Em tempos de crise, de grandes catástrofes, de guerras e de pandemias, como a que o mundo enfrenta agora diante do desafio de dominar a COVID-19, a verdadeira essência da humanidade é revelada. A dor e o sofrimento global despertam nas pessoas movimentos de mudança interior, seja ele individual ou coletivo. A psicóloga clínica Maria Clara Jost, da Tip Clínica, professora da Faculdade de Ciências Médicas e pós-graduada em filosofia, explica que a transformação pode ser externa, no âmbito do comportamento observável, e/ou interna, quando ocorre uma mudança nos modos de perceber, de olhar, de julgar, de interpretar. Ou seja, nasce outra perspectiva, de valorização das coisas, dos eventos e das pessoas, emergindo como uma possibilidade de ressignificação e de descoberta de novos sentidos às questões cotidianas.
Então, apesar desse momento de crise, caracterizado precisamente pela ruptura do fluir da vida, pelo questionamento inevitável de toda a estrutura já consolidada, provocada pelo irromper de uma situação imprevisível, Maria Clara Jost destaca que todos, como coletividade, são chamados a dar uma resposta criativa que possa mobilizar um movimento de construção ou reconstrução de modos de ser, de se relacionar, de julgar e valorizar o mundo. “Este pode ser o aspecto positivo e esperançoso se soubermos afrontar essa pandemia,”
De fato, diz Maria Clara Jost, esse é um momento em que a vida convoca a sociedade a dar uma resposta individual e coletiva qualitativamente superior, dando-lhes a possibilidade de se tornarem pessoas melhores, mais humanizadas e mais livres de amarras escravizantes, à medida que enfrentamos e superamos os desafios impostos pela circunstância que estamos vivendo ou, então, sucumbiremos. “Na realidade, estamos vivendo um xeque-mate da vida. Sendo assim, não existe aqui a possibilidade de não dar uma resposta. Contudo, esta pode ser construtiva ou destrutiva.”
SOBREVIVER
Maria Clara Jost enfatiza que este pode ser um momento de crescimento pessoal e comunitário: “De fato, nós, seres humanos, necessitamos desde o início da vida e mais do que qualquer outra espécie, do cuidado de outro ser humano para sobreviver, crescer e desenvolver. Assertiva inquestionável, porém, que se encontrava esquecida em algum recôndito do tempo. Todavia, este momento de pandemia mobilizou o surgimento, por todos os cantos do planeta, de movimentos empáticos e de cuidados com o outro.”
A psicóloga afirma que, diante de um grande obstáculo, global neste caso, que afeta cada um em particular e toda a coletividade, pode emergir dentro do ser humano a necessidade e a busca da união. “A dimensão de querer o bem uns dos outros, a solidariedade e a criação de formas de ajudar são movimentos extremamente sadios porque dão novo sentido à vida”, diz.
A psicóloga afirma que, diante de um grande obstáculo, global neste caso, que afeta cada um em particular e toda a coletividade, pode emergir dentro do ser humano a necessidade e a busca da união. “A dimensão de querer o bem uns dos outros, a solidariedade e a criação de formas de ajudar são movimentos extremamente sadios porque dão novo sentido à vida”, diz.
Maria Clara Jost enfatiza que quando a pessoa busca descobrir, diante de situações adversas, um motivo para viver, percebe aumentar sua capacidade de resiliência, caracterizada pelo insurgir de uma força interior que a impulsiona a caminhar pra frente. “Nessas circunstâncias, diante da tristeza, da solidão, da angústia, da depressão, em vez de um maior fechamento e adoecimento, como seria de se esperar, pode ocorrer o contrário, quando a pessoa descobre em si a capacidade de dar uma resposta insubstituível ao chamado que a vida lhe faz. Evidencia-se a responsabilidade com todos aqueles da comunidade humana à qual pertencemos.”
DEPOIMENTO
Um desabafo... O outro lado*
“Sou manicure há mais de 25 anos, trabalho 12 horas por dia. Tenho clientela fixa, sempre com agenda cheia. Quando apareceu o novo coronavírus, antes de o prefeito decretar o fechamento dos serviços não essenciais, eu já tinha decidido que não ia trabalhar a partir de 24 de março. Sou do grupo de risco. Só não imaginei que a quarentena durasse tanto tempo. A primeira semana foi tranquila. Aí, algumas clientes começaram a mandar mensagens e áudios perguntando se eu estava atendendo em domicílio ou na minha casa. Destacavam que iriam usar máscara, logo que eu também estaria protegida. Foram muitas tentativas. Não cedi. O mais angustiante dessa situação é você estar sem renda, com contas a pagar e ser assediada. Parece que não quero trabalhar. É aí que você vê que a vaidade e o jeitinho brasileiro sempre vão existir. Mas o que me ajudou foi o contrário, clientes solidárias com a situação. Muitas ligaram e algumas pagaram o mês, preocupadas com a situação. Sabemos que tudo isso vai passar. São os contrapontos desse isolamento. Vaidade, empatia, angústia por não saber até quando...”
*Nome preservado para evitar constrangimento
Os três tipos de empatia
1 – Cognitiva: capacidade de entender como o outro sente e, até mesmo, o que ele está pensando
2 – Emocional ou afetiva: capacidade de compartilhar os mesmos sentimentos de outro indivíduo. Há pessoas que sentem de forma tão forte que descrevem que podem, até, “sentir” a dor do outro no coração
3 – Compassiva: vai além de compreender e compartilhar sentimentos. Nesse tipo, a pessoa age e ajuda os outros o quanto pode
Fonte: Instituto de Psicologia Aplicada (Inpa)