A miopia – distúrbio visual refrativo – proporciona uma focalização da imagem antes de ela chegar à retina. Portanto, uma pessoa míope consegue ver objetos próximos com nitidez, mas os distantes são visualizados como se estivessem embaçados ou desfocados. Essa condição costuma ser identificada ainda na infância e, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2030, 3,36 bilhões de pessoas devem ser diagnosticadas com miopia.
Além disso, também segundo a OMS, a alta miopia – quadro mais severo – deve atingir cerca de 50% dos adultos em 2050. E isso muito tem a ver com a ocorrência do quadro na infância e dos fatores de risco e agravamento. “O grande problema é a prevalência de alta miopia e consequentemente baixa visão e cegueira. Por isso, é muito importante entender o que pode causar o problema nas crianças e evitar complicações”, explica a oftalmologista Sandra Vallim, coordenadora do Departamento de Oftalmopediatria e Estrabismo do Centro Oftalmológico de Minas Gerais.
De acordo com a especialista, os grandes “vilões” da saúde ocular infantil, principalmente no que tange à miopia, são falta de exposição à luz solar e uso excessivo de aparelhos eletrônicos, como celulares, tablets, computadores e televisão. “A não exposição à luz do sol interfere na produção de dopamina, neurotransmissor importante na modulação escleral. Há, também, diminuição do colágeno, o que facilita o crescimento do globo ocular”, explica.
“Já o uso em excesso de eletrônicos se configura no que conhecemos como atividades ‘de perto’ e também aumentam a miopia. E, tendo em vista o longo tempo de uso de crianças e adolescentes, esse fator ganha ainda mais potência frente a esse distúrbio na visão. Os jogos eletrônicos, por exemplo, são projetados para que seus usuários não queiram ficar sem jogar, tornando-os cada vez mais ‘reféns’. Essa dependência tecnológica pode levar a transtornos oculares importantes, além de interferir na qualidade do sono”, aponta.
Esse excesso de atividades “de perto” e a falta de atividade ao ar livre, conforme destacado por Sandra Vallim, contribuem, em média, para uma progressão miópica de no mínimo 0,50 dioptria esférica ao ano, causando sinais característicos do distúrbio ocular em relação à acomodação, lubrificação e no sistema oculomotor. Quanto à acomodação, os sintomas são: borramento visual para longe ou perto, cefaleia, dor nos olhos, lacrimejamento e olhos vermelhos e irritados.
“Quanto à superfície ocular, os sintomas se devem principalmente à diminuição do reflexo do piscar e também ao ‘piscamento’ incompleto. Os pacientes se queixam também de ardência, olhos vermelhos e dificuldade de manter o foco. Tais sintomas podem piorar em ambientes com ar-condicionado. Os relacionados ao sistema oculomotor são menos comuns, mas podem comprometer o rendimento escolar e profissional de maneira importante. A queixa mais comum é a diplopia – conhecida como visão dupla – extremamente incapacitante.”
TRATAMENTO
Sandra Vallim explica que é possível, sim, tratar a miopia infantil. Mas, para isso, é de suma importância que o diagnóstico correto seja feito, o que só é possível por meio de uma boa avaliação oftalmológica. Justamente por isso, o atendimento especializado é um grande aliado. Segundo ela, tendo em vista os possíveis danos futuros, como a maior ocorrência de alta miopia e cegueira, quanto antes houver o reconhecimento do distúrbio melhor. Isso porque, assim, é possível prescrever a intervenção mais adequada e segura para cada caso o quanto antes.
Para isso, a periodicidade é muito importante. Segundo a especialista, toda criança deve se submeter a uma avaliação com um oftalmologista aos seis meses de vida e depois uma vez por ano. No entanto, em caso de identificados problemas refracionais, por exemplo, os retornos devem ser estabelecidos pelo profissional. Nesse cenário, a especialista destaca que, além do uso de óculos de correção, medicamentos especializados e/ou o uso de lentes gelatinosas multifocais podem ser indicados para tratar a miopia na infância, a depender da idade e quadro clínico.O grande problema é a prevalência de alta miopia e consequentemente baixa visão e cegueira. Por isso, é muito importante entender o que pode causar o problema nas crianças e evitar complicações
Sandra Vallim, coordenadora do Departamento de Oftalmopediatria e Estrabismo do Centro Oftalmológico de Minas Gerais
PREVENÇÃO
Fatores genéticos, ambientais e biocomportamentais podem inferir maior risco ao aparecimento de quadros oculares de miopia. Ou seja, crianças com pais e mães míopes têm maior tendência a desenvolver o distúrbio e o mesmo ocorre com aquelas que têm menor tempo de dedicação a atividades ao ar livre ou maior exposição a aparelhos eletrônicos.
Além disso, o nível educacional e socioeconômico pode fazer diferença, assim como aspectos sazonais (verão e inverno) e geodemográficos – urbano/rural.
Nesse cenário, alguns hábitos podem ser incorporados de forma a contribuir para evitar possíveis danos futuros ou mesmo a incidência da miopia nas crianças. “As atividades ao ar livre, com exposição à luz solar, contribuem para retardar o início da miopia, além de diminuir o shift miópico e alongamento axial. Ainda, a luz solar atua no defocus retiniano periférico, na cromaticidade e espectro da luz e na produção de vitamina D. Por isso, recomendam-se duas horas de atividade ao ar livre por dia ou em torno de 14 horas semanais.”
Reduzir as atividades ‘de perto’ também é muito importante, pois o uso de eletrônicos em excesso é muito prejudicial à saúde dos olhos, principalmente quando ele exige um maior esforço da visão, como quando é feito em locais escuros, por exemplo. Portanto, o uso de celulares, tablets e televisão devem ser monitorados e diminuídos.
CUIDADO NECESSÁRIO *
Confira dicas para ajudar seu filho a manter a saúde ocular em dia e evitar o aumento progressivo da miopia:
- Não permitam que as crianças façam uso abusivo de celulares
- Estimulem atividades ao ar livre, pelo menos duas horas por dia, todos os dias
- Caso seja necessário usar eletrônicos, prefiram a televisão e, em caso de atividades escolares on-line, espelhar a tela na TV
- Interrompam o uso de eletrônicos uma hora antes do sono
- Não permitam o uso de eletrônicos com a luz apagada
- Induzam as crianças a não esfregar os olhos
- Façam com que os pequenos descanem a visão por 20 segundos olhando para longe a cada 20 minutos de atividades feitas de perto
- Evitem exposição a telas para crianças abaixo de 2 anos de idade; crianças entre 2 e 5 anos devem, no máximo, ter uma hora por dia de uso de eletrônicos, incluindo a TV; entre 6 e 10 anos, esse tempo deve ser de, no máximo, duas horas por dia; entre 11 e 18, esse período pode ser estendido para, no máximo, três horas
- por dia.
*Fonte: Sandra Vallim, oftalmologista e coordenadora do Departamento de Oftalmopediatria e Estrabismo do Centro Oftalmológico de Minas Gerais
*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram