Relatos de parlamentares à Folha de S.Paulo apontam que, para encobrir negociações políticas, integrantes do Congresso e do governo Lula (PT) têm feito uma espécie de encenação no processo de liberação de dinheiro para obras e projetos apadrinhados por deputados e senadores.
O petista separou cerca de R$ 10 bilhões dos cofres dos ministérios para usar em negociações com o Legislativo. O objetivo é atender a pedidos de congressistas sem que esses recursos tenham o carimbo oficial de uma emenda parlamentar.
Na prática, o modelo atual, que foi desenhado por ministros de Lula e cardeais do Congresso, prioriza cidades de deputados e senadores mais influentes -mesmo que os projetos apresentados por essas prefeituras tenham menor embasamento técnico.
Quando assumiram o controle sobre essa verba de R$ 10 bilhões, ministros de Lula criaram regras de como a quantia deveria ser usada e em que áreas ela seria aplicada. As pastas abriram sistemas eletrônicos para que as prefeituras do país inteiro pudessem cadastrar sugestões de obras e projetos a serem bancados com esse dinheiro.
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Antes mesmo de o ministério abrir o prazo para receber sugestões e projetos, o deputado ou senador já sabe para qual município quer enviar dinheiro. A prefeitura cadastra a proposta no site do ministério e recebe o número do protocolo.
O deputado ou senador então informa aos articuladores políticos do Palácio do Planalto ou do Congresso o número da proposta que ele quer apadrinhar e que deverá ser beneficiada no recebimento de emendas. O ministério, por fim, seleciona os projetos indicados pelos parlamentares e efetiva os repasses.
O critério, portanto, tem sido político, pois são priorizadas as sugestões de quem é mais próximo dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além de líderes partidários nas duas Casas.
Essas negociações descumprem a promessa de Lula de dar transparência ao processo orçamentário com o Congresso. Durante a campanha presidencial, Lula criticou as emendas de relator, usadas na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e que foram extintas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
A comunicação entre o Congresso e o governo nesse início de governo Lula é informal. A orientação nos bastidores é evitar o envio de ofícios para o Planalto ou para ministérios com o protocolo das prefeituras que receberão o dinheiro.
O uso desses ofícios na gestão Bolsonaro deixavam as negociações expostas e revelavam os acordos políticos por trás da liberação do dinheiro.
No entanto, essa engrenagem não está girando do jeito que a cúpula do Congresso gostaria. Os últimos meses têm sido marcados por reclamações sobre a demora na liberação de emendas e de ministros que não cumpriam acordos.
Líderes da Câmara e do Senado querem encurtar ainda mais o processo de liberação do dinheiro. Por isso, preparam um novo modelo de distribuição de emendas.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, está em estudo a criação de um novo tipo de repasse, a emenda de liderança, e de um cronograma para o envio de dinheiro às bases eleitorais dos deputados e senadores. Outra ideia é reforçar o valor de emendas já existentes.
Com isso, busca-se retomar controle pleno dos R$ 10 bilhões que foram parar nos cofres de ministérios após o STF enterrar as antigas emendas de relator.
Apesar das reclamações, a cúpula do Congresso manteve no primeiro ano do governo Lula influência na distribuição dos recursos bilionários que ficaram sob responsabilidades dos ministérios. As negociações com o Congresso para a destinação dessa verba ocorreram sem transparência.
Isso foi visto, por exemplo, na reeleição de Lira e, mais recentemente, na votação da Reforma Tributária, projeto prioritário para o presidente da Câmara.
Parlamentares e membros do Palácio do Planalto contam, sob reserva, que foram dados de R$ 3,5 milhões a R$ 7 milhões para os que apoiaram a Reforma Tributária. E, de acordo com pessoas que receberam esses valores, a liberação ocorreu em cota única; ou seja: deputados puderam escolher uma obra ou ação nos municípios para receber todo o dinheiro que lhes for reservado, em vez de dividir a verba em diferentes projetos.
Para a reeleição de Lira, foram R$ 13 milhões, sendo que alguns deputados receberam parte disso já no ano passado.
A fatura da promessa para os novatos e para a reforma também saiu do caixa dessa fatia de R$ 10 bilhões.
- Pacheco em BH: 'Reforma Tributária é prioridade'
Esses acordos tiveram a chancela da SRI (Secretaria de Relações Institucionais), comandada por Alexandre Padilha (PT), responsável pela articulação com o Congresso e que monitora a liberação dos recursos.
Na nova estrutura de negociação de emendas, preparada para o próximo ano, a cúpula do Congresso deve ficar com ainda mais poder. Como o dinheiro não ficará mais nos cofres de ministérios, os parlamentares ganham mais autonomia quando o dinheiro se torna efetivamente uma emenda.
Líderes do Congresso dizem que isso tornará o processo mais transparente em relação ao modelo atual. Mas, por outro lado, as discussões caminham para tirar poderes de Lula e deixar os parlamentares menos dependentes do governo para enviar verba para redutos eleitorais.
ENTENDA O QUE MUDA NA NEGOCIAÇÃO DE EMENDAS
Como era no governo Bolsonaro:
- Era carimbado como emenda
- Nome era emenda de relator
- Cúpula do Congresso enviava ofícios para o Planalto ou ministérios
- Governo executava pedidos dos parlamentares
- Divisão do dinheiro era feita por Lira, Pacheco e líderes
Como é no governo Lula:
- Não é formalmente classificada como emenda
- É mais oculto do que no governo anterior
- Negociações são no boca a boca, sem ofícios
- Planalto promete cumprir acordos com Congresso, mas ministros demoram
- Divisão do dinheiro é feita por Lira, Pacheco e líderes, mas governo quer aplicar em políticas de Lula
Como pode ficar em 2024:
- Volta a ser formalmente emenda
- Novo nome pode ser emenda de liderança
- Cada partido teria valor proporcional à quantidade de parlamentar
- Cúpula do Congresso ainda teria cotas maiores
- Deve ser criado um cronograma para liberação de emendas
- Outra opção é turbinar as emendas já existentes