Em alguma medida, em algum momento da existência se faz necessário pisar no freio e reduzir a velocidade do ritmo da vida contemporânea. Que tal começar no momento das refeições? Na hora de alimentar o corpo e, por que não, o espírito? Pode ser um compromisso em 2020, já que é “inútil forçar os ritmos da vida. A arte de viver consiste em aprender a dar o devido tempo às coisas”, bem disse Carlo Petrini, jornalista italiano fundador do movimento slow food, em 1986, seguro de que é preciso melhorar a qualidade da alimentação e arranjar tempo para a saboreá-la, o que proporcionará um cotidiano mais prazeroso. Garantir tempo para apreciar a comida implica maior bem-estar.
Esse, aliás, é o desejo de muitos brasileiros em 2020 que acordaram para a importância da saúde alimentar. E ele vem impulsionado pela constatação de que as refeições de 2019 não foram adequadas ou ideais. A observação traz consciência e faz mudar. Pensando nisso, a Hibou, empresa de pesquisa e monitoramento de consumo, entrevistou digitalmente mais de 1.800 brasileiros entre 16 e 75 anos em todo o país, que fazem no mínimo uma refeição fora de casa entre segunda e sexta-feira, analisando o comportamento de cada refeição, café da manhã, almoço e jantar.
“O brasileiro está tentando se alimentar melhor, olhando mais para o que põe no prato, optando por composições mais saudáveis, porém sem deixar de lado os prazeres da comida. A busca é pelo equilíbrio, que para quem come fora é mais difícil porque bufês e quilos oferecem diversidade convidativa ao exagero”, destaca Ligia Mello, fundadora do Hibou, coordenadora da pesquisa sobre a maneira como o brasileiro gostaria de se alimentar. Para ela, o brasileiro busca melhorar a alimentação, “mas a falta de conhecimento do que combinar em um prato saudável atrapalha, junto com a indulgência de quem come na rua e está sempre com pressa e qualquer alimento serve”.
DELIVERY E FAMÍLIA Ligia Mello revela outra lucidez que merece atenção no comportamento dos brasileiros: “Comer fora e tentar não voltar ao trabalho à tarde cheirando a gordura é uma percepção em diversas cidades. A roupa entrega onde você almoçou. Em casa, o principal foco de melhoria é no jantar, que as pessoas tentam comer melhor e mais cedo, já contemplando uma noite de sono mais saudável. Para quem não consegue fazer sua comida, o pedido de delivery tarde da noite com opções mais saudáveis, deixando de lado pizzas e lanches, é o mais bem-vindo”.
Na pesquisa, Ligia Mello destaca que seis em cada 10 brasileiros gostariam de se alimentar mais cedo e mais leve, já que acreditam que dormiriam melhor dessa forma. Nos jovens abaixo dos 30 anos, sete em cada 10 pensam da mesma forma. “Para 2020, o brasileiro gostaria de ter um sono melhor, podendo se alimentar mais cedo, com mais saladas, e reduzindo o consumo de cafeína. O lanchinho noturno, só se extremamente necessário, trocando o pão por alimentos mais saudáveis e leves, como barras de cereais, sementes, frutas e leite. Ele quer resgatar a refeição em família, e menos celulares à mesa.”
Soja e mandioca
Pesquisador da Embrapa Soja e um dos vencedores do prêmio Péter Murányi 2008, o professor José Marcos Gontijo lembra que outra mudança é a crescente busca dos brasileiros por alimentos livres de lactose, como a soja, seja por intolerância ou adesão a um estilo de vida: “A soja apresenta um excelente valor nutricional, principalmente quanto ao seu elevado valor proteico. É uma ótima fonte de minerais como ferro, cálcio, magnésio e potássio e de diversas vitaminas. É uma boa opção para veganos e vegetarianos. Aliás, há várias classes de alimentos que podem se tornar excelentes opções para veganos e vegetarianos, como as leguminosas de modo geral, os novos cereais (quinoa), bem como os já mais conhecidos, como centeio, aveia, cevada e trigo sarraceno”.
Já a engenheira-agrônoma pela Esalq/USP Teresa Vale Losada, vencedora do prêmio de 2012, aposta em um alimento tipicamente brasileiro como o ideal para esse público: “A mandioca é uma excelente fonte de energia para substituir cereais como o arroz, milho, trigo etc. A raiz e a farinha (o mais importante derivado para alimentação humana) são ricos em fibras comparativamente ao arroz branco, alguns sais minerais e vitaminas. Mas a mandioca é principalmente uma opção energética, barata e de boa qualidade, que se adapta às condições agrícolas brasileiras. E pode aumentar-se o consumo por meio de incentivo nas escolas e instituições públicas, e estabelecer políticas públicas que recuperem os hábitos saudáveis, com alimentos minimamente processados”.
Saúde alimentar
Resultados da pesquisa com brasileiros sobre as três principais refeições do dia
Café da manhã
Para 35% dos brasileiros entrevistados na pesquisa da Hibou, o café da manhã deveria ser uma boa refeição, mas hoje não a consideram ideal. Entre os jovens, esse número sobe para 41%. Como expectativas para 2020, o brasileiro pretende beber mais sucos e leites e deixar o café preto para depois do almoço ou no lanche da tarde. Trocar os petiscos gordurosos por snacks saudáveis. Incluir grãos sem glúten, torradas integrais, geleias naturais e produtos orgânicos locais. Menos açúcar também foi citado, e para substituí-lo de manhã pretende-se incluir mais frutas.
Almoço
A pesquisa mostrou que 40% dos brasileiros almoçam mais de três vezes por semana. Número que sobe para 49% entre os jovens. Na hora do almoço, a maior reclamação é não conseguir manter uma dieta balanceada. Em 2019, o brasileiro já modificou um pouco seu comportamento, já que 49% introduziram mais saladas no prato. Porém, 61% ainda acham que não é o suficiente. Para 2020, o brasileiro gostaria de ter acesso a um conteúdo colaborativo, em que ele pudesse buscar mais informações sobre os alimentos que está consumindo, compartilhar suas experiências.
Jantar
O jantar é a refeição mais praticada em casa pelo brasileiro. Entre os com mais de 30 anos, 77% jantam em casa no mínimo seis vezes por semana. Já nos abaixo dos 30, esse número cai para 68%. Apesar de ser a refeição mais feita nos lares, é também a mais negligenciada: 56% nem pensam no assunto até sentir fome. Entre os jovens brasileiros esse número sobe para 63%. Chamou a atenção um dado: o pãozinho está presente tanto no jantar quanto no café da manhã. Nada menos que 81% dos entrevistados afirmaram ter o pão presente nas refeições noturnas. Ao menos uma pessoa da casa inclui esse alimento no jantar.