O penteado da moda, o corte de cabelo estilizado, a roupa do momento, maquiagem, salto alto. A valorização da estética entre crianças, quando bem dosada, é normal e até um estímulo para a autoconfiança. Mirando no exemplo dos pais, dos adultos ou influenciados pela mídia, pelas celebridades e o que mais se propaga na internet, são modelos que ditam maneiras de se comportar e o visual ideal. Surfando nessa onda, é cada vez mais significativa a presença de empresas que apostam em um trabalho especializado para esse público, com artigos e espaços de beleza voltados especialmente para os pequenos - segundo a Anvisa, o Brasil é um dos maiores mercados mundiais de cosméticos infantis.
O cabelo comprido é a marca registrada dos irmãos da família Theodoro Siqueira - Paulo, de 10, Luca, de 9, Enzo, de 8, e Pedro, de 7. O gosto começou depois que o mais velho, Paulinho, resolveu deixar as madeixas crescerem, o que ele acha bonito e diferente - seguindo o irmão, os outros também aderiram ao estilo. Todos eles são atentos ao visual.
Paulinho revela a vontade de usar terno e gravata. "Se pudesse, usava em todos os lugares, dependendo do compromisso", diz. Ele diz não se importar com o que está ou não na moda, e muito menos com a opinião dos outros. Escolhe a própria roupa, e também recebe sugestões da mãe. "Visto-me para mim mesmo. Uso a roupa com a qual fico confortável, mesmo que as pessoas não gostem", diz ele, que prefere trajar conjunto de moletom, estampas florais, camisa cor-de-rosa clara e sapatênis. As referências de Paulinho, geralmente, vêm de filmes a que assiste, e até a motivos relacionados a videogame. Ele não liga se, em algum evento, a roupa acabe sujando ou amassando, mas diz que toma cuidado para que isso não ocorra.
"Não faz sentido colocar roupa para agradar aos outros, mas se agrada me sinto bem", diz Luca. Ele se arruma para sair, mas, em casa, vive "largado" e com o cabelo bagunçado – sobre o cabelão, inclusive, Luca considera "fashion". O menino gosta de roupas coloridas e o amarelo está entre as cores prediletas. Quando surge a oportunidade, aprecia usar cachecol, blazer, colete e calça jeans - também tem vontade de colocar terno, se inspirando no exemplo do pai.
Enzo, por sua vez, conta que se apronta para sair e para receber visitas. Geralmente, os pais sugerem a roupa e ele dá o veredito. "Arrumo-me para ficar bonito e bem comigo mesmo." Algumas ideias surgem de menções da internet, como um charmoso coque no cabelo, que ele acaba de adotar. O menino também prefere roupas estampadas, no estilo praia e havaiano.
O caçula, Pedro, é adepto do jeans e também fica nos trinques com uma bela jaqueta de couro. Gosta de camisas com bolso desenhado, algumas vezes usa bolsa, e fala que não liga para a marca de roupas. Vaidoso, se vai à padaria, ao supermercado ou mesmo sai para passear com o cachorro pede para trocar de roupa e, geralmente, não sai de chinelo. Em programas fora de casa, se incomoda se as vestes sujam ou amarrotam - sempre que isso ocorre, procura se ajeitar novamente. O menino agora exibe uma tatuagem temporária, feita como brincadeira. Ele seleciona as próprias roupas, não costuma seguir sugestões da mãe, que garante que o garoto tem bom gosto e combina bem o look. "Gosto de ganhar tanto roupa quanto brinquedo", diz.
IDENTIDADE
Para a mãe dos meninos, o pendor dos pequenos para a vaidade não é extrapolado - muito antes, é algo natural deles, e parte mesmo da construção de uma identidade própria. "Eles gostam de receber elogios, se orgulham quando dizem que o cabelo é bonito. E, se alguém lhes sugere cortar o cabelo, ou insinua que é cabelo de menina, não ligam. São bem esclarecidos, independentemente do que os outros possam falar", conta Mércia, pontuando que muito das preferências dos garotos vem de youtubers, da televisão, de filmes e jogos, e de quando vão a centros de compras.
SEM EXCESSO
Mas até que ponto se preocupar com a aparência vira um problema, principalmente se considerada essa que é uma fase crucial da formação da personalidade do indivíduo? São questões que precisam ser ponderadas - desde o simples uso de um acessório e o modo de se vestir até o exagero na utilização de produtos cuja composição química pode ser prejudicial à saúde propriamente dita, ou o consumo de substâncias arriscadas para manter o corpo "em dia". Nesse ponto, é fundamental abrir o diálogo e explicar à criança que cuidar de si é bom, mas que a felicidade está muito além dos contornos do espelho. O importante é não sair dos trilhos.
De olho no exemplo dos pais
Importar-se com a aparência, mesmo que na infância, é algo positivo e até saudável. O que não pode é haver exageros que comprometam o desenvolvimento natural
Ensinar crianças e jovens a cuidar de si mesmos e a se gostarem é fundamental, no passo em que isso favoreça a autoestima, a autoconfiança e a vontade de estar bem, segundo afirma a psicóloga Flávia Carnielli, com formação em psicologia infantil. "É recorrente que o interesse pelo assunto não vá além de uma brincadeira. Colorir as unhas ou o rosto é tão divertido quanto criar um desenho no papel e, muitas vezes, a intenção dos pequenos não é acentuar a beleza, mas se distrair. Brincar de ser grande, com as roupas da mãe ou do pai, seus sapatos e acessórios, faz parte da descoberta do mundo, do desenvolvimento da imaginação, da criatividade, do crescimento emocional e do pensamento lúdico", destaca.
Flávia tem uma filha pequena e vivencia tudo isso de perto. A garota Maria Clara, de 3 anos, gosta de passar batom, colocar laço no cabelo, usar perfume, pintar as unhas e, algumas vezes, de resolver o que vestir - mas tudo na base da brincadeira. É uma vaidade saudável, que não surte preocupação, diz a psicóloga. "Da mesma maneira que ela usa batom, se pegar uma tinta e passar nas mãos, no rosto, também é diversão", conta. A atenção com a aparência não é excessiva a ponto de fazer com que a menina deixe de lado os divertimentos comuns da idade.
"Ela pode sentar no chão, brincar, se sujar, ficar descabelada, sem problema. Quando estou me maquiando ou vou ao salão fazer a unha, ela às vezes pede para fazer isso também. Gosta de se arrumar, mas não é prioridade para ela. Cuida do penteado das bonecas. Brincar de se fantasiar de algum personagem, de interpretar é sadio. Começa a perder o lado positivo quando a criança só sai de casa se arrumar o cabelo, se passar maquiagem", diz Flávia, sublinhando esse comportamento de alerta.
Aos 5 anos, Mariana Penido gosta de se cuidar. "É pra ficar bonita", diz. Ela acaba de ganhar uma bolsa de uma amiga, e carrega, por exemplo, esmalte, gloss, gominha de cabelo, passador e um inusitado separador de dedos do pé. Entre os modelos de vestuário, a menina prefere vestido longo, saia, blusa de manga comprida, e conta que um babado também cai bem. Muitas das coisas que possui é herança de outras meninas, geralmente primas e filhas de amigas da mãe.
Na hora de se arrumar, Mariana passa batom, ajeita o cabelo (a babá é ótima inventora de penteados) e coloca acessórios - o colar é um dos preferidos. "Quando tenho que ir para uma festa chique, uso sombra. Minha mãe deixa." A garota tem um kit completo de maquiagem, que inclui, inclusive, manteiga de cacau, e é habilidosa na hora de se aprontar - aplica os produtos sem se borrar. Desde os 3 anos, é ela quem escolhe a própria roupa. Quando vai à praia, uma diversão é fazer tatuagem de rena, tererê e amarrar pulseirinhas. Agora, em sua lista de desejo, está uma bota holográfica, que muda de cor.
INFORMAÇÃO
A mãe de Mariana, a médica Patrícia Penido, diz que o despertar da menina para a questão da vaidade é algo totalmente dela. "Não costumo andar maquiada, por exemplo. Sou vaidosa, mas não penso muito nisso. Tenho uma bolsa, que uso até o fim, e a Mariana tem um monte", compara. Para Patrícia, o acesso maior a brinquedos, objetos, "badulaques e bobajadas", ampliado pela globalização, faz com que as crianças apreendam novas formas de ser e ter. Em relação à vaidade, muitas questões acabam vindo dos outros. "Falava para ela não pintar as unhas, até que um dia, voltando da casa de uma tia, chegou usando esmalte. Tinha 3 anos na época", conta.
A médica considera a relação da filha com a vaidade tranquila, positiva até para a construção da autoestima, da feminilidade e da autonomia. "Mas se a roupa sujar, tudo bem. Se é de marca ou não, ela nem sabe o que é isso. Nada vai impedi-la de rolar no chão, de brincar na areia. Ela não deixa de ser criança. É saudável. E já tenho tanta coisa porque brigar, vou implicar com o laço no cabelo?", diz. Patrícia destaca, ainda, o maior acesso a fontes de informação. "Ela assiste ao YouTube, internet, às propagandas nos intervalos dos desenhos; na escola, vê o que a colega está usando. É bombardeada por informações." No fim das contas, acrescenta Patrícia, se a criança se achar bonita, é isso."Sentir-se bem, à vontade e bela, é bom até para a interação social."
Beatriz Mata é cuidadosa com o visual. Aos 4 anos, sua predileção começa a ser por referências a princesas, o queridinho do momento, o unicórnio, além de personagens de desenhos animados, que gosta de imitar. A pequena passa batom, esmalte e não dispensa um laço de fita nos cabelos. É ela quem escolhe o look para cada dia, e adora vestidos. Não se importa se, nos momentos de diversão e no corre-corre das brincadeiras, alguma coisa sai do lugar". "Gosto de me arrumar e ficar bonita pra mostrar pros meus amigos", diz.
"É uma menina vaidosa. Sempre que se veste se olha no espelho, pergunta se está combinando, se ficou bonita. Acho que a influência vem da mãe. É algo sadio, nem um pouco excessivo. Ao mesmo tempo em que a Bia é vaidosa, também é moleca, gosta de bagunça, sujeira, de uma poça de lama. Sempre brinca e se lambuza", conta o pai, Tiago Lemos.
INFÂNCIA
Os pais precisam diferenciar as situações em que a criança está sendo sexualizada daquelas em que está ocorrendo apenas um exercício, útil ao desenvolvimento. Uma criança que cresce agindo e pensando como adulto sofre para se enturmar e não aproveita a infância para descobrir o mundo - não se sente à vontade com a própria idade. Nesse aspecto, ser adulto deve ser apenas mais uma brincadeira, não uma realidade. Usar o salto da mãe para fingir um personagem é uma coisa bem diferente de sair para passear com sapato de salto. Em vez de proibir, no entanto, há que se oferecer opções adequadas para a criança. O exagero ao contrário, ou seja, reprimir ao máximo toda manifestação de feminilidade, fazendo com que a menina sinta culpa ao se arrumar ou ao cultivar qualquer hábito ligado à vaidade, também não funciona.
Palavra de especialista - Regina Fonseca, psicóloga
"Criança precisa ser criança"
"Importar-se com a aparência é positivo, porque o desinteresse indica pouco amor-próprio – mas tudo com equilíbrio. A vaidade infantil, em proporções moderadas, demonstra um processo de desenvolvimento saudável. O fato de crianças se espelharem em pessoas mais velhas na hora de se produzir é comum. Brincar de gente grande, com as roupas da mãe e seus batons, faz parte da descoberta do mundo, do desenvolvimento da imaginação e de uma visão lúdica. O faz de conta incentiva a criatividade e o crescimento psicológico saudável. Mas quando deixa de ser brincadeira e se transforma em motivo para agradar aos adultos e chamar sua atenção, torna-se nocivo. Quando esse modismo ocorre com a admiração e aprovação da sociedade, entenda-se família e amigos, a criança pode querer imitar para também fazer parte desse mundo, o que é natural. O cuidado se dá em relação à forma como isso ocorre."Se a identificação da criança com um modelo qualquer passa a interferir de forma negativa em seu convívio familiar ou social, é hora de parar e conversar, para investigar o que está por trás desse comportamento. É bom transmitir bons valores para o filho, explicar que usar roupas caras não faz ninguém ser melhor que ninguém, ou que pessoas magras não são mais especiais que as outras. Criança precisa ser criança. As imitações, de um modo geral, fazem parte do processo de desenvolvimento infantil. Essa imitação se transforma em um problema quando a criança passa a apresentar um comportamento de vaidade que está muito além da sua idade e em detrimento de brincadeiras que antes fazia."
Ser é o mais importante
Roupa asseada, modos adequados, higiene e uma postura social correta são uma manifestação sadia da vaidade e que deve ser incitada pelos pais, assim como os valores
A composição dos produtos de beleza, por si só, muitas vezes representa um risco para crianças. Diversos ingredientes podem ser perigosos. A professora de dermatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Fabiane Mulinari explica que a pele das crianças é mais sensível, o que facilita o aparecimento de dermatites induzidas por substâncias químicas presentes nos cosméticos (maquiagens, cremes, esmaltes e perfumes), que são absorvidas com maior intensidade. "A pele da criança tem maior capacidade de absorção e a relação da superfície corporal infantil com o peso é maior que no adulto, favorecendo a toxicidade de alguns produtos. Evitar o uso de tinturas químicas e maquiagens até a idade escolar, ou 6 anos, é o ideal", salienta.
“Na infância, existe um risco maior de desencadear alergia de contato, por isso, é preferível usar produtos especialmente desenvolvidos para esta idade. As maquiagens, por exemplo, contêm menos corantes e conservantes para esse grupo de pessoas”, continua Fabiane. Por outro lado, as tinturas devem ser temporárias (xampu tonalizante) ou livres de PPD (parafenilenodiamina), um produto causador de dermatite por contato frequente com o couro cabeludo. "Alisantes com formol estão proibidos. Nesta faixa etária, a ameaça é maior, pois a exposição repetitiva é que é perigosa. Prefira os com tioglicolato de amônio”, orienta Fabiane.
A dermatologista Carla de Albuquerque acrescenta que usar produtos para adultos, então, é uma medida temerária: primeiro, porque eles são mais fortes e, segundo, porque eles não são testados em crianças quanto à segurança e eficácia, aumentando bastante o risco de alergias. "As fórmulas infantis, geralmente, têm pouco ou nenhum perfume e usam conservantes mais suaves. Mesmo assim, ainda podem causar irritações e alergias na pele", diz. Segundo ela, as crianças com rinite alérgica, bronquite e dermatite atópica são mais propensas a desenvolver irritações na pele. E, quando houver machucados na pele, o uso de cosméticos no local também deve ser evitado. "Somente a partir dos 13 anos a criança pode usar as versões adultas sem temer tanto as alergias", afirma a dermatologista.
Caso a garota goste de se "emperequetar", a dica é usar apenas um batom ou brilho labial. Especialistas alertam que pó compacto, blush, rímel, sombra e lápis delineador, mais que alergias, podem ferir os olhos da criança durante a aplicação. Os esmaltes, por sua vez, estão entre os produtos que mais causam reações alérgicas, devido à fina camada de pele das mãos das crianças.
Modelo
Maquiagens pesadas, cílios postiços, batom vermelho, peruca, roupas extravagantes ou sensuais, salto alto, adereços exagerados. Para o mestre em psicologia da infância e da adolescência Caio Feijó, esses são componentes de uma forma absurdamente extrapolada do que se pode chamar vaidade. A responsabilidade, defende o educador, é dos pais, porque a vaidade é, obviamente, aprendida na infância. "Nessa fase da vida, a criança tem como modelo principalmente as pessoas com quem ela convive e, na primeira infância, elas convivem essencialmente com os pais. Assim, podemos concluir que, salvo raras exceções, a maioria das crianças vaidosas aprendeu esse comportamento com seus pais em casa ou com seus principais cuidadores, na ausência dos pais", avalia. No que concerne a aspectos de saúde, a resposta é clara: sandálias e sapatos com salto, por exemplo, por menor que sejam, podem prejudicar a formação da estrutura óssea da criança, causam dores e problemas de equilíbrio, de postura e de coluna nas meninas.
São aspectos que precisam ser observados. A neuropsicanalista Priscila Gasparini Fernandes concorda que, em muitos casos, os pais que manifestam muita vaidade são os que cultuam bastante o corpo, que vivem na academia, fazendo dietas e até cirurgias plásticas. Eles terminam por irradiar, mesmo que não conscientes, essa visão do corpo para as próprias crianças. "O que a criança entende? Minha mãe é magra, ela vive fazendo dieta, ela só gosta de gente magra, logo, tenho que ser magra para ser aceita. Tudo isso fica gravado e é prejudicial para a criança. Os pais devem incentivar a criança a ser como ela é e a passar as fases da infância, que são muito importantes. Pular fases pode estimular fases erradas", orienta Priscila.
No ponto de vista oposto, roupa asseada, modos adequados, higiene e uma postura social correta são uma manifestação sadia da vaidade e que deve ser incitada pelos pais. "Praticar e ensinar valores aos filhos é um hábito que, por si só, já traz a consciência da importância de 'ser'. Incentivar a boa higiene e responsabilidade é obrigação dos pais no que se refere à boa educação. Uma criança bem-educada não precisa de vaidade para se destacar", observa Caio Feijó.
Sentir-se bem a qualquer hora
O ambiente escolar também pode ser propenso a fornecer modelos de comportamentos recompensados que têm ampla possibilidade de ser imitados, conta Caio Feijó. "Basta uma criança ouvir um comentário de que a fulana é linda ou está charmosa, que tenderá a imitá-la para obter os mesmos elogios", explica o mestre em psicologia, elucidando aspectos que podem ser considerados a origem desse quadro: "Pais inseguros socialmente terminam buscando o status com as aquisições de roupas de grife, joias, carros e afins, para se destacar em seu meio. Infelizmente, acabam por incentivar os filhos a acreditar que ter é mais importante que ser. Geralmente, são pessoas vazias de cultura e conteúdo", avalia.
A vaidade natural, ressalta Priscila Gasparini, é as crianças imitarem os pais em um processo saudável de identificação. É normal a menina usar sapato alto, maquiagem, querer arrumar o cabelo e as unhas, e é normal os meninos quererem fazer a barba, treinar musculação, brincar de dirigir o carro, por exemplo. "É prejudicial quando deixa de ser uma brincadeira, quando começa a estimular a sexualidade da criança e quando começa a virar um culto à beleza. Os pais devem estar bem próximos disso para avaliar essa situação e dar limites a essas vaidades. A criança pode ir arrumadinha a um casamento, com uma maquiagem leve no dia de uma festa, mas isso deve ser entendido como uma brincadeira esporádica e não inserida no dia a dia da criança, como uma atividade do cotidiano dela", opina. "Os brinquedos nunca podem perder espaço para a vaidade", defende.
Para a psicopedagoga Elisabete da Silva Duarte, o problema de uma criança considerar que a vaidade é importante é quando age e pensa como um adulto, sem ter a idade para tal. "Essa postura faz com que perca situações de descobertas do próprio mundo e não se sinta confortável com a idade que tem. E, em algumas situações mais sérias, não se enturma com facilidade", explica a especialista.
Nem a um extremo, nem ao outro. Para a psicóloga e psicanalista Luzia Machado, tudo parte do respeito e do bom senso. Afinal, tudo que é demais sobra. Crianças, geralmente, se miram nos adultos, mas a questão da vaidade, em seu ponto de vista, não é algo próprio da idade. "Às vezes, são os pais mesmo que colocam o salto alto na menina. Porém, ficar estimulando a vaidade em excesso não é adequado. Quando não é exacerbado, tudo bem. Mas tudo na base da brincadeira. Brincar é muito mais importante", pondera. Na outra ponta, o descuido completo também é negativo. Ter a noção sobre o corpo, até pelo aspecto da higiene, é fundamental.
REFERÊNCIA
Igor de Pinho Bethonico, de 9 anos, é zeloso quanto à aparência. Entre suas predileções, tênis de cano alto, bermuda e boné. Quando resolve mudar o visual, como cortar o cabelo, por exemplo, a mãe, Gabriela, pesquisa referências na internet e o garoto escolhe o que mais lhe atrai. Ele costuma decidir qual roupa usar, e Gabriela garante que tem muito bom gosto. "Arrumo-me, geralmente, quando vou sair, nos fins de semana", diz Igor, que para ir para a escola não se importa tanto com o quê vestir. "Visto-me para me sentir bonito. Não ligo para o que está ou não na moda. O importante é me sentir bem. Uso o que gosto", conta Igor. E, se tiver que optar entre ganhar um videogame ou um tanto de roupa, diz que prefere a segunda opção.
Sobre seu estilo, Gabriela cita ainda o gosto por pulseiras, cordões e boné de aba reta. Ela conta que o filho, estiloso, se preocupa com a marca do tênis, mas não se liga à etiqueta de roupas. Além da influência dos colegas da escola, ela lembra que Igor também busca exemplos em canais on-line, como sugestões de youtubers. "É difícil ele escolher algo que não combina, e tem opinião. Veste-se muito bem. É uma vaidade natural", apoia Gabriela.
Fique atento
Os riscos de usar produtos adultos nas crianças:
» Xampu e condicionador: irritações e alergias na pele, irritações oculares (conjuntivite alérgica), ressecamento dos fios, caspa (dermatite seborreica), irritações e alergias no couro cabeludo.
» Esmalte: irritações e alergias, que podem se manifestar como coceira, vermelhidão e inchaço, tanto em volta das unhas quanto em locais mais distantes, como pálpebras.
» Maquiagem: irritações, alergias, acne cosmética, ressecamento labial.
» Cremes hidratantes: irritações, alergias e acne cosmética.
Fonte: Carla de Albuquerque, dermatologista
Limites
A psicóloga Sueli Castillo elenca algumas atitudes que podem servir de alerta aos pais para detectar quando a criança está prestes a passar do limite saudável da vaidade:
» Passa muito tempo diante do espelho;
» Valoriza mais a aparência do que os estudos;
» Inicia dietas de emagrecimento justificando estar acima do peso;
» A marca da roupa é mais importante que a própria roupa;
» Toda a mesada é destinada para a compra de cosméticos, roupas e acessórios.
Depoimento: Maria Edna Scorcia, educadora
"É fundamental que pais e mães mostrem às crianças como é bom ser criança. É importante estimular o lado infantil. Os pais devem passear no parque, brincar com os filhos, e assim eles vão reconhecer que são crianças e não vão se comportar diferente. Enquanto se reconhecerem como criança essa vaidade não vai passar do limite do bom senso. A atenção deve se dar no sentido de que essa não se transforme na preocupação central. Se a criança já não quer mais sair de casa sem estar perfeitamente arrumada e passa grande tempo em frente ao espelho, isso acaba sendo prejudicial e pode levá-la a agir de maneiras muito diferentes daquilo o que se espera para sua idade - ela deixa de ser espontânea e já não se sente mais à vontade consigo mesma, agindo sempre da maneira como acredita agradar mais aos outros. Além disso, futuramente, a criança pode se tornar refém de padrões de beleza que, na grande maioria das vezes, não condizem com a realidade da maioria das pessoas. É necessário identificar os fatores que podem lhe causar ansiedade e ajudá-la a lidar com a insegurança."
INESPERADO
Uma situação inusitada envolvendo um garoto que tomou uma decisão diferente sobre o que vestir revela como, no mundo de hoje, é perigoso impor padrões. O caso chamou atenção nos últimos dias. O menino, de dois anos, pediu para usar vestido na cerimônia de casamento de seus pais, a escocesa Joanna Minuzzo, 39, e o australiano Najee Minuzzo, de 31. "Parte de mim queria proibi-lo, mas me perguntei porque estava agindo assim e vi que não tinha razão para ele não usar o vestido. Ele é só um garotinho normal que gosta de roupas bonitas", declarou Joanna em entrevista ao Daily Mail. A mulher, que tem outras duas filhas com o marido, disse que ofereceu ao herdeiro um colete, terno e um kilt (saia usada por escoceses), mas ele não quis e caiu no chororô. A mãe compreendeu que o pequeno, que já havia solicitado uma fantasia da Minnie Mouse, desejava estar como as irmãs, e não resistiu ao pedido - lhe deu um vestido com babado na semana anterior ao matrimônio. O pai também acatou a ideia e aprontou o filho com a peça sem qualquer timidez. Mas, ainda assim, Najee e Joanna perceberam críticas e comentários preconceituosos durante o evento - familiares contestaram a decisão, dizendo que os pais "o deixaram gay". "Eu estou educando meus filhos para que se sintam seguros o suficiente para serem realmente quem são e gentis e inclusivos com os outros. Temos uma geração de adultos que têm muito medo de serem eles mesmos por receio de serem julgados. Então quero que meus filhos saibam que a única opinião que eles têm sobre eles é a deles próprios", pontuou Najee.
*Para comentar, faça seu login ou assine