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O afeto presente nas artes manuais

Para além de pensar no perfil de quem será presenteado, o fazer a mão é alternativa para expressar sentimentos e personalizar cada lembrança com a característica da exclusividade


16/12/2018 05:07

Os irmãos Pedro e as gêmeas Carolina e Isabela Appelt estão produzindo lembranças para o amigo-oculto
Os irmãos Pedro e as gêmeas Carolina e Isabela Appelt estão produzindo lembranças para o amigo-oculto (foto: leandro couri/em/d.a/press )














Não importa a falta de habilidades para bordar, costurar ou construir o presente dos sonhos. É o que garante quem decidiu partir para a atitude handmade neste Natal. Veja o exemplo da família Appelt: a mãe, Angélica, o pai, Ricardo, e os três filhos – Pedro e as gêmeas Carolina e Isabela, decidiram, em conjunto, transformar a brincadeira do amigo-oculto em uma oportunidade para fugir do comum. No lugar da troca de presentes comerciais, eles mesmos estão produzindo os mimos.

Tudo feito a mão, envolvendo criatividade e sentimento. Pedro e a irmã Carol farão desenhos. Já Isabela criou um artesanato decorativo. A mãe vai produzir um enfeite de espuma com uma frase expressando amor e gratidão para a pessoa que sorteou. O pai ainda faz mistério sobre o presente. “A ideia veio da minha irmã, mas todo mundo gostou porque é um presente em que a gente vai colocar nosso amor, feito com nosso carinho, para demonstrar afeto. Farei um desenho e vou escrever algumas frases que tenham a ver com a pessoa”, conta Pedro. Carolina diz que a proposta é também um exercício. “Achei mais legal e, ainda por cima, é uma forma de não gastar dinheiro e de mostrar mais amor. Acredito que será uma troca emocionante.” E Isabela, a autora da ideia, completa: “Conversamos muito aqui e percebemos que as pessoas acabam esquecendo o significado do Natal, querem só comprar e ganhar, em vez de pensar que existe muita gente precisando de ajuda, por exemplo. Por que não fazer diferente? Com certeza, será um Natal especial, haverá mais significado para a nossa troca”, reflete.

TROCA DE ENERGIA

Já adulta, Cristiana Pereira Moura, psicóloga, se deu conta de que o fato de não saber colocar uma linha na agulha estava incomodando. De uma família habilidosa para as manualidades, ela decidiu aprender e, assim, resgatar aquele elo ancestral entre as mulheres, memórias do convívio com a mãe, com as tias, com o feminino e até mesmo com o tempo, que passa devagar durante o bordado. “É um processo muito simbólico”, revela.

Assim, começou a frequentar as aulas de bordado da professora Marcela Melo. Lá, ela e as colegas Lúcia e Regina tiveram a ideia de criar peças para presentear pessoas queridas no Natal. Cris está bordando em folhas naturais – a referência é o trabalho da artista plástica Clarice Borian. Uma das folhas será entregue para a irmã, que mora em outra cidade. “Bordar é uma coisa de avó, mas muito atual e contemporânea. A opção de bordar na folha também é simbólica. Sei que é um presente que não vai durar para sempre, mas toda a minha intenção de pensar em alguém está ali, impressa no cuidado, na atenção desprendida naquele momento.” Cris também fala sobre a troca de energia do estar em grupo, dividindo experiências, alegrias, dores, “uma troca muito especial”.

Do outro lado, a professora se diz feliz com a possibilidade de fazer um movimento de resistência à lógica do consumo. “Sempre levantei essa bandeira, do significado daquilo que é feito e traz um outro valor, o afetivo. Consequentemente, há uma outra conexão entre quem faz e quem recebe. Não há descarte, pois o ciclo do artesanal não se desgasta – tenho peças que foram criadas há mais de 100 anos –, fora que demonstram cuidado com o planeta, a sociedade e as pessoas envolvidas. Cada aluna tem um projeto e todas buscam romper com essa noção que aprendemos do pensar baseado no que a gente tem, na posse, nessa roda frenética do consumismo, das coisas que se desgastam muito rápido. Principalmente nesta época, em que as pessoas ficam enlouquecidas com o comprar, comprar, e nem pensam no valor daquele presente.”

Na oficina e nas aulas de bordado livre, a professora faz questão de difundir a máxima de que o momento de presentear é muito especial e não apenas uma obrigação social, uma rotina. “Acredito no pensar em quem estou presenteando. Ainda que compre produtos comerciais, que seja o que de fato tenha a ver com a pessoa, me lembre alguma coisa dela, gere emoção. Mas, ainda reforço que fazer um presente tem toda uma outra conexão, um valor afetivo. Será algo que tem tudo a ver com você e com o outro, que gera uma outra relação, um carinho, uma troca de afeto, que faz bem para a alma de quem dá e de quem recebe.”

NO TEATRO

Com apresentação hoje, a partir das 11h, no Memorial Minas Vale, o auto/musical O Natal existe?, da companhia Carroça Teatral, também questiona alguns valores. Com direção de Paulo Henrique de Souza, a peça, montada em dezembro de 2012 e reapresentada desde então, promete gerar reflexão, inclusive entre as crianças. A classificação é livre e a entrada gratuita (mediante retirada de senha uma hora antes, sujeita à lotação da sala). “É uma época do ano muito reflexiva para todos os povos e crenças. Partimos, então, da descrença do ser em relação ao ter: o que somos para ter e o que temos para ser? O que é mais importante, o ter ou o ser?”, questiona.

E completa: “Nossa montagem questiona o dar presente em relação ao ser presente, ainda, em detrimento do sustento da felicidade individual e coletiva. Chegamos à conclusão de que estamos vivendo o frenesi impulsivo do capitalismo (chega a ser selvagem) e clamamos coletivamente pelo filtro da necessidade em relação ao desejo”, alfineta Paulo Henrique.

Entre as principais mensagens da peça, o consumismo vazio é um alvo. “Consumimos para satisfazer o desejo, impulsionados pela propagação de que, se temos algo, então seremos felizes. A partir daí não consumimos porque precisamos, mas, sim, porque estamos “famintos” da própria existência. Nosso espetáculo nos soou como um alerta e esperamos despertar na plateia o mesmo”, convida.



palavra de
especialista

Maurício Paz
professor de história

Uma nova chance a cada ano

“Cresci em uma família que se reunia no Natal e acho que essa simbologia carrego comigo até hoje. Estar entre aqueles que nós amamos na data é uma forma de nos reabastecermos para o próximo ano, de nos perdoarmos por não ter estado tão presentes, é um ritual de celebração da esperança e de reconexão com sentidos e coisas perdidas no cotidiano. Quanto aos presentes, sugiro sempre o mesmo exercício: dê presentes a crianças carentes, aquelas que realmente precisam. Mas, na sua ceia, dê atenção, dê olhares demorados e carinhosos àqueles que lá estão, dê abraços e beijos. Distribua gentileza e celebre a dor e a alegria de estar lá. Deixe o celular de lado e viva essa chance que todos temos a cada ano.”


Para assistir:
Quer saber mais sobre as simbologias de Natal? O professor Maurício Paz indica o filme Feliz Natal, de 2006, direção de Chistian Carion, que conta sobre uma trégua na noite de Natal em plena Primeira Guerra Mundial, quando os exércitos alemão e francês deixam suas trincheiras para, juntos, celebrar a data. “Apesar de ser uma ficção, ela foi baseada em vários relatos de armistícios ocorridos em guerras no século 20”, diz.


SERVIÇO

Auto de Natal: O Natal existe?
Local: Memorial Vale, Praça da Liberdade, 640, esquina com Gonçalves Dias
Data: sábado (16), às 11h
Entrada franca, sujeita à lotação. Retirada de senhas uma hora antes da apresentação.

 

 


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