Jornal Estado de Minas

Alerta

Cloroquina é ineficaz contra COVID-19 e aumenta risco de doença cardíaca e morte, diz estudo


A revista britânica The Lancet, publicação científica sobre medicina, divulgou nesta sexta-feira (22) estudo que atesta que o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina é ineficaz no tratamento da COVID-19, sem nenhum benefício. A pesquisa abarca 96 mil pacientes e, pelo contrário do que alguns propagam, esclarece que não há melhora no quadro de saúde de pessoas com a doença, e ainda existe um risco maior de danos ao coração e morte, no tempo de internação pela infecção. Trata-se do maior levantamento, até o momento, que trata da relação entre o Sars CoV-2 e o uso da substância.



Foram acompanhados 96.032 pessoas hospitalizadas, com média de idade de 53,8 anos, sendo 46,3% do sexo feminino. A pesquisa reúne pacientes de 671 hospitais em seis continentes, e 14.888 deles receberam quatro espécies de terapia distintas com a cloroquina e a hidroxicloroquina. As internações aconteceram entre 20 de dezembro passado e o último dia 14 de abril.

Os especialistas analisaram lado a lado os resultados de 1.868 indivíduos que receberam somente cloroquina, 3.016 em quem foi ministrada a combinação entre cloroquina e macrólidos (um tipo de antibiótico), e outras 6.221 pessoas que tomaram hidroxicloroquina e mácrolidos. Os pacientes que não tomaram os medicamentos, chamado grupo de controle, base para comparação, é composto por 81.144 infectados.

Ao fim da aferição, ficou constatado que 1 a cada 11 pacientes do grupo de controle acabou morrendo - 7.530 pessoas, o correspondente a 9,3% do total. Dentre os resultados, também a verificação de que, para os doentes que usaram apenas cloroquina ou hidroxicloroquina, aproximadamente 1 a cada 6 faleceram - 307 pacientes usaram a cloroquina (16,4%) e 543 a hidroxicloroquina (18%).



Entre as pessoas que receberam cloroquina ou hidroxicloroquina associadas a macrólidos, uma média de óbito entre 1 a cada 5 pessoas doentes - quanto à aplicação da cloroquina com antibiótico, aconteceram 839 mortes (22,2%), e, para quem foi tratado com a hidroxicloroquina combinada com o antibiótico, esse dado fica em 1.479 mortes (23,8%).

Os cientistas puderam ainda observar que os indivíduos que receberam as substâncias manifestaram chance maior de apresentar arritmia cardíaca. Nessa situação, a prevalência é entre pacientes que tomaram hidroxicloroquina com antibióticos - 8%, o que significa 502 pessoas entre um grupo total de 6.221. Para os pacientes do grupo de controle, em quem não foi ministrado o remédio, esse patamar ficou em 0,3%.

Alguns fatores podem refletir na conclusão da pesquisa, portanto os autores não aplicaram dados sobre idade, raça, índice de massa corporal e outras condições, como, por exemplo, doenças cardíacas, pulmonares, ou diabetes.



O uso da cloroquina e da hidroxicloroquina tem causado polêmica, com informações, por vezes, desencontradas. Nessa semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia falado sobre seus efeitos colaterais, ao passo da ineficiência para tratar a COVID-19. Essa pesquisa publicada na revista do Reino Unido é pioneira no sentido de apresentar evidências robustas sobre a ineficácia da cloroquina ou hidroxicloroquina no tratamento da doença causada pelo coronavírus, com comprovações estatísticas. No entanto, ainda assim, os profissionais reiteram a importância da realização de mais pesquisas internacionais para corroborar os resultados, em um análise definitiva.

"Por trás das decisões sobre qual exame laboratorial pedir, qual medicamento prescrever, as atitudes médicas  devem se basear em boas evidências dos estudos epidemiológicos. De tudo que li até agora sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina, não está clara base científica alguma para prescrever o uso. O estudo publicado só corrobora isso", diz o epidemiologista José Geraldo Leite Ribeiro. Ele lembra que estudos anteriores, favoráveis ou não ao remédio, não são tão confiáveis pelo número pequeno de pacientes observados, o que, no caso da pesquisa atual, não acontece - para o especialista, é uma quantidade muito boa de pessoas estudadas.

