A Câmara dos Deputados se prepara para votar, nesta quarta-feira (13/9), projetos que alteram a legislação eleitoral no Brasil. As propostas devem ter apoio de situação e oposição no Legislativo, embora tenha pontos sensíveis como a redução das garantias para candidaturas de mulheres e negros no país; a flexibilização das regras de prestação de contas de gastos em campanha; a mudança das normas sobre a propaganda; e o perdão das dívidas de partidos que não cumpriram com as cotas de gênero e raciais. A minirreforma eleitoral, que vai a plenário, e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia, que vai à comissão especial, tramitam com urgência no Congresso Nacional para que as regras já entrem em vigor no pleito municipal do ano que vem.
A chamada minirreforma eleitoral, apesar do nome diminutivo, reúne a maior quantidade das mudanças entre as previstas no pacote. O relator das medidas no grupo de trabalho criado para trabalhar as propostas é o deputado Rubens Júnior (PT-MA), que garante que tratam-se de ‘pequenos ajustes’ para reforçar o sistema eleitoral brasileiro. As alterações, no entanto, podem apresentar mudanças significativas.
Uma das possíveis mudanças da minirreforma é a alteração do tempo de inelegibilidade de um candidato condenado. A lei atual determina que o parlamentar fique oito anos fora dos pleitos a partir do cumprimento da pena. O que se propõe é que esse período passe a ser contado a partir da data da condenação. Ainda sobre punições, há também a proposta de restringir a inelegibilidade por improbidade administrativa para casos com intencionalidade, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.
O texto ainda traz a possibilidade de que a compra de voto não seja punida com cassação mediante pagamento de multa; libera a doação de pessoas físicas via PIX para campanhas; permite que dinheiro destinado a campanhas de mulheres para homens desde que se considere existência de benefícios para candidaturas femininas ou negras; e ainda amplia a definição de ‘violência de gênero’ para qualquer mulher em atividade política ou eleitoral.
Os parlamentares correm contra o tempo para a aprovação das medidas. A minirreforma, bem como as demais alterações de cunho eleitoral, devem ser votadas e aprovadas na Câmara e no Senado e serem sancionadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até 6 de outubro para valer já nas eleições municipais de 2024. O grupo de trabalho que debateu as alterações foi formado em 23 de agosto e já apresentou o relatório na última segunda-feira (10/9). Em dois dias, ele já deve chegar ao plenário.
O relator Rubens Júnior explica que serão apresentados dois projetos, um para alterar regras previstas em lei ordinária, que exigem maioria simples para aprovação e um para alterar leis complementares, que demanda maioria absoluta dos deputados. Após o fim das atividades do grupo de trabalho, o parlamentar se mostrou confiante com a validação da minirreforma em tempo hábil: “quanto mais a gente procura a pauta consensual, maior a certeza que será aprovada em tempo suficiente para que o Senado se manifeste, até o dia 6 de outubro, prazo fatal para apreciar essa matéria”.
PEC da Anistia
Também nesta quarta-feira pode ser votada em comissão especial o relatório da PEC 9/2023, a chamada PEC da Anistia. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), articula para que as pautas relacionadas ao sistema eleitoral sejam apreciadas em conjunto. O texto em questão propõe perdoar a dívida de partidos políticos com a Justiça Eleitoral, estendendo sua vigência para as irregularidades cometidas nas eleições de 2022.
As legendas que não cumpriram com as cotas determinadas para a candidatura de mulheres, pretos e pardos e as que não prestaram contas sobre os gastos no período eleitoral não terão mais débitos com a Justiça, de acordo com o previsto pela PEC.
A proposta, apresentada pelo relator deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) nesta terça-feira (12/9), ainda traz alterações na destinação do fundo eleitoral a candidaturas com referência à raça e gênero. A PEC prevê que 20% da verba deve ser empregada em candidaturas de pretos e pardos enquanto no último pleito esse dinheiro deveria ter sido empregado de forma proporcional a candidatos negros e brancos. Em 2022, isso significa que 50% da verba eleitoral deveria ter sido empregada na campanha de negros.
O relatório da PEC da Anistia também determina que os partidos que não lançarem, ao menos, 30% de candidatas mulheres no pleito não podem ser punidos caso a sanção judicial signifique a cassação de mandatos de mulheres.
A PEC vai a plenário em um contexto em que a ampla maioria dos partidos políticos não cumpriu com as regras eleitorais. Levantamento publicado pela Folha de S. Paulo a partir de dados fornecidos pelas legendas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostrou que candidatos pretos e pardos deixaram de receber R$ 741 milhões e as mulheres perderam R$ 139 milhões nas eleições do ano passado.
Desde sua votação na Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, em maio, a PEC da Anistia tem reunido parlamentares da situação e da oposição em torno de sua aprovação. Na comissão, o texto contou com a aprovação dos antagonistas PL e PT, conseguindo 40 e 33 assinaturas de cada partido, respectivamente. Os líderes das legendas José Guimarães (PT-CE) e Carlos Jordy (PL-RJ) deram aval ao texto.
Para ser aprovada em plenário, a PEC da Anistia precisa de apoio de 60% dos parlamentares das duas casas do Congresso, o que seriam 308 deputados federais e 49 senadores. Caso aprovada, a proposta é promulgada sem a necessidade de aprovação do Presidente da República.
Pontos críticos
Com aprovação ampla no Congresso, as alterações eleitorais discutidas pelos parlamentares têm sido alvo de críticas constantes por analistas e organizações da sociedade civil. A rede Pacto pela Democracia, que reúne mais de 200 associações, elaborou um documento com dez pontos de atenção na proposta e estabeleceu críticas ao projeto que apelidou como “vale tudo eleitoral”.
- Tramitação:
O grupo de trabalho da Reforma eleitoral foi instalado dia 23 de Agosto e, em menos de duas semanas, apresenta um relatório que deve ser votado no plenário da câmara em 48 horas. Não há como esperar que se tenha uma boa produção legislativa quando o processo de construção do texto não é plural.
- Impunidade na compra de votos:
A alteração dos artigos 30-A e 41-A abre a oportunidade para que a Justiça eleitoral apenas aplique uma multa entre R$ 10 mil e R$ 150 mil para quem, comprovadamente, captar ou gastar ilicitamente recursos para fins eleitorais ou para quem fizer a compra de votos.
- Farra dos panfleteiros:
O texto veda que se exija informações a respeito de quem são os e/ou atividades desempenhadas por subcontratação das empresas. Ou seja, se um candidato contrata uma empresa que subcontrata panfleteiros, não é exigido a documentação desses agentes de rua. Isso prejudica a transparência e facilita a compra de votos.
- Coligação na propaganda:
O texto permite que os candidatos façam propaganda com qualquer um, independentemente de federação ou partido. Isso prejudica a transparência e a formação consciente do voto.
- Só declara quem paga:
Além de liberar a coligação na propaganda, só teremos a informação do gasto da campanha conjunta da candidatura que tenha arcado com o recurso, sem doação estimável do beneficiário. Isso pode causar abuso de poder econômico além de prejudicar a transparência no pleito.
- Liberação da boca de urna virtual:
Libera a propaganda eleitoral no dia da eleição desde que não seja impulsionada. Isso, somado ao poder de alcance dos influencers pode prejudicar a tranquilidade do pleito e abrir espaço à desinformação.
- Candidaturas negras sem repasse e sem TV:
O anteprojeto não segue o entendimento do TSE que obriga a proporcionalidade do repasse do fundo partidário às candidaturas negras, deixando vago nos termos de “a destinação de recursos a candidaturas específicas observará a autonomia e o interesse partidário”. Além disso, ao regulamentar a propaganda gratuita de rádio e tv, o texto só menciona a proporcionalidade para as mulheres, sem incluir as candidaturas negras, novamente indo contra o entendimento pacificado do TSE.
- Partidos sem mulheres candidatas:
A regra de 30% de candidaturas femininas será aferida nas federações como um todo e não por partido, como é o entendimento já pacificado pelo TSE. Ou seja, isso permite que partidos federados não cumpram a cota de gênero, prejudicando a representatividade intrapartidária.
- Cálculo de cota feminina feito à nível nacional e contando com majoritárias:
Além de valer para a federação inteira, o cálculo de candidaturas femininas agora será feito nacionalmente e não localmente, e contando as candidaturas majoritárias (para prefeitura), e não só as proporcionais (para vereadora). Além de diminuir a participação feminina local, o texto também contribui para que as candidaturas de prefeitas e vice-prefeitas possam concentrar todos os recursos minando a representatividade nas câmaras.
- Fraude à cota de gênero:
A alteração do § 3º-A do Artigo 10, na verdade, dificulta a penalização das chapas eleitas a partir de fraude na cota feminina. Uma vez que a cassação da chapa não será mais possível caso mulheres também tenham sido eleitas. As mulheres estão sendo usadas de escudo contra a penalização de práticas que prejudicam sua participação na política.