Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA/FLÁVIO ROSCOE

Presidente da Fiemg: "Governo não gera riqueza, quem gera é quem produz"


O presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe, foi uma das principais lideranças no estado que se colocaram contra o projeto de aumento em dois pontos percentuais do ICMS sobre produtos considerados supérfluos. Desde o envio do projeto, de autoria do governador Romeu Zema (Novo) à Assembleia, a Fiemg trabalhou para que o aumento do imposto não prosperasse. Mas não adiantou. A proposta acabou sendo aprovada em plenário na última quinta-feira.





Em entrevista ao programa “EM Minas”, da TV Alterosa, Estado de Minas e Portal UAI, que foi ao ar ontem, o empresário do setor têxtil explicou sua posição. “Entendemos que no final das contas quem paga é a população. Todo aumento de tributo a população acha que quem paga é o empresário, mas não, é você que paga os aumentos de tributo. O empresário apenas recolhe os impostos, ele coloca no preço do produto que você adquire e, com isso, os preços ficam maiores”, disse Roscoe.

Apesar do engajamento político, Flávio Roscoe ainda reforçou que é preciso promover mudanças no serviço público, já que o “governo não gera riqueza”, diferente do setor produtivo. “Uma sociedade só é mais rica se ela é mais produtiva”, disse. “Na minha leitura e na leitura com os empresários, um dos problemas centrais é justamente a estabilidade de serviço do setor público. Lembrando que o serviço público é o mais nobre da sociedade, você é um servidor público, você está a serviço da população”, afirmou.

Roscoe, que tem um canal de diálogo aberto com Zema, elogiou o governador pelos investimentos que tem trazido ao estado, ao mesmo tempo em que criticou um déficit histórico do governo federal com Minas Gerais em projetos de infraestrutura. “Eu diria que o maior gargalo do governo federal com Minas Gerais são os grandes projetos de infraestrutura”, disse, reforçando ainda os problemas da BR-381 e do Anel Rodoviário.





O empresário comentou, ainda durante a entrevista, a expectativa do mercado para os rumos econômicos que o país tem tomado sob a gestão Lula e destacou o projeto ambicioso de exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha. “A gente entende que esse projeto é a redenção do Vale do Jequitinhonha. É uma região onde o desenvolvimento foi, infelizmente, deixado de lado ao longo dos anos”, pontuou.

Esses e outros pontos estão na entrevista publicada hoje pelo Estado de Minas. O “EM Minas” vai ao ar todo sábado em dois blocos na TV Alterosa, e um terceiro exibido com exclusividade no canal do Portal UAI no YouTube.

ICMS SOBRE SUPÉRFLUOS

“A Fiemg se manifestou contrária a essa recriação de uma alíquota mais alta para os produtos supérfluos. Conversamos diretamente com o governador que, pessoalmente, é favorável para que não houvesse o aumento, mas ele argumentou que não era um aumento, era retornar ao estágio anterior em que ele já contava com parte do recurso no orçamento e que para o estado aderir ao plano de recuperação fiscal houve a exigência que esse projeto de lei fosse aprovado, garantido assim aquela responsabilidade fiscal.





A Fiemg trabalhou dentro da Assembleia a todo momento para que o projeto não prosperasse, porque entendemos que, no final das contas, quem paga é a população. Todo aumento de tributo a população acha que quem paga é o empresário, mas não, é você que paga os aumentos de tributo. O empresário apenas recolhe os impostos, ele coloca no preço do produto que você adquire e, com isso, os preços ficam maiores. Nós entendemos a situação fiscal do Estado, mas enquanto setor produtivo, trabalhamos contra essa medida. Quando não havia mais espaço para que o projeto não fosse aprovado, que era o nosso pleito inicial, a gente tentou criar exceções e, pelo menos, os produtos de higiene pessoal saíram fora”.

GOVERNO DE MINAS

“O governo de Minas tem sido muito sensível às pautas pró-empreendedor, e eu acho que esse é o ponto forte. Tanto é que o governo está batendo todos os recordes de atração de investimentos. Minas Gerais vai bater quase R$ 400 bilhões em atração de investimento durante o ciclo Zema, que é uma marca histórica sequer pensada. Muito em função do seu trabalho de simplificação, desburocratização, tentando recuperar Minas Gerais via atração de investimento, o que é uma decisão adequada. Lembrando que o Estado não gera riqueza, quem gera riqueza é quem produz. Uma sociedade só é mais rica se ela é mais produtiva. O que nós tentamos fazer hoje em Minas é aumentar a produtividade para que essa riqueza possa, sim, ser compartilhada com toda a sociedade.”

SERVIÇO PÚBLICO

“O governo normalmente é moroso, tem uma estrutura grande, tanto de controle quanto de pessoal. Na verdade, boa parte da falta de crescimento do Brasil reside no governo, seja ele federal, estadual e municipal. Na minha leitura, e na leitura com os empresários, um dos problemas centrais é justamente a estabilidade de serviço do setor público, porque você não premia o bom funcionário e retém o funcionário que não é bom. Claro que tem carreiras do Estado que precisam de estabilidade, por exemplo, um juiz você não pode remover em função de uma decisão judicial ou não. Mas você não precisaria estender toda essa proteção para todo o estado brasileiro. O que a gente vê hoje é que o bom funcionário público não é premiado por ser bom, e o mau funcionário público não é retirado do serviço. Lembrando que o serviço público é o mais nobre da sociedade, você é um servidor público, você está a serviço da população             

Essa mudança é uma demanda para o parlamento federal, então não está no alcance de Minas fazer as alterações. Essa é uma bandeira que tem de ser discutida com a sociedade. Lá no passado foi estabelecida a estabilidade no serviço público. Agora, que sentido faz isso hoje? Em que boa parte das pessoas que entram no mercado de trabalho hoje não estarão na profissão no final da carreira, porque o mercado de trabalho está em constante dinamismo”.





ECONOMIA DO GOVERNO FEDERAL

“Na área econômica a gente ainda não teve nenhuma grande medida de impacto que pudesse fazer uma análise mais aprofundada. Geralmente, as medidas econômicas demoram, o setor produtivo demora a responder aos estímulos. O governo tem uma bandeira que a gente entende adequada, que é a redução da taxa de juros. O Banco Central (BC) já começou a reduzir, na nossa avaliação até um pouco tardiamente, mas o BC fez lá suas análises e ponderações.

Com a redução da taxa de juros, a gente entende que vai haver uma aceleração da atividade econômica, que começa já a sentir os resultados de um ciclo muito longo de taxas de juros mais altas. Além disso, a gente acompanha e está muito preocupado com o teto de gastos, o arcabouço (fiscal), essa é a grande questão. Quer dizer, o governo vai ter recursos para fazer tudo aquilo que deseja fazer ou vai recorrer à expansão do déficit público? O que na nossa percepção não é o desejado. O desejado é que haja uma redução do déficit público para que a gente possa ter um equilíbrio de longo prazo na economia”.

INFRAESTRUTURA

“Eu acredito que Minas Gerais tem um déficit não somente desse governo, porque ele mal começou, mas histórico com o governo federal, na infraestrutura. Minas Gerais é um estado grande que interliga o Brasil todo e ao longo das últimas décadas tem recebido muito pouco investimento do governo federal na infraestrutura. Isso independentemente de governo, independentemente de bandeira. A expectativa que a gente tem nesse momento são os grandes projetos de infraestrutura no país.




A gente está no aguardo da solução da BR-381, do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, e, aparentemente, esses temas estão na pauta. A gente tem dialogado e há uma perspectiva, mas eu diria que o maior gargalo do governo federal com Minas Gerais, na minha leitura, são os grandes projetos de infraestrutura. Acredito também que o acordo de Mariana é aquele acordo que tem uma condição de impulsionar a economia de Minas Gerais, porque é um acordo de mais de R$ 100 bilhões em estimativa que vai irrigar Minas e o Espírito Santo com investimentos. Até onde as informações correm essa bola está com o governo federal para a solução e equação desse processo. Claro, eu acho que parte dessas obras de infraestrutura serão anunciadas no PAC. A discussão é que o déficit de Minas Gerais de investimentos do governo federal é muito grande. Então, eu espero que haja investimentos significativos em Minas. Vamos aguardar o anúncio do PAC e verificar qual o volume de recurso destinado ao estado”.

PROJEÇÕES DO SETOR EM 2023

“A gente vai ter segmentos que vão crescer, outros, não. É um crescimento moderado, no ritmo menor, mas ainda assim acima da média nacional. Nos últimos anos, a indústria mineira tem crescido acima da média nacional, o que fez com que o PIB industrial de Minas Gerais, a participação da indústria no PIB, crescesse. Ainda é preliminar, mas, na nossa leitura, a gente acha que a indústria deve crescer em torno de 1,5%. O emprego vem crescendo na indústria ano após ano, muito em função do círculo de investimentos que vem sendo feito na indústria mineira”.

INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA

“A inovação é o calcanhar de Aquiles do Brasil e é a grande chave para o aumento de produtividade e competitividade. Eu acredito que os investimentos têm que se dar, cada dia que passa, de maneira mais intensa. Esse eu diria que é o desafio da economia brasileira, reduzir o custo Brasil e aumentar a produtividade. Olha o aumento da produtividade: ela vem vindo da inovação, e boa parte da inovação é feita na indústria. Mais de 70% dos investimentos mundiais em inovação são realizados pelo setor industrial, por isso é tão importante que um país que quer mudar o patamar de desenvolvimento tenha uma indústria forte. Minas está bem (em inovação), mas a gente está comparando com os melhores do mundo. Minas dentro do Brasil está bem. A Fiemg tem contribuído razoavelmente para inovação industrial. Temos um hub de inovação premiado que está entre os top 5 do Brasil, o primeiro do setor industrial. Devemos, inclusive, receber premiações agora no mês de outubro, liderando o cenário.”





VALE DO LÍTIO

“A gente entende que esse projeto é a redenção do Vale do Jequitinhonha. É uma região onde o desenvolvimento foi, infelizmente, deixado de lado ao longo dos anos. É a região mais pobre de Minas Gerais e ela tem agora no lítio a grande oportunidade para retomada do desenvolvimento. Eu acredito muito. É um mineral que é portador de futuro, porque ele é da transição energética. As empresas que estão indo para o Vale são empresas com consciência ambiental, social, que têm um produto de primeiríssima qualidade e acreditamos que vai levar muita prosperidade, muita felicidade para o povo sofrido do Vale do Jequitinhonha.”

MINERAÇÃO E MEIO AMBIENTE

“A mineração, infelizmente, não é percebida com a relativa importância que ela tem, especialmente no estado de Minas Gerais. Fruto das duas tragédias, gerou uma indisposição da sociedade de maneira geral em relação à mineração, e eu diria que um uma outra razão seria a BR-040, que tem até Congonhas uma dificuldade muito grande de mobilidade. Acredito que as tragédias (Brumadinho e Mariana) ficaram para trás no sentido de que foi feito um grande trabalho de reestruturação nas barragens, mais de R$ 20 bilhões foram investidos para dar segurança e hoje não pode ter mais barragem a montante no estado de Minas Gerais. Então, essa é uma página que se virou e não acredito que haja mais risco para a população e não vai haver novas (tragédias)”.

RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

“Eu acredito que é uma pauta que tem estado central nas empresas, é uma pauta muito relevante. Na sustentabilidade, eu diria que nós vamos exportar produtos verdes, nós somos hoje a indústria mais verde do mundo, a indústria brasileira, especificamente mais ainda a mineira. A nossa matriz energética, elétrica, é 99,5% limpa. Na matriz energética ainda temos o carvão vegetal como fonte renovável, também em menor pegada comparada com carvão mineral e, somados a isso, Minas Gerais este ano acabou de ser o segundo maior produtor de açúcar e álcool do Brasil. Com isso, estamos exportando álcool para mover as frotas.





A Fiemg está fazendo levantamento da pegada de carbono de cada segmento, e a gente já indica que a indústria brasileira em média tem pegada de carbono menos da metade dos seus pares no mercado internacional, ou seja, se você comprar um produto mineiro, você está preservando mais o meio ambiente ou tendo o menor impacto no meio ambiente que comprando de qualquer outro lugar do mundo.”

CARREIRA POLÍTICA

“Se eu pensasse (em seguir na política), talvez eu não falasse muita coisa que eu tenho coragem de falar. Então, na verdade, estou aqui na Fiemg fazendo a defesa daquilo que eu acredito, que é o papel do setor empresarial, papel de fomentador da sociedade, da riqueza da sociedade, da distribuição de riqueza. O empreendedor tem que ser reconhecido com seu papel social que é o papel de gerador de riquezas, daquele que faz com que haja o aumento da produtividade, que gere a inovação. Esse papel precisa ser resgatado na nossa sociedade.

As pessoas precisam entender que são os empreendedores que movem esse país junto com os trabalhadores. Não é o governo. O governo se apropria da riqueza de todos nós para redistribuir. Há uma falácia, o cidadão brasileiro acha que é o governo que vai resolver seus problemas, quando somos nós, cidadãos, que temos que resolver o nosso problema. Para mim, o governo tem que ter um papel secundário no desenvolvimento e a sociedade tem que assumir sua responsabilidade, não ficar esperando os salvadores da pátria nos tirarem das dificuldades”.