A decisão foi tomada após a associação abrir uma consulta entre os magistrados sobre a regra do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), aprovada recentemente, que estabeleceu alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário.
Na carta de renúncia coletiva, os signatários pediam desligamento do grupo "por não compactuar com a linha dos recentes encaminhamentos da atual diretoria da Ajufe". "Seguiremos atuando na defesa da igualdade de gênero no Poder Judiciário, a partir de agora, em novos ambientes", disseram.
Na consulta, realizada dias antes da aprovação do CNJ, a maioria dos magistrados foi contrária ao texto sobre a regra de gênero, pautada pela ministra Rosa Weber, então presidente do conselho e do STF (Supremo Tribunal Federal), às vésperas da sua aposentadoria. Eles também pediram adaptações e que o julgamento fosse adiado para dar tempo de maior debate entre a classe.
O grupo considerou que a pesquisa se revelou "uma atitude de violência de gênero real e simbólica", já que 70% da classe é composta por homens.
"A diretoria lançou questionamento apenas voltado a que direitos das mulheres, minoria estatística na carreira, sejam negados pela maioria. Recorreu, desse modo, à regra da maioria, desvirtuando a verdadeira questão de fundo que envolve a democracia substantiva, a justiça social e a construção de um Estado que se pretende democrático, igualitário e inclusivo", disseram os juízes e juízas nessa carta.
A diretoria da Ajufe respondeu dizendo que o documento continha ofensas e acusações gravíssimas ao comando da entidade. Segundo a diretoria, a associação apenas deliberou por ouvir todos os associados sobre o texto que seria apreciado pelo CNJ.
Ela pediu ainda retratação dos autores, gerando receio entre as associadas da Ajufe, que passaram a temer retaliações.
Cinco diretoras da associação que assinaram a carta de repúdio à consulta renunciaram ao cargo depois que se recusaram a se retratar, especialmente sobre a acusação da prática de violência de gênero.
Seis juízes do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que atende os estados da região Sul) também publicaram uma carta em solidariedade às juízas que se manifestaram contra a direção da Ajufe.
Não é a primeira vez que magistrados pedem desfiliação de entidades de classe por causa da desigualdade de gênero. Em abril de 2018, três juízas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios pediram desfiliação da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) inconformadas com a ausência de mulheres entre as conferencistas de um congresso.
Dias depois, mais de 30 juízas de vários estados acompanharam as colegas e deixaram a instituição.
"Sou solidária às colegas que têm sido indevidamente desqualificadas, por assumir uma luta que é tão óbvia, que deveria ser de todas e todos", disse a juíza e escritora Andréa Pachá, do TJ do Rio, que foi vice-presidente da AMB e pediu para deixar a entidade.
O ato do CNJ estabeleceu, nas promoções, a intercalação de uma lista exclusiva de mulheres e outra tradicional mista --conforme a abertura de vagas para magistrados de carreira por critério de merecimento.
O texto passa a valer em janeiro e a primeira vaga aberta deverá ser preenchida pelo magistrado de gênero distinto do último promovido. A regra será mantida até que cada tribunal alcance a proporção entre 40% e 60% por gênero.
Apesar do resultado da consulta da Ajufe, a regra foi aprovada pelo CNJ por maioria de votos.
A relatora do processo, Salise Sanchotene, retirou do seu texto original o critério que previa também uma lista só de mulheres na promoção por antiguidade.
Isto foi feito para haver consenso entre os integrantes do CNJ, já que a mudança foi o principal foco de resistência entre os magistrados.
À Folha de S.Paulo Salise disse que achou despropositada a atitude da diretoria da Ajufe em relação a cinco colegas "que foram praticamente instadas à renunciar ou seriam alvo de um processo de expulsão".
"Percebo nessa atitude um comportamento misógino, jamais adotado pela associação anteriormente em situações nas quais houve interesses contrapostos de associados", disse.
Em nota, a Ajufe declarou que possui diretoria com paridade de gênero, graças ao empenho pessoal do atual presidente, Nelson Alves, e que o objeto de debate foi unicamente o texto submetido aos colegas, "sem qualquer juízo de valor sobre a inclusão feminina, pauta sempre defendida e objeto de apoio irrestrito da entidade".
"Assim, foram absolutamente desproporcionais e fortemente agressivos trechos da referida carta, que imputaram à consulta e, portanto, à diretoria da Ajufe e seus integrantes, atitude de violência de gênero real e simbólica", disse.
Houve oposição de tribunais contra a adoção da regra do CNJ.
A principal reação contrária à proposta original veio do Consepre (Conselho dos Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil) --majoritariamente composto por homens-- e das associações de classe, cujas direções, de igual modo, são majoritariamente compostas por homens.
Alvo de manifestações de machismo no Tribunal de Justiça de São Paulo, a desembargadora Maria Lúcia Pizzotti Mendes afirmou que "os juízes do sexo masculino acabaram sendo profundamente prejudicados com a inusitada decisão que permitirá que as juízas furem a fila constitucional das promoções para o cargo de desembargador, para que se corrijam os erros do passado, onde o machismo declarado na carreira era escancarado".
Já a ex-corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon, ministra aposentada do STJ, afirmou que "a lista de merecimento feminina será um privilégio descabido para magistrados que serão preteridos". "Sou feminista e participo de uma associação de mulheres de carreira. Sempre lutei para a emancipação da mulher", declarou. "É preciso que a mulher entenda que a luta não pode favorecê-la em uma carreira que nada tem a ver com o sexo e sim com o mérito", disse.