José Geraldo diz que, no caso de atender algum paciente que já pede o uso da cloroquina de antemão, prefere direcioná-lo para outro profissional, alguém que tenha ideias mais próximas ao seu ponto de vista. "Eu, como médico, não prescrevo a cloroquina, não estou confortável quanto ao seu uso. Estou convencido, pelo que se tem até agora, que não há a indicação. Na verdade, existem malefícios em potencial, um medicamento que pode até mesmo piorar o quadro de saúde do paciente. Conforme a pesquisa, não houve melhora relacionada ao remédio en nenhum paciente, mas sim um número considerável de mortes", pondera.



Estudos nesse sentido vêm sendo elaborados pela comunidade científica. Até o princípio de maio, porém, não existiam levantamentos mais assertivos em relação a esses medicamentos. O primeiro estudo sobre o tema foi realizado na França, com 26 pacientes, mas a interpretação dos dados não chegou a conclusões tão claras, e a pesquisa acabou criticada pela comunidade científica.

"Está comprovada a ineficácia da droga para tratar a infecção pela COVID-19. Ao contrário, a pesquisa mostra que, além dos efeitos colaterais e eventos adversos que podem se originar, também aumentou a mortalidade", diz o infectologista André Fernando Diniz e Silva. Para ele, entre um excesso de informações falsas, a cloroquina e a hidroxicloroquina têm sido consideradas erroneamente, por muitos, como um remédio 'salvador', o que pode levar ao uso indiscriminado, diz o infectologista, e isso feito sem prescrição médica é ainda mais perigoso. "Não há nenhum fundamento científico sobre a eficiência do remédio no tratamento. Seu uso é indicado apenas em caso de pesquisas, mesmo assim com o paciente se responsabilizando sobre o que pode acontecer. Não deve ser usado nem mesmo em casos leves, como o Ministério da Saúde chegou a recomendar", lembra.

Em 8 de maio, a revista britânica The New England Journal of Medicine, divulgou resultados até então mais abrangentes sobre o efeito da hidroxicloroquina para o enfrentamento do coronavírus e, do mesmo modo que o estudo agora apresentado, não encontrou sinais concretos de que a droga minimiza o risco de intubação e morte. Outras pesquisas mundiais também não atestam a eficácia do remédio, assim como a Sociedade Brasileira de Infectologia não aconselha o uso.



A descoberta do princípio ativo que originou o desenvolvimento da cloroquina remonta a 1918, quando, diante da Gripe Espanhola, o quinino foi indicado para tratar a doença. De lá para cá, a cloroquina já foi testada para o tratamento do ebola, febre Chikungunya, H1N1 e zika vírus, sem ter se mostrado eficaz em nenhuma dessas situações. É também aplicada como remédio para malária, lúpus e artrite reumatoide. É o que explica o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e médico infectologista, Unaí Tupinambás. "A cloroquina não deve ser usada fora do ambiente de pesquisa, e mesmo assim o uso deve ser cauteloso. Como princípio básico da medicina, está não fazer mal. Existe um medo em precipitar a morte das pessoas recorrendo a terapias que não são comprovadamente eficazes", salienta o médico. Ele lembra que, mesmo que seja feita a flexibilização do isolamento social, para evitar o coronavírus é preciso que a população continue observando as medidas de prevenção, como evitar aglomerações, manter a distância mínima de 1,5 metros para outras pessoas, usar máscara e levar sempre as mãos.  

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro defende a cloroquina. Na última quarta-feira, o Ministério da Saúde divulgou documento que orienta a aplicação da hidroxicloroquina no país entre os infectados. Na quinta-feira, foi editada nova versão com a assinatura de secretários da saúde da pasta. A decisão do ministério dá conta sobre a necessidade de o paciente autorizar a utilização do medicamento e de o profissional de saúde optar pela administração ou não da droga, que não é oferecida para a população em geral. O protocolo sobre a cloroquina motivou atrito entre Bolsonaro e os dois últimos a ocuparem a cadeira no Ministério da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich que, em menos de um mês, deixaram o cargo.