A apuração do ministério encontrou uma série de irregularidades em um contrato firmado no segundo semestre de 2019, junto à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e o Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami, e que chegou a R$ 182,2 milhões.
A auditoria diz, inclusive, que os funcionários que supostamente deveriam fazer o acompanhamento da execução do convênio e a fiscalização eram enfermeiros que nem sequer tinham conhecimento de tal atribuição.
Questionado, o Ministério da Saúde diz que não renovará o convênio, que se encerra neste ano, que abriu novo edital para diversos Dseis e que "os contratos firmados pela atual gestão da Sesai respeitam todos os processos legais para a contratação". Procurada por email na terça (5), a entidade não respondeu.
O período em que foi feita a contratação e os aditivos no acordo com a Caiuá (2019 a 2022) coincide com o tempo em que o distrito foi comandado por apadrinhados do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), aliado de Bolsonaro.
Segundo a Procuradoria, também foi nessa época em que funcionou no Dsei uma operação ilegal para desvio de medicamentos, com a participação de funcionários do órgão. A auditoria da Saúde foi feita em dezembro de 2022 e aproveitada pelo procurador Alisson Mangual em um relatório sobre o Dsei-Yanomami de maio deste ano.
Relatório
Como revelou a Folha de S.Paulo em janeiro, a Sesai elaborou um relatório mostrando que o distrito de saúde yanomami foi sucateado pelo governo Bolsonaro.
O documento registra remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de desvio de comida e de medicamentos para tratamento de malária.
O relatório ainda aponta a curva de evolução da doença no território e mostra que o número de casos em indígenas explodiu durante a gestão passada.
Bolsonaro também incentivou o garimpo, inclusive propondo leis para regulamentar a extração dentro dos territórios indígenas, o que hoje é proibido. De 2020 para 2022, a atividade ilegal triplicou na região, segundo dados da PF.
O contrato alvo da auditoria do Ministério da Saúde tinha valor inicial de pouco mais de R$ 40 milhões e aumentou em mais de três vezes após uma série de aditivos.
A auditoria questiona o fato de a empresa ter sido contratada mesmo somando mais de R$ 3 bilhões em outros 32 convênios firmados entre 2011 e 2018 —já encerrados mas que, em dezembro de 2022, ainda não tinham a devida prestação de contas finalizadas.
A pasta e a Procuradoria apontam para a "liberação de recursos de convênios, sem a comprovação da adequada aplicação de verbas anteriormente liberadas". Quando feita a análise do processo de fiscalização do contrato, a auditoria descobriu que os funcionários supostamente destacados para esta função eram enfermeiros contratados pela própria Caiuá.
A pasta os entrevistou. "Em respostas, os fiscais, de forma geral, informaram desconhecimento de qualquer procedimento, providência em relação aos questionamentos. Informando que: somente tiveram conhecimento da designação como fiscais no momento da entrevista; que não receberam capacitação para atuarem como fiscal", diz a auditoria.
Segundo as respostas dadas pelos funcionários, eles também não tinham senha de acesso à plataforma para acompanhar os gastos com o convênio. "Enfim revelaram que não cumprem o papel de acompanhamento dos resultados em relação à execução, da verificação dos prazos de execução, da qualidade do atendimento e à comprovação da boa e regular aplicação dos recursos", completa o relatório.
Dentre os inúmeros problemas apontados por Saúde e MPF está também a "falta de comprovação da capacidade técnica e operacional da conveniada para a realização do objeto e das atividades previstas no convênio".
A análise também dá conta que a Caiuá não foi capaz de apresentar um plano de trabalho satisfatório e que sua contratação aconteceu sem a apresentação de estudos técnicos que indicassem a quantidade de profissionais necessários para a atuação junto à saúde yanomami.
Também é constatado que valores repassados à entidade foram usados para pagamentos não relacionados ao objeto do contrato e que esse problema foi identificado também em outros convênios feitos com a Caiuá em distritos de saúde indígena, como no Vale do Javari (AM), em Manaus e em Mato Grosso do Sul.
Segundo o seu próprio site, a Missão Evangélica é sustentada por três vertentes da igreja presbiteriana, atua junto aos indígenas caiuás, guaranis, xavantes e kadwéus, no Brasil e no Paraguai.
"A instituição promove em seus campos de trabalho a promoção de ações que visam trazer dignidade ao indígena e proteção da infância e juventude", diz o texto institucional da organização.