Jornal Estado de Minas

SAUDE

Doença do rei na série Vikings é fator de risco para câncer colorretal


O ano de 2021 começou com a última temporada da série Vikings já no ar pela Netflix – os novos episódios da produção entraram no catálogo ainda em dezembro –, e um ocorrido na série despertou a curiosidade do público: de que doença o rei Alfredo de Wessex sofre?

Isso porque, em um dos episódios da sexta temporada do seriado, o personagem historicamente real se sente fraco, chegando, inclusive, a ficar inconsciente e se queixando do que parecem ser dores estomacais. 





Apesar de a causa do desconforto do rei não ser revelada em cena, especialistas apontam para um quadro clínico de doença de Crohn. “Essa patologia é considerada como uma doença inflamatória. Embora não tenhamos uma certeza absoluta, essa enfermidade tem origem com base em um desequilíbrio do sistema imunológico, em razão de o organismo desenvolver uma resposta imunológica a antígenos do próprio corpo. E essa resposta inflamatória é mais intensa no intestino, por isso ela se manifesta mais frequentemente nesta região.” 

É o que explica Fábio Lopes, coloproctologista do Grupo OncoProcto do Hospital Felício Rocho. Segundo ele, apesar de não haver uma constatação exata de o porquê desta patologia aparecer no corpo, acredita-se que seja em decorrência do contato do organismo com alguma substância “intrusa”. “Imagine que, em certo momento da sua vida, você tem contato com determinada substância onde o seu organismo tem alguma reação. Muito tempo depois, você tem no seu organismo uma substância bem parecida com aquela que causou a reação.” 

E é aí que o organismo começa a atacar, desenvolvendo essa resposta inflamatória crônica. "Essas manifestações podem ocorrer no trato intestinal da boca ao ânus, mas também existem manifestações extraintestinais, por exemplo, na pele e nas articulações”, diz o especialista, que comenta, ainda, que o quadro clássico da doença de Crohn atinge, em geral, o paciente adulto jovem, na segunda década de vida, que se inicia com dores abdominais e alteração do hábito intestinal, normalmente, diarreia.
 
(foto: Pixabay)
 

“É um quadro persistente, que faz com que a pessoa procure um médico. Frequentemente, o paciente vai notar a eliminação de sangue e muco nas fezes. Em casos mais raros, quando há manifestações extraintestinais, sintomas como dores nas articulações e lesões cutâneas são comuns. Assim, se faz necessário a avaliação do quadro, por meio de uma série de exames clínicos, laboratoriais e posteriormente uma colonoscopia. Este último vai ver o aspecto da mucosa do intestino e a partir daí realizar o diagnóstico ou não da doença.”  

Porém, Fábio Lopes pontua que não existe um exame específico para apontar a doença de Crohn como a causadora dos sintomas, por exemplo, e não outra doença inflamatória do intestino.

Justamente por isso que a análise é feita com base nos sinais apresentados pelos pacientes e alterações de exames, os quais o médico vai interpretar e concluir qual o diagnóstico. E é a partir daí que o melhor tratamento é inserido. 





“É muito variável. Quando a doença de Crohn acomete crianças muitos jovens, o tratamento pode se basear principalmente em questões nutricionais. No jovem adulto, temos remédios via oral e, em algumas situações, medicamentos por via subcutânea ou injetável. Nos casos mais graves ou nos pacientes que têm uma doença de Crohn com manifestação na região perianal, o tratamento é mais agressivo, desde o início do quadro, podendo exigir cirurgia. No entanto, na maioria das vezes, o tratamento clínico via oral vai resolver o problema”, afirma. 


FATOR DE RISCO 


Para além dos desconfortos e dos sintomas causados pela patologia em si, a doença de Crohn pode causar danos mais graves à saúde. Isso porque pacientes diagnosticados com a enfermidade são grupos de risco para o desenvolvimento de câncer colorretal. Mas por que isso? Qual a relação?  

Segundo o coloproctologista, isso tem a ver com o fato de a doença de Crohn causar um processo inflamatório crônico no organismo via vários fatores, tanto moduladores quanto imunomoduladores no microambiente do intestino. “Isso acaba predispondo a uma reparação celular mais frequente. Logo, esse processo de reparação e inflamação da célula desenvolve algumas mutações, facilitando o aparecimento de células neoplásicas e tumores.” 
 
Fábio Lopes, coloproctologista do Grupo OncoProcto do Hospital Felício Rocho (foto: Hipertexto/Divulgação)
 

Fábio Lopes alerta, ainda, que pacientes que têm a doença de Crohn há muito tempo, mais de oito ou 10 anos, o risco para desenvolver câncer aumenta muito, principalmente aqueles que têm uma doença extensa no colo e que não fazem o tratamento adequado. Há, também, uma suspeita maior de câncer em pacientes que apresentaram evolução com obstrução intestinal ou piora no quadro clínico. 

E o que é o câncer colorretal? É um tipo de câncer que acomete o intestino grosso, tendo como principais causas, além das doenças inflamatórias – doença de Crohn e retocolite ulcerativa –, a hereditariedade e fatores associados a uma alimentação inadequada.



“Muitas pessoas têm uma alimentação com baixo teor de fibras ou ricas em gorduras insaturadas, muita ingestão de carne vermelha e, em especial, carnes processadas, como linguiça, salame e presunto, o que aumenta o risco para o desenvolvimento do câncer colorretal.” 

Assim sendo, é possível evitar complicações. No caso da existência de doenças inflamatórias, o mais importante é fazer acompanhamento periódico, tratamento adequado e colonoscopia com biópsias seriadas regularmente para avaliar se existe algum grau de alteração nas células do intestino que estão caminhando para uma célula maligna (tumoral).

“Hábitos saudáveis, com ingestão de fibras, atividades físicas regulares e evitar a obesidade são fatores que contribuem para diminuir a taxa de ocorrência do câncer colorretal”, indica. 

Em caso de diagnosticado o câncer de colorretal precocemente, o tratamento cirúrgico é curativo. E mesmo para os pacientes com um câncer mais avançado, o tratamento também oferece uma ótima resposta, conforme destacado por Fábio Lopes, podendo ser associado, algumas vezes, com a quimioterapia e a radioterapia.

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Haja vista a não possibilidade de evitar a doença de Crohn e essa patologia ser fator de risco para o desenvolvimento de câncer colorretal, quando associadas, a atenção precisa ser redobrada. E isso em razão de já haver um processo crônico de transformação das células do organismo doente, possibilitando uma maior evolução dos tumores. 

“Às vezes, os tumores evoluem de forma mais rápida exatamente porque aquelas células já estão no processo crônico de transformação maligna, o que pode inferir maior gravidade. Tem-se, então, a necessidade de fazer um controle constante para evitar a associação dos dois quadros”, explica. 

*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram