O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para que a União e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, indenizem a população do Arquipélago do Marajó (PA). A ação foi motivada por uma fala de Damares num culto evangélico, durante as eleições de 2022, que trazia informações falsas envolvendo abuso sexual e torturas às crianças do Marajó.
Na ação, o Ministério Público pede que a União e a ex-ministra sejam condenados ao pagamento de R$ 5 milhões (metade do valor para cada réu) por danos sociais e morais coletivos, a serem revertidos em favor de projetos sociais destinados à região. O órgão pede ainda que a União seja condenada a elaborar, divulgar e executar imediatamente um plano de ações, com políticas públicas reais para a região para a concretização das metas pretendidas no Programa Cidadania Marajó.
Segundo a ação do MPF, no dia 8 de outubro do ano passado, Damares contou detalhes de práticas sexuais violentas e torturas com crianças do Arquipélago do Marajó, das quais teria tomado conhecimento enquanto ministra da Mulher. O órgão aponta que os crimes foram narrados no contexto de campanha eleitoral para o ex-presidente Jair Bolsonaro e usados para justificar a existência do "maior programa de desenvolvimento regional na Ilha do Marajó".
Para os procuradores da ação, as graves violações na região do Marajó não justificam "a utilização sensacionalista da vulnerabilidade social daquela população, associada à divulgação de fatos falsos, como palanque político e eleitoral em benefício do então presidente da República e da própria ministra". O texto destaca que, além de não contribuírem em nada, as reiteradas desinformações discriminatórias divulgadas por Damares reforçam estereótipos e estigmas históricos.
De acordo com os procuradores, esse tipo de informação falsa confunde a sociedade e prejudica a execução de políticas públicas sérias, "causando danos sociais e extrapatrimoniais aos moradores da região".
Os procuradores destacam que as falas de Damares geraram grande repercussão em diversos setores da sociedade e na mídia. "As consequências (danos sociais e morais coletivos) foram graves e potencializadas pelo trânsito rápido e instantâneo com que as informações são veiculadas (...). Além disso, ocasionaram grande movimentação de força de trabalho e gastos públicos para analisar as denúncias e apurações relacionadas aos fatos narrados por Damares Alves, embora nada tenha sido confirmado", disse o MPF, em nota.
Apuração
De acordo com a ação, o MPF solicitou informações ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) acerca dos supostos crimes envolvendo tráfico transnacional de crianças e estupro de vulneráveis na região do Marajó, no período de 2016 a 2022. No entanto, as informações revelaram registros desorganizados e, por muitas vezes, genéricos. Com isso, o MPF apontou que o ministério "não comprovou os registros dos crimes de altíssima gravidade narrados por sua própria ex-ministra".
Em outra apuração, os procuradores também solicitaram ao ministério informações sobre os supostos crimes contra crianças da região e quais providências o órgão tomou ao descobrir os casos, e se houve denúncia ao Ministério Público ou à Polícia. O MPF também solicitou informações ao estado do Pará, que respondeu dizendo não haver registros de supostos atos de tráfico internacional de menores na Ilha do Marajó.
Os procuradores da República daquela região também ressaltaram que, em 30 anos, nenhuma denúncia foi recebida pelo MPF sobre tráfico de crianças. O Ministério Público do Pará (MPPA) também divulgou nota informando que não havia recebido denúncia formal ou prova do que a ex-ministra relatou. A Polícia Federal também informou que nenhuma das investigações da corporação coincide com os fatos narrados por Damares Alves.