O Brasil se prepara para a operação de resgate de cidadãos que estão na Faixa de Gaza, bombardeada por Israel. O governo federal enviou, nesta quinta-feira, um avião da Presidência da República — capaz de transportar até 40 pessoas — para buscar ao menos 22 brasileiros que querem deixar a Palestina.
A repatriação será feita assim que o grupo conseguir atravessar a fronteira e entrar no Egito.
Apesar de o governo egípcio ter sinalizado disposição para ajudar o Brasil com o resgate, existem entraves, e a entrada dos brasileiros ainda não foi autorizada.
O Egito teme que os estrangeiros resgatados se tornem refugiados em seu país, o que não ocorrerá no caso dos brasileiros, que serão buscados imediatamente no aeroporto do Cairo. Porém, outros países, como os Estados Unidos, também pedem passagem para seus cidadãos, complicando o trâmite. Além disso, a cidade de Rafah, única travessia possível, é alvo de bombardeiros israelenses.
A oportunidade pode ser aberta após a reunião emergencial desta sexta-feira, do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), convocada pelo Brasil para discutir a abertura de corredores humanitários na região.
Até esta quinta-feira, 28 pessoas tinham pedido ao Brasil para deixarem Gaza, mas uma família, com seis membros, desistiu do retorno.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou, nesta quinta-feira, por videoconferência, com ministros de Estado sobre o tema. De acordo com o Planalto, o governo trabalha para reunir a documentação dos brasileiros e dos ônibus que serão usados para transportar o grupo até a fronteira — os veículos já foram contratados pela Embaixada do Brasil na Palestina. "Para garantir a segurança do deslocamento até a fronteira e informar autoridades egípcias, palestinas e israelenses o dia e o horário em que o ônibus faria esse trajeto", disse, em nota.
A avaliação atual é de que o resgate depende da criação de um corredor humanitário na fronteira para retirada de civis, principal demanda do encontro desta sexta-feira do Conselho de Segurança da ONU. A operação do governo brasileiro está pronta para execução assim que a passagem for autorizada.
O avião usado para buscar os brasileiros no Egito é o VC-2, modelo Embraer 190, que aguarda em Roma, na Itália. A aeronave já foi usada em outras operações do tipo, como para resgatar brasileiros presos na China durante a pandemia da covid-19.
Dos 22 cidadãos que aguardam a repatriação, 13 estão abrigados em uma escola. Os demais estão em suas residências. O Brasil pediu a Israel que não bombardeie a escola.
Assim como a população da Faixa de Gaza, os brasileiros enfrentam a falta de energia elétrica, água e acesso a alimentos e medicamentos, causada pelo cerco de Israel.
A comunicação também é difícil, já que muitos estão ficando sem bateria em seus celulares e precisam se deslocar para áreas de maior perigo em busca de recarregar os aparelhos.
Eles são acompanhados pela Embaixada do Brasil na Palestina, que também fornece atendimento psicológico virtual para atenuar os efeitos da guerra.
Depoimento
Em entrevista ao Correio, Mohamed El Assar, de 32 anos, contou como está a situação para os palestinos, em meio à violenta resposta israelense aos ataques do grupo terrorista Hamas.
Mohamed nasceu nos Emirados Árabes, mas foi trazido para o Brasil pela família quando tinha apenas oito meses. Eles moraram em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.
"Viver numa guerra já é difícil, imagina viver numa guerra sem água e sem luz. Aí fica uma coisa quase impossível. É a pior guerra de todas. Destruição total, não tem lugar seguro em Gaza no momento. Quase toda a Gaza já perdeu um conhecido", relatou.
Segundo ele, ainda é possível encontrar alimentos nos mercados, embora a comida esteja escassa, porque "não tem ninguém para trazer o alimento". "Está difícil, está o básico do básico".
"O problema maior, no caso dos remédios, é que você não consegue sair para comprar. E agora, se alguém se ferir, não vai conseguir espaço nos hospitais, porque estão lotados de feridos da guerra", afirmou.
Mohamed contou que chegou a buscar a repatriação junto ao Escritório de Representação do Brasil em Ramala. No entanto, o passaporte, que atesta ser ele um morador permanente do Brasil, perdeu a validade em 2008, o que o impossibilitou de conseguir voltar ao país junto a esposa e os dois filhos palestinos. "Praticamente nasci no Brasil, onde morei até os 16 anos", ressaltou.
Tão difícil quanto o acesso a água, alimentos ou remédios, é a proteção. "Não tem como se proteger. O jeito é ficar em casa — quem ainda tem casa, porque muitas foram destruídas. Quem não tem mais, vai para casas de familiares ou escolas na UNWRA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente)", explicou.
"No final, a ação e a reação não importam mais, porque é passado. O que importa agora é que a guerra acabe de um jeito 'menos pior' possível", ressaltou Mohamed.