Jornal Estado de Minas

Comportamento

A fé de cada um em tempos de pandemia



Em tempos de dor, medos e incertezas, é natural e esperado que cada um procure um caminho que lhe traga conforto, doses de confiança e a chance de encontrar a paz. Esta estrada é a da espiritualidade, lugar onde o real coexiste e tem conexão com algo maior e sagrado. É do ser humano buscar uma ligação com o divino, seja ele representado pela figura de Deus, por meio da religião ou, como bem cantou o mestre Gilberto Gil, a fé não precisa, necessariamente, estar ligada à doutrina. Essa força interior de uma crença poderosa pode ser nutrida em relação a uma pessoa, uma ideologia, à ciência, a um pensamento filosófico, um objeto inanimado...





“Andá com fé eu vou/ Que a fé não costuma faiá/ Andá com fé eu vou/ Que a fé não costuma faiá/ Que a fé 'tá na mulher/ A fé 'tá na cobra coral/ Oh oh/ Num pedaço de pão/ A fé 'tá na maré/ Na lâmina de um punhal/ Oh oh/ Na luz, na escuridão/ A fé 'tá na manhã/ A fé 'tá no anoitecer/ A fé 'tá viva e sã/ Certo ou errado até/ A fé vai onde quer que eu vá/ Mesmo a quem não tem fé/ A fé costuma acompanhar (…).”

Diante da pandemia do novo coronavírus, com o isolamento social imposto como medida de proteção contra a disseminação da COVID-19, a fé, do latim fides (fidelidade), é a confiança absoluta, sem espaço para dúvida, que cada um deposita no que escolhe acreditar. A esperança como antídoto diante de um inimigo invisível, letal e que a humanidade luta para controlar. Enquanto a batalha não se encerra, apaziguar corações e mentes é a busca interna de cada um diante da sua convicção.

Para a professora e advogada Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira, a quarentena é tempo de espera e de esperança (foto: Maria Helena Pires/Divulgação)
Hoje, o Bem Viver procura entregar aos leitores um tempo de leitura que lhe traga fé, esperança de dias melhores e palavras de conforto de pessoas que se sustentam por algo maior, sem preocupação com materialidade. Para a advogada e professora Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira, a quarentena é tempo de espera e de esperança: “Neste tempo de recolhimento forçado, a oração é um forte antídoto espiritual. Vivemos a cultura da pressa. Tudo nos é imediato. A fala, a vivência, as relações. No dia a dia corrido, mais reagimos do que agimos. Mais confrontamos do que enfrentamos. O tempo todo nos ocupamos de funções e impomos tantas outras aos que nos são próximos. De repente, a espera. E agora? O que fazer com todo esse tempo que obriga cada um a estar consigo?”.





Maria Fernanda se questiona como parar para ouvir o próprio silêncio. Como dar conta da angústia diante do inesperado? Como lidar com os medos? Como internalizar que nada, absolutamente nada, controlamos? “No meu caso, pela oração. É ela o meio, é o caminho entre a espera e a esperança. A espera imposta pela quarentena é fato. A esperança advinda da oração é fé.”

Para Maria Fernanda, a oração nesse contexto, é a oportunidade de recuperar a intimidade e a confiança em Deus. “A mim, traz serenidade, confiança e paz. É ela que converte minha espera em espe-rança.” Como diz Padre Fábio de Melo, “é sob a sombra que descubro a luz da palavra”. Assim, a espera pode não ser afastamento adverso da vida, mas esperança de um tempo novo. Como discursou Jesus durante o sermão da montanha, relatado nos evangelhos de Mateus e Lucas. “Olhai os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Eu, porém, lhes digo: nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles” (Mateus, 6, 25-34). “E que a oração possa nos abraçar e converter a espera em esperança, verdadeira Páscoa e confiança num tempo melhor.”

O professor padre Evandro Campos Maria, diretor do Instituto de Filosofia e Teologia Dom Resende Costa, da PUC Minas, ressalta que a espiritualidade e a fé ajudam a superar limites e dificuldades e, ao mesmo tempo, provocam aprendizado e crescimento: “Têm relação com a pessoa de Jesus Cristo, que enfrentou a cruz, a morte, a solidão e o abandono e, neste momento, colocou a sua confiança no Pai. A fé nos associa a Jesus Cristo, nos ajuda na hora da incerteza. É tempo de confiar a causa da vida nas mãos de Deus. Sentir a sua presença. Ele não nos abandona, caminha conosco e aí temos a esperança e o amor”.





Padre Evandro lembra que a fé e a espiritualidade se fundem no coração das pessoas no meio da dificuldade, da luta e do medo provocados pela pandemia. “Por isso, gastando a vida, a solidariedade e o amor acontecem. Mesmo aquele que não tem a fé cristã, em Deus, ele tem a fé humana, em poder acreditar no homem, na ciência, no bem coletivo, na fraternidade. De algum modo, todo ser humano alimenta o coração na espiritualidade ligada à vida. O mais importante é viver o amor ao outro, o que faz lutar pelo bem da coletividade. O amor altruísta”, afirma.