Brasília – O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou ontem o julgamento dos quatro primeiros réus dos atos golpistas de 8 de janeiro, quando as sedes dos três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas.
Alexandre de Moraes, relator da ação penal, e Kassio Nunes Marques deram seus votos ontem. O julgamento será retomado hoje. A sessão começou com a apresentação do relatório de Moraes.
Em seguida, houve as manifestações do MPF e da defesa do réu. Moraes votou para que o primeiro réu, Aécio Lúcio Lopes Costa Pereira, cumpra pena de 17 anos de prisão, sendo 15 anos e seis meses em regime fechado e um ano e quatro meses em regime aberto, além de 100 dias-multa, cada um deles no valor de um terço do salário mínimo (em valores atuais, mais de R$ 40 mil).
Aécio Lúcio Lopes Costa Pereira tem 51 anos e é morador de Diadema (SP) e foi a Brasília de ônibus para participar da manifestação convocada para aquela data. Na Ação Penal (AP) 1060, ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Ele aparece em imagens do dia dos ataques dentro do plenário do Senado e na área externa do STF.
Em seu voto, Moraes destacou que o réu teve a intenção, por discordar do resultado das eleições de 2022, de realizar e incitar um golpe de Estado. Para o magistrado, não há dúvidas de que os extremistas tentaram, por meio de violência, derrubar o governo democraticamente eleito de Luiz Inácio Lula da Silva. Por isso, votou por 17 anos de prisão. Aécio foi empregado por mais de 20 anos da Companhia de Saneamento Ambiental de São Paulo (Sabesp). Durante a invasão, ele teria enviado imagens pelas redes sociais, citando a Sabesp, incitando que as pessoas saíssem às ruas para forçar a decretação de uma GLO (Garantia da lei e da Ordem), supostamente para permitir uma intervenção militar.
“Armados com pedaços de ferro, pedaços de pau, destruindo o patrimônio público, não há nada pacífico nestes atos. São atos criminosos, antidemocráticos e que realmente estarreceram a sociedade brasileira. A versão mentirosa de vários depoimentos de que várias portas do Senado estavam abertas. Várias câmeras foram depredadas também”, disse. Moraes destacou ainda que o fato da tentativa de golpe não ter sido bem-sucedida não faz com que os crimes não tenham ocorrido. “Várias pessoas defendendo que este crime não ocorreu porque não conseguiram dar um golpe de Estado. Não existe crime de golpe de Estado, pois se tivesse golpe de Estado, não estaríamos aqui. Quem dá golpe, não é julgado. Por isso, as elementares do crime são claras, tentar depor”, afirmou Moraes também.
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“Às vezes, o terraplanismo e o negacionismo obscuro de algumas pessoas faz parecer que no dia 8 de janeiro tivemos um domingo no parque. Então as pessoas vieram, as pessoas pegaram um ticket, pegaram uma fila 'Agora vamos invadir o Supremo, vamos quebrar uma coisinha aqui. Agora vamos invadir o Senado. Agora vamos invadir o Palácio do Planalto'. Como se fosse possível. 'Agora vamos orar da cadeira do presidente do Senado'. É tão ridículo ouvir isso", disse também o relator.
Já Nunes Marques, que é revisor no STF das ações criminais dos atos golpistas, divergiu de Moraes e defendeu a absolvição do acusado dos crimes mais graves, como tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolir o Estado democrático de direito. Ele defendeu que a condenação seja restrita apenas aos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio a 2 anos e 6 meses, em regime aberto, descontado os meses que o réu já ficou preso. Mesmo assim, segundo ele, se a maioria do STF entender que é de responsabilidade da corte julgar o caso. Para ele, o processo deveria ser levado à primeira instância.
“Ele aderiu aos manifestantes que ingressaram mediante violência no prédio do Congresso, concorrendo para os danos e a deterioração do patrimônio tombado do Congresso Nacional”, disse Nunes Marques. Ele, entretanto, afirmou: “As lamentáveis manifestações ocorridas no dia 8 de janeiro, apesar da gravidade do vandalismo, não tiveram alcance de consistir numa tentativa de abolir o Estado democrático de direito”. Dessa forma, votou pela absolvição dos crimes mais graves.
CRIMES MULTITUDINÁRIOS
Falando pelo Ministério Público Federal, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos explicou que as acusações contra os envolvidos nos atos golpistas foram embasadas na tese de crimes multitudinários, ou seja, praticados por multidão. “Uma turba que, mediante atos violentos, danificou patrimônio público, vandalizando-os, com o fim de consumar o fim do Estado Democrático de Direito”, afirmou.
Por isso, segundo Santos, não é necessário descrever a conduta de cada um dos executores das práticas criminosas, mas o resultado dos atos praticados pela multidão. Não é necessário, por exemplo, descrever quem quebrou uma porta, uma janela ou quem danificou uma obra, porque quem responde pelo resultado é o conjunto das pessoas.
O subprocurador do Ministério Público Federal Carlos Frederico Santos disse, durante a sessão, que não era necessário descrever a conduta de cada um dos acusados de depredarem os prédios dos três Poderes. “As acusações formuladas pelo Ministério Público Federal foram pautadas na melhor técnica jurídica, embasada sob a tese de crimes multitudinários. Ou seja, praticados por uma multidão”, disse o subprocurador Carlos Frederico Santos, ao esclarecer o que chamou de "fake news" espalhadas contra o Ministério Público.
“O Ministério Público Federal não tem que descrever a conduta de cada um dos executores do ato criminoso, mas o resultado dos atos praticados pela turba, não se fazendo necessário descrever quem quebrou uma porta, quem quebrou uma janela ou quem danificou uma obra de arte, porque responde pelo resultado a multidão, a turba, aquele grupo de pessoas que manteve um vínculo psicológico na busca de estabelecer um governo deslegitimado e inconstitucional", acrescentou.
A
PGR tem defendido que o STF condene os réus por crimes cujas penas, somadas, podem chegar a 30 anos de prisão. Santos é o responsável por se manifestar pelo órgão comandado por Augusto Aras nas ações do STF sobre os ataques. “É importante registrar que o Brasil há muito deixou de ser uma república de bananas e hoje goza de prestígio internacional das grandes democracias. Golpe de estado é uma página virada da nossa história”, disse.