Essa é a avaliação do tributarista Marcus Lívio, sócio do escritório Salomão Advogados. Ele é também um dos cinco especialistas escolhidos para dar suporte técnico ao grupo de trabalho da Reforma Tributária da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Lívio coordenou ainda o Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro, iniciativa do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que resultou em oito projetos de lei que visam prevenir litígios e propor métodos para solucioná-los.
A PEC 45/2019, que trata da reforma tributária, previa originalmente a fusão de cinco tributos em apenas um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) sobre bens e serviços dividido por União, estados e municípios.
A versão aprovada na Câmara em julho passou a trabalhar com dois: uma contribuição federal (CBS) e um imposto controlado por governadores e prefeitos (IBS). A separação em dois tributos era uma proposta do próprio Senado que foi acolhida pelos deputados.
"A PEC 45 prevê que o IBS e o CBS serão tributos gêmeos. Terão o mesmo fato gerador, a mesma base de cálculo, as mesmas regras de imunidade, as mesmas isenções e tudo mais. O grande problema é que o projeto original era pensado para um IVA único. Tomou-se a decisão de fazer um IVA dual, separando IBS e CBS, mas não se atentaram à possibilidade de conflitos processuais ou possíveis contenciosos", afirma o tributarista.
O primeiro conflito, segundo ele, se dará na regulamentação da reforma, esperada para 2024.
A Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, do Ministério da Fazenda, prevê que esses dois novos tributos serão regulados por uma única lei complementar. Mas o texto da PEC dá poder à União para regular a CBS e diz que a iniciativa de lei complementar que trate do IBS caberá ao Conselho Federativo formado por estados e municípios."Teremos duas leis complementares, causando possíveis assimetrias e distanciamento entre esses dois tributos gêmeos, ou uma única lei para regulamentar os dois tributos, o que seria o ideal. Mas o texto da PEC 45 não deixa isso claro."
Segundo o tributarista, mesmo se for editada apenas uma legislação complementar, pode haver conflito a partir da edição de outras normas, caso Receita Federal e Conselho Federativo tenham poderes para fazer cada um sua própria interpretação dessa legislação.
Posteriormente, os questionamentos dos contribuintes serão analisados pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) em relação à CBS e por um tribunal administrativo vinculado ao Conselho Federativo nos julgamentos do IBS. Haveria então a possibilidade de duas jurisprudências administrativas, uma para cada tributo.
O mesmo pode ocorrer no Judiciário. Casos referentes à CBS irão para a Justiça Federal. Para o IBS, a competência será da Justiça Estadual.
O tributarista afirma que um bom caminho seria trazer tudo para a esfera federal, ou seja, que a Receita Federal fizesse uma regulamentação única para IBS e CBS.
Ele diz que, se não houver uma alteração na PEC unificando a regulamentação, seja ela feita toda pela União ou toda pelo Conselho Federativo, unificando o julgamento administrativo e a competência na Justiça Federal ou Justiça Estadual, a Reforma Tributária vai gerar um contencioso derivado desses aspectos processuais.
"Podemos ter dois diplomas regulamentadores, que vão gerar duas interpretações. Teremos dois órgãos [administrativos] de julgamento distintos e, depois, se tivermos conflitos judicializados, teremos duas Justiças competentes. A gente vai ter um distanciamento natural dos dois tributos", afirma o tributarista.
Lívio diz que pretende levar essas preocupações ao grupo de trabalho da reforma na CAE, coordenado pelo senador Efraim Filho (União-PB). A comissão trabalha em conjunto com o relator da reforma no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM).
"Pretendo levar essas preocupações a ele [Efraim], de forma que a gente possa fazer essa harmonização ainda agora na fase de tramitação no Senado da PEC 45. Esses problemas só podem ser resolvidos na PEC. A lei complementar não tem como resolver. Se não for agora, o problema já está posto."
O IVA Dual fazia parte da PEC 110, proposta de reforma tributária apresentada pelo Senado. Segundo Lívio, essa proposta também não previa uma solução para esses conflitos de competência.