Usado para combater a esclerose múltipla, o cloridrato de fingolimode está em falta há pelo menos dois meses em Minas Gerais. A ausência do medicamento foi confirmada pela Secretaria de Estado de Saúde, que responsabiliza o governo federal pelo desabastecimento e prevê a normalização na distribuição das cápsulas nos próximos dias. Enquanto isso, quem depende do remédio tem enfrentado dificuldades e preocupações.
É o caso da jornalista aposentada Maria Beatriz Nazaré de Lima, que encara a doença crônica há 17 anos. Autoimune, a esclerose múltipla é capaz de afetar a comunicação entre o cérebro e o corpo, em razão dos danos causados aos nervos. “Descobri quando fui passar férias na praia e lá eu comecei a ficar muito cansada, dormia bastante. Na volta, ia dirigir, mas não aguentei, porque estava com a visão dupla, que é um sinal característico. Entre os sintomas, eu levei muito tombo e, quando ia assinar cheque, por exemplo, a letra ficava um garrancho. Tive outro sintoma clássico em 2003, a parestesia, o lado esquerdo do meu rosto começou a formigar e depois passou para o corpo todo", contou.
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Em contato com o Estado de Minas, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou que o estoque do cloridrato de fingolimode 0,5 mg cápsula, fornecido pelo Ministério da Saúde (MS), encontra-se desabastecido. “Entretanto, o Ministério da Saúde informa que o processo de compras já tramita em sua fase final. Tão logo o medicamento seja entregue, a SES-MG vai autorizar a distribuição a todas Regionais de Saúde do Estado”, completou a SES-MG.
Segundo o Ministério da Saúde, o envio da pