Momento de transformações, explosão de sentimentos, profusão de hormônios, crises, anseios, medos, desejos e euforias. Ciclo que significa desafios. Ao longo da história, os jovens encontram paradigmas que perfazem um elo com o contexto sociocultural de uma época específica. No século 21, um dos fatores que mais refletem na vida e no comportamento dessa geração certamente é a experiência com as redes sociais. O perigo é a determinação de padrões e estilos que, quando trazidos para a prática de cada um, são na verdade uma maquiagem para um cenário irreal.



Na mesma hora em que o virtual se sobrepõe às vivências palpáveis, olho no olho, surge uma perspectiva alterada que pode se tornar objetivo para muitos. Mas tentar ser uma cópia do que se vê na internet acaba sendo um preço alto a pagar. Ao querer se encaixar em modelos que, na maioria das vezes, não lhe servem, o jovem é suscetível a amargar desgastes emocionais graves. Em alguns casos, desembocam até em riscos para a saúde mental. Além de relacionamentos interpessoais prejudicados, a realidade é colocada em segundo plano quando o que se almeja é o universo "perfeito" visto pelas telas.

A estudante Rayane Rodrigues Pessoa, de 15 anos, revela que usa bastante as redes sociais - são seis horas ligada por dia, desde os 13. Divide a rotina de estudos com o acesso ao mundo online. Ela gosta de ver fotos, vídeos, segue alguns canais e procura assuntos variados. Conta que tem amizades, mas com a maioria dos amigos se relaciona à distância - no Facebook são 1,5 mil amigos e no Instagram 400 seguidores. "Porém não tenho contato real. Na verdade, contando quem eu converso frequentemente, são quatro ou cinco pessoas". E nem tudo são flores - ela sabe disso. "É uma ilusão, uma realidade maquiada. Quando eu realmente preciso, não aparece um para ajudar. Muitas vezes não tem ninguém com quem eu possa contar de verdade. Todo mundo curte suas coisas, mas ninguém te entende, ninguém te ouve. E isso acontece com todos, não só comigo", diz.

Para Rayane, o mundo virtual se impôs ao real. Mesmo quando está com um amigo frente a frente, o celular não sai da mão. Há um mês, a jovem começou a fazer terapia. Vai ao psicólogo uma vez por semana. Extremamente ansiosa, já passou por episódios de depressão, e considera que as redes sociais agravaram esse quadro. "É uma frustração. Ouço muito que não vou conseguir por ser do meu jeito. 'Você não vai conseguir ser o que quer', escuto. As redes sociais acabam atrapalhando, com cobranças para se adequar a padrões". De seis meses para cá, também frequenta um grupo em uma igreja em BH, que buscou pelo mesmo motivo. "São coisas que não me servem, que não me realizam", lamenta.



IMPACTO

"Ninguém fica postando fotos de lugares feios onde precisou ir, problemas ou discussões que teve, tristezas e frustrações. Isso por si só já é uma distorção, já que a vida, de forma geral, tem mais desafios e situações a serem resolvidas do que momentos de lazer, diversão, viagens" - Jaqueline Bifano, psquiatra

(foto: Guilherme Breder/Divulgação)
A internet a todo instante lança moda, estilos de vida, padrões de atitudes e, por isso mesmo, há limites, como explica a psiquiatra Jaqueline Bifano. Os usuários são impactados diretamente por tais arquétipos, posicionando-se de forma moldada pelos influenciadores digitais, e almejam ter a vida que veem pelas redes sociais. "Isso passa a ser o modelo, o ideal, afinal na internet estão todos sempre bem, bonitos, na moda. E os jovens passam a desejar se enquadrar nestes padrões fabricados. O mundo digital tem os influenciado intensamente. Haja visto o lançamento de diversos livros, principalmente pelos youtubers, intitulados, por exemplo, "como cheguei até aqui”, como se fosse um manual a ser seguido, uma meta. O pior é que a maioria desses pseudo autores não passam de 15 anos de idade, salvo exceções. Não têm a menor experiência pois, como o seus seguidores, são jovens descobrindo a vida", reflete Jaqueline.

Em meio a padrões tão impregnados de devaneios, nas redes sociais os jovens buscam mostrar o melhor de si, expor uma vida sem turbulências, porém o que se percebe é a concepção de uma realidade virtual que não condiz com aquela fora da tela, acrescenta a psiquiatra. "Por outro lado, os jovens que assistem a essa vida 'perfeita', se sentem inferiores por não terem o mesmo nível de vida e felicidade que seus influenciadores demonstram ter. Não percebem que é uma vida ilusória, fictícia, que as coisas não funcionam como um conto de fadas. Entretanto, almejam tanto aquela vida utópica, infiltrada em sua mentalidade, que podem ser levados a atos extremos, como automutilação, suicídio, entre outros problemas causados pela depressão", alerta a especialista.

Mundo idealizado
Não corresponder às expectativas pode contribuir para aumentar a insegurança do jovem e levá-lo à depressão, distúrbios alimentares e outras patologias psicológicas


A adolescência é quando são sedimentadas as tendências de comportamento que aparecerão ao longo de toda a vida. Se, nessa fase, surge uma imagem adulterada da realidade, sem a noção certa sobre os desapontamentos e desafios inerentes à vida, quando o indivíduo se depara com qualquer situação adversa que não corresponda a esse mundo idealizado tende a sofrer uma reação emocional mais forte. "O choque interno entre essas versões de mundo incompatíveis pode contribuir para a insegurança, baixa autoestima, uma autopercepção distorcida em um viés negativo. A tendência é que ocorra uma falta de persistência e desânimo, que às vezes se tornam crônicos, e até culminar em depressão, distúrbios alimentares, ansiedade, ou outras patologias psicológicas", orienta Jaqueline.



Estar em uma realidade fictícia afeta o amadurecimento e a perspectiva sobre o cotidiano, continua Jaqueline. O ponto de vista se torna mais superficial e, por vezes, isso acarreta decepções e adoecimento. "É comum que, nesses casos, a realidade passe a ser encarada com uma sensação de espanto, já que o jovem sempre foi condicionado a perceber as conquistas e ideais como algo desvinculado do esforço que existe por trás daquilo, como se as coisas fossem fáceis. A partir daí, se depara com um mundo repleto de imprevistos, desafios e dificuldades que não está acostumado a ver. O preparo emocional é comprometido, não há uma base consolidada, já que as opiniões e conceitos que carrega não tiveram embasamento na realidade", diz Jaqueline.

A imagem distorcida que se propaga nas redes sociais surge do fato de que, em um primeiro lugar, as pessoas só publicam o lado bom das coisas. "Ninguém fica postando fotos de lugares feios onde precisou ir, problemas ou discussões que teve, tristezas, frustrações . Isso por si só já é uma distorção, já que a vida, de forma geral, tem mais desafios e situações a serem resolvidas do que momentos de lazer, diversão, viagens", orienta a psiquiatra. Ela alerta ainda para o chamado “efeito bolha”, criado pelos algoritmos das redes sociais que selecionam, conforme critérios estabelecidos pelas próprias redes, quais conteúdos vão aparecer ao longo da navegação. "Ou seja, a não ser que o usuário vá atrás, ativamente, de informações que fujam do seu padrão habitual, ele estará sempre exposto ao mesmo padrão de informações, e tende a enxergar o mundo de uma forma viciada, ou seja, de uma forma desvirtuada na comparação com a realidade do todo".

PARADOXO

O perigo de considerar a vida a partir do que se encontra na tela do celular é o de se reduzir a realidade àquilo - de não desenvolver senso crítico, de viver à mercê de uma realidade totalmente manipulada, tanto pelos próprios usuários, quanto pelo próprio mecanismo de funcionamento das redes. "É um paradoxo, pois a tecnologia tem o potencial de facilitar o acesso à informação, encurtar distâncias, mas, ao mesmo tempo, se não for usada de forma crítica, a tendência é exatamente contrária. A pessoa pode ficar vivendo aquela realidade extremamente restrita e tendenciosa e, dessa forma, fica desprovida também do seu papel como protagonista de sua vida, perdendo a noção de suas responsabilidades diante de si mesmo e dos outros. É um sistema que incentiva o individualismo, o isolamento e a ausência do questionamento", alerta a médica.



O estilo de vida e estética “vendidos” por grande parte das personalidades das redes sociais é algo extremamente planejado para que uma determinada imagem seja difundida, continua Jaqueline. Cada posição do corpo, cor, iluminação, textos ou produtos expostos são fruto de cuidadosos ajustes, e não correspondem ao que é natural do dia a dia. "Grande parte dessas pessoas tem a exposição de sua vida como uma profissão e, por isso, direcionam tempo para toda essa elaboração da imagem própria, com uma série de recursos artificiais para que isso seja mantido. Mesmo que fosse possível reproduzir isso, será que ser como aquela pessoa, ter as coisas que ela tem, ou levar o estilo de vida que ela leva pode mesmo trazer a felicidade? É o risco de querer copiar o mundo virtual", avalia.

Tudo isso muitas vezes significa justamente a falta de contato humano. O que é expressado pelos famosos “textões”, declarações e juras de amor - é recorrente não passar de ilusão. "Quando alguém se aproxima de outro fora das telas, talvez até a quem dirigiu um afeto virtual, acaba não trocando meia dúzia de palavras, com dificuldade de dar um abraço e olhar nos olhos. Pelo meio digital, o sujeito talvez se sinta mais protegido, principalmente quando não corresponde ao que era esperado. Pode ser mais fácil esquecer. Um clique e aquela pessoa não é mais amiga, é descartada. As relações não são duradouras. Enquanto foi bom, valeu, mas elimina-se sem desgaste. No entanto, é sabido que isso gera um acúmulo de sentimentos mal resolvidos, que podem se transformar em angústias que tendem a explodir alguma hora. Isso também pode vir a ser ponto de partida para doenças psíquicas".

No ambiente eletrônico, a verdade está camuflada e, se não é verdade, é mentira. Aí está a chave: viver em um mundo irreal, mentiroso, inexistente, é um engano profundo e, como diz o poeta, "mentir para si mesmo é sempre a pior mentira". "O usuário do mundo virtual está tão “na bolha” que não consegue enxergar a ilusão de todo aquele contexto que ele deseja inserir em sua vida. Quando a pessoa começa a enxergar por trás de tudo aquilo, pode ser uma decepção grande, e nem todo mundo sabe lidar com isso", conta Jaqueline. Nesse ponto, os tipos de transtorno que podem surgir são vários, é algo que vai de cada um, na medida em que aparece um processo de somatização. É comum partir de uma preocupação sobre a imagem corporal, além das compensações, como dependências afetivas, consumo exagerado e alimentação desregrada. "O resultado é uma população jovem que vai perdendo o gosto pela vida, que paralisa na falta de sucesso, pois só tem um foco e, por não ver concretizados esses anseios, vão perdendo o sentido de existir. A saúde mental é comprometida. Perde- se a qualidade de vida, o vigor da juventude e aprisiona-se a vida em um quarto, uma tela", conclui a psiquiatra.



SENSO CRÍTICO

Mariana Silva e Mendes, de 16 anos, passa cinco horas diárias on-line, e considera que o maior perigo é não desenvolver habilidades primordiais para a convivência no mundo palpável

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

"Olha o tempo no celular, menina!", o pai aconselha. Almoçando, no ônibus, quase o tempo todo Mariana Silva e Mendes, de 16 anos, está conectada. Ela passa cinco horas diárias online, em todo refresco que tem de suas atividades rotineiras. Desde os 12 é entusiasta das redes, mas não se deixa enganar. No Instagram, a estudante tem 840 seguidores, porém revela que os amigos reais, com quem encontra apoio, não passam de dez. "Já sei que quase ninguém pode me ajudar quando preciso. Nem me decepciono. Quando o virtual se sobrepõe, esquecemos dos contatos de verdade", diz, vacinada.

Para Mariana, o universo virtual não retrata a realidade, de forma generalizada. "Considero algo superficial. As pessoas expõem suas melhores fotos, melhores momentos, as frases mais legais, quando estão mais bonitas, mais felizes, ou em algum lugar de nível social mais elevado. Postam para mostrar que sua vida é aquela, mas não é. É um retrato falso, um photoshop da realidade", pondera.

Ela diz, esclarecida, que jovens tímidos, por exemplo, com dificuldade em manter relações pessoais, muitas vezes encontram nas redes sociais uma maneira de fuga. "Não são sociáveis, se isolam atrás das telas, em ambientes onde encontram retorno direto. Postei e já recebo likes. Mas é uma resposta imediata que só alimenta o ego. No geral, é como um narcisismo". Mariana hoje se considera bem resolvida com todas essas questões, entretanto nem sempre foi assim. Conta que já enfrentou crises de ansiedade, frustração, problemas de autoestima, complexo com o corpo, com a aparência - e já frequentou um psicólogo por conta disso. "A adolescência é uma fase de conflitos. A maior questão é tentar se encaixar no estilo de vida, de se vestir, de se comportar. São pessoas da minha idade, vivendo as mesmas coisas que eu, com algo que admiro. Porém, quando trago para o concreto, não é minha realidade. Você tenta copiar, mas não é a sua vida".



Na opinião da jovem, o maior perigo é não desenvolver habilidades primordiais para a convivência no mundo palpável. "É uma perda no sentido social. Você acaba sem saber se portar no mercado de trabalho, sem saber resolver conflitos, por exemplo. Quando se está na rede social, pode excluir uma foto, um comentário, uma postagem, um storie. No mundo real, se você toma uma atitude questionável, cai em um deslize, não há como apagar", compara. Atenta, Mariana chama as redes sociais de "bolha", em que o sujeito segue o que gosta, quem tem a opinião em comum, uma vida "perfeita", entre aspas mesmo. "E nessa bolha você não pode ter um pensamento além. Está em um espaço em que encontra pessoas diferentes e, quando não aceita ou apreende essas diferenças, pode se tornar agressivo e intolerante", completa.

Imagem distorcida
Comparação com a vida "perfeita" das pessoas nas redes sociais pode provocar insatisfação do jovem com sua aparência e frustração por não se enquadrar em padrões


O psiquiatra Aloísio Andrade diz que, com influência direta na educação, formação e instrução dos jovens, os pais devem ficar atentos ao tempo em que os filhos têm passado diante das telas

(foto: Euler Junior/EM/D.A Press )
"Adolescência é um período de transformações, mudanças, aceitação e conflitos. É quando os jovens exercitam a definição de uma identidade baseada em experiências mais amplas do que apenas as da família", esclarece o psiquiatra Aloísio Andrade. Neste contexto, continua, o acesso às redes sociais acaba se tornando não somente fonte de informação, mas de formação de quem está em busca de seu novo eu e que não gosta mais de ser considerado criança, e também não pode e não quer ser comparado ao adulto.

Inúmeras pesquisas, no mundo todo, demonstram ligação direta entre o tempo gasto em redes sociais com sentimentos e experiências consideradas negativas entre jovens. "Na busca pelos novos 'ídolos', surgem influenciadores, artistas, modelos que parecem ter uma vida maravilhosa, regada a viagens, boas comidas, às melhores roupas e passeios, e que batem de frente com a dura realidade dos reles mortais, repleta de estudos, transformações, experiências nem sempre positivas", pondera o médico. Na maioria das ocasiões, constata-se que há uma queda brusca em aspectos como a autoestima, satisfação com a vida, felicidade e um menor entusiasmo dos jovens com relação aos amigos e diversão reais, além de queda da sensação de segurança.



Sob esse ponto de vista, Aloísio considera o âmbito das redes sociais vago e vazio. "Pode ocorrer, por exemplo, insatisfação com a imagem corporal dos usuários ou intensificar conversas sobre aparência. Isso tudo porque os internautas não estão nos padrões promovidos por essas 'celebridades'. Por outro lado, somos bombardeados por informações que podem gerar decepção. Lidar com isso não é tarefa fácil, porém necessária", diz o especialista.

Nessa corrida, o mais importante não é viver e sim postar o que se está fazendo. As pessoas não saem mais para se divertir, apenas para registrar o momento da diversão, continua Aloísio. "Experiências como shows e peças de teatro não são mais para cantar e ver seus artistas prediletos, mas para fazer com que os outros saibam que você esteve lá. Se esquece de rir, de falar mais de si, de seus medos e anseios, com a preocupação apenas em que o mundo virtual pode e deve mostrar. Amigos se reúnem, cada um com seu celular, para tirar e publicar as fotos em que estão mais bonitos, magros, no melhor ângulo e paisagem e, juntos, esperam quantas curtidas esse cenário pode lhes render. É um excesso de exposição. Não existe mais privacidade e ninguém quer mais privacidade", alerta.

Mesmo inegáveis os aspectos positivos das vivências nas redes sociais, se essa experiência for descontrolada ou abusiva, pode também acarretar consequências negativas, como a falta de socialização e isolamento, gerando ainda relações superficiais e doentes. "Além disso, as redes sociais levam ao aumento dos quadros de sedentarismo, diminuição do rendimento escolar, dificuldades em estabelecer contato com terceiros e, em casos mais graves, quando está instalada a dependência da internet, poderá surgir sintomatologia ansiosa e/ou depressiva. Com relação ao sono, pode parecer uma boa ideia ir para a cama com o celular, com a falsa noção de que este é um momento de relaxamento. Mas, ao passarem muito tempo nas redes sociais, os jovens acabam dormindo mais tarde e perdem a qualidade do sono por conta dos dispositivos eletrônicos. Assim, estão mais predispostos a apresentarem sintomas como pressão alta, obesidade, ataque cardíaco, acidente vascular cerebral e depressão", pontua o psiquiatra.



REGRAS E LIMITES

Com influência direta na educação, formação e instrução dos jovens, os pais devem ficar atentos ao tempo em que os filhos têm passado diante das telas, ensina Aloísio Andrade. "A vida é feita de regras e limites, principalmente em fases de mudanças, como a adolescência. Proibir não é o ideal. Os responsáveis devem atentar para qualquer mudança na vida e no comportamento dos jovens. Se notar que algo saiu do controle, procure ajuda de um profissional", diz."As pessoas gastam tempo navegando em redes sociais com o objetivo de esvaziar a cabeça, como lazer ou forma de relaxar entre um compromisso e outro. O diferencial para que isso seja uma diversão e não um problema está no tempo que se gasta nesse ambiente virtual e qual o nível de importância na vida do adolescente. Uma pergunta: o Instagram e o Facebook, depois de horas e horas de pesquisa no perfil de celebridades ou influenciadores digitais, faz com que haja uma sensação agradável e recompensadora ao final do dia? Se sim, é lazer. Se o sentimento é de angústia, ansiedade ou depressão e os pais estão notando essa mudança na postura dos filhos, a diversão virou um grave problema", diz.

Aloísio ensina alguns exercícios para transformar esse quadro: tentar se desligar do mundo virtual, pelo menos um pouco, e lidar com pessoas reais, com problemas, tristezas e derrotas, mas também alegrias e conquistas. "É bom parar de seguir os perfis mais visitados que, na maioria das vezes, surtem ansiedade e infelicidade ao invés de bons sentimentos e procurar encontrar os amigos, passar mais tempo com familiares e realizar atividades que não dependam das redes", conta.

"As redes sociais, hoje, fazem parte da vida de muitos adolescentes em todo planeta e podem influenciá-los de um modo bom ou ruim", pondera a psiquiatra Jaqueline Bifano. As fontes online podem ser usadas para pesquisas escolares, o ambiente digital pode servir à criação de blogs que expressam criatividade, ou como um meio facilitador para encontrar amigos e parentes que andavam sumidos, por exemplo. "Os benefícios de acessar a internet são infinitos. Dá para conhecer o mundo, tirar informações de um lugar desejado, buscar rotas, adquirir novos conhecimentos, falar com pessoas novas e fazer amizade através das mídias sociais. Mas, mesmo útil, a internet também tem o lado desagradável. Aí existe tudo quanto é tipo de perigo, desde gente vendendo armas, drogas, a pessoas mal intencionadas e até assassinos. Existem ainda os crackers, aqueles que estão dispostos a roubar senhas de banco, fotos pessoais, e tudo o que encontrarem de importante pela frente. É necessário tomar muito cuidado antes de sair por ai acessando qualquer site", acrescenta a médica.



DIVERSÃO

A estudante de relações internacionais Marina D'Ávila, de 22 anos. acessa as redes mais de uma vez ao dia, mas prioriza o contato pessoal

(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

A estudante de relações internacionais Marina D'Ávila, de 22 anos, desde mais nova usa as redes sociais. Começou o acesso no ritmo em que os canais apareciam, no momento em que esse ingresso já se tornava inevitável, até pelo aspecto da inclusão em grupos e facilidade para atender demandas corriqueiras, com mais agilidade. Ela utiliza o whatsapp, Instagram (em que tem 600 seguidores) e Facebook (também com 600 amigos, depois que há pouco tempo realizou uma "limpeza", retirando pessoas com quem não mantinha tanto contato). Além da graduação, Marina faz estágio na área e conta que, nos intervalos, quando não está fazendo nada ou sozinha, olha o que acontece nas redes, as novidades, muito como forma de distração e diversão. "Acaba sendo automático. Acesso mais de uma vez ao dia, mas não sou muito fã", conta, ela que não se deixa enganar. A jovem detém uma visão crítica sobre a convivência no contexto virtual. "Muitas vezes estou com amigos, e eles não largam o celular. Isso me irrita. Digo: 'vamos parar com isso gente, aproveitar a vida de verdade, estão perdendo seu tempo. Prestem atenção na vida, ela está correndo!'".

Marina sabe que a internet atualmente é algo inerente à experiência humana, principalmente como uma rica fonte de informação, mas, em seu ponto de vista, deve ser tida como meio, não como fim. "Prezo pelas relações ao vivo, carnais. Quando você conhece alguém, logo pega o endereço de seus perfis nas redes sociais, mas, no meu caso, para depois marcar de encontrar pessoalmente. Não fico rendendo conversa pela internet. E perceber que, para alguns jovens, o excesso nessas condições pode causar problemas de saúde é algo que me atinge, e isso é cada vez mais comum", lamenta. Hoje o celular se tornou uma ferramenta que vai muito além da função original de um telefone, ligar e receber chamadas. "As pessoas estão o tempo inteiro no celular, e nem sempre isso é bom. Começa a perder o sentido", diz Marina. Por outro lado, quando as redes sociais são usadas com parcimônia e inteligência, podem representar boas vivências e oportunidades.

Quando viaja, Marina gosta de registrar os passeios em fotografias (aliás é uma arte que ela admira). "Coloco fotos legais, de momentos que quero guardar, como um álbum de lembranças. Exalto os instantes felizes, mas sei que a vida nem sempre é um mar de rosas", pondera. Sabendo usar com saúde, dá para abusar das redes sociais.



A estudante Clara Lessa, de 17 anos, reconhece os pontos positivos e negativos do universo virtual

(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

É com equilíbrio e discernimento que a estudante Clara Lessa, de 17 anos, encara o mundo dos relacionamentos virtuais. “Tem pontos negativos e positivos. É fonte de informação, pesquisa, entretenimento, uma maneira de conhecer coisas novas, culturas diferentes, em um ambiente democrático. É bom também para manter contato com quem se gosta, mas está longe, como no meu caso, que tenho um pai que mora em outro estado. Porém, entre tudo o que aparece, é preciso colocar na balança, saber o que te serve ou não. Ter a noção de que a vida real acontece fora das telas”, diz, consciente.

Clara costuma ficar conectada cerca de três horas diárias - aos finais de semana esse tempo é maior. No Instagram, reúne 700 seguidores, no Twitter 200 e pelo whatsapp tem uma lista de conversa com mais ou menos 500 pessoas, incluindo grupos. Entretanto, amigos mais próximos, com quem têm contato constante, são poucos. “Tenho a clareza de não me deixar influenciar negativamente pelas redes sociais. Não há como se distanciar totalmente. É muito difícil, mas seria bom. É um tipo de exposição em que existe muita hipocrisia. Muitas vezes ficar se comparando gera ansiedade”.

Para ela, há que se tentar não seguir canais que trazem futilidades, que determinam modelos de beleza e comportamento maçantes, não se espelhar sem entender que aquilo não é verdade o tempo inteiro. “Busco perceber se o que sigo tem mesmo utilidade, se me acrescenta. Ao contrário, isso pode ser prejudicial”, diz. Clara é atenta quanto a ter certeza de que certas fontes são confiáveis, já que, mesmo com retornos rápidos, também há perigo. Ela lamenta que, no contexto das redes sociais, não há meios de saber o que a pessoa está sentindo ou pensando efetivamente. A jovem aprecia mesmo estar com a turma fiel de amigas, frente a frente. “Somos dez e nos encontramos sempre, principalmente por causa da escola. Quando estamos juntas e a conversa é boa, não tem porque ficar mexendo no celular. A gente tem mesmo é que largar o celular. Para mim, são essas as interações que realmente importam”.



Bem estar

Pesquisa conduzida por três acadêmicos das universidades da Georgia e de San Diego, nos Estados Unidos, publicada em 2018, revela que ficar em frente a telas para navegar na internet, acessar redes sociais ou jogar videogame tem impacto negativo no bem-estar de adolescentes. Os investigadores analisaram dados de um levantamento anual feito no país com respostas de mais de 1 milhão de meninos e meninas. Os pesquisadores observaram os índices de bem-estar, entendido como uma sensação a partir de diversos critérios, e identificaram uma queda brusca, desde 2012, em aspectos como autoestima, satisfação com a vida e felicidade. O estudo atestou também a redução no sentimento de satisfação como um todo, menos entusiasmo dos jovens na relação com amigos e na diversão e queda da sensação de segurança. Segundo levantamento feito pela Hootshuite e We Are Social, o Brasil é um dos campeões mundiais em tempo de permanência na rede - está em terceiro lugar. O internauta brasileiro fica, em média, 9 horas e 14 minutos por dia conectado, atrás apenas de Tailândia (com 9 horas e 38 minutos) e Filipinas (com 9 horas e 24 minutos). Outra pesquisa realizada nos Estados Unidos, pelo Pew Research Center, aponta que mais da metade dos adolescentes entrevistados (54%) considera passar muito tempo com o celular. Meninos e meninas possuem percepções diferentes da quantidade de tempo que passam usando várias tecnologias. As meninas representam 47%, enquanto os meninos 35%, apesar de os homens passarem mais tempo jogando videogames (41% a 11%). "A internet, que deveria ser mágica, torna-se para quem passa horas a fio no computador ou celular quase que uma cegueira, que os impede de ver como é a vida real com seus cheiros, gostos, prazeres, risadas, conselhos, alegrias e até fracassos, e o quão fundamental isso tudo é para se viver bem e feliz", diz Aloísio Andrade.


SAIBA MAIS:

Quando a relação com aparelhos conectados à internet vira compulsão e começa a atrapalhar outras esferas da vida, talvez esteja na hora dos pais e responsáveis entrarem em ação, mostrando aos jovens uma outra maneira de encarar as redes. Entre os principais pontos estão:

- Faça uma análise das postagens publicadas nos últimos tempos e se pergunte se aquilo acrescentou algo na vida de alguém

- Faça com que o jovem entenda que esse excesso nas redes é prejudicial

- Faça com que haja uma reflexão sobre a necessidade do adolescente usar esse tipo de rede. Se sim, estabeleçam juntos o limite de tempo e monitore o tempo que se passa online

- As redes sociais podem e devem ser utilizadas como uma ferramenta de comunicação, mas existe algo que a internet não pode proporcionar: a interação e o ambiente social, sendo que a permissão do seu uso excessivo leva à banalização da interação social e à superficialidade das relações interpessoais.

Fonte: Aloísio Andrade, psiquiatra

(foto: Arquivo Pessoal)
PALAVRA DE ESPECIALISTA - Thaís Quaranta - psicóloga e neuropsicóloga

Um mundo de informações


"Nós vivemos na era da tecnologia e esse é um passo que não tem mais volta. Os meios de comunicação e de acesso à informação evoluíram muito, e há pontos positivos nisso. Faz parte do dia a dia, ajuda nas interações, nessa instantaneidade das coisas, com muito mais agilidade. E pela primeira vez os adultos não são detentores de todo o conhecimento, uma vez que existe um mundo de informações que pode ser acessado de qualquer lugar. Porém todo excesso faz mal, principalmente em uma fase de desenvolvimento como a adolescência, quando tudo tende a ser mais sensível, até por questões hormonais, pelos jovens estarem em um período de ampliação da vida social, do amadurecimento de partes importantes da personalidade, o que vai se concretizar até cerca dos 25 anos. E na internet não tem ninguém que vá colocar limites. Muitos pais não conhecem tanto os filhos nas redes sociais, acabam não acompanhando toda sua vivência nesse ambiente virtual, e aí começam alguns problemas, muito pelo fato dos jovens ainda não terem adquirido todas as habilidades sociais, até mesmo pela ótica do neurodesenvolvimento, então são mais impulsivos, podem se expor sem pensar no futuro, e essa exposição poderá gerar grandes prejuízos. Não necessariamente estão evoluídos emocionalmente para lidar com determinadas demandas que a internet pode trazer. Quando falo sobre os pais acompanharem os filhos nas interações na internet não é supervisionarem de uma maneira controladora, proibitiva. Por outro lado, o adolescente busca autonomia, e é importante ser respeitado. É essencial estar próximo ao filho, saber o que está sentindo, como se relaciona, entender seu universo. Se os pais não têm proximidade com o filho, não sabem a música que ele ouve, o que assiste, não têm ideia de quem é o filho. Se ele tiver sofrendo uma ansiedade, se estiver em um momento abalado emocionalmente, não há como perceber se não estiver presente. Presente não necessariamente nas redes, mas a presença física. Um dos problemas das redes sociais passa pelo fato de que a pessoa só compartilha o que está disposta a compartilhar com o outro, seja uma viagem, uma frase, um vídeo. É um recorte da vida. Se não se tem o discernimento de aquilo é um recorte, o que dá margem para comparações, o usuário pode começar a distorcer essa realidade. Para adolescentes, qual o grande perigo? É que essa realidade disfarçada vai também ser agregada ao desenvolvimento da identidade, da personalidade. É primordial começar a educar essas crianças, esses jovens, e isso pode partir desde a escola ou em casa mesmo. A ideia deve ser responsabilizá-los por qualquer coisa que fazem na internet. Acho que é o que está faltando para essa geração. Falta um pouco de respeito nesse ambiente, de uns com os outros e até consigo mesmo."

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