática, pode causar a politização dos militares.
"Você não pode imaginar como isso é salutar para o país, para a democracia. O militar tem carreira, serve ao Estado brasileiro. Você sai para a política, tem insucesso [na eleição] e volta: você não é mais nem militar e fica sonhando com uma nova eleição", disse o ministro à Folha de S.Paulo em março.
"[O militar que tenta a política] perde os princípios hierárquicos e perde o gosto pelas Forças Armadas. Nós não estamos proibindo. Quem for que seja feliz na política. Quem ficar que seja forte como militar", completou.
Nesse mesmo caminho, os comandantes das Forças fizeram um pente-fino para identificar militares da ativa que estavam filiados a partidos políticos --infração prevista na Constituição.
"Com o propósito de cumprir a legislação vigente, decorrido o prazo estipulado de 90 dias sem que haja a correspondente desfiliação, serão adotadas as medidas disciplinares cabíveis em decorrência do eventual descumprimento da norma constitucional", dizia um comunicado interno da Marinha, obtido pela Folha de S.Paulo, que dava prazo para os militares se desfiliarem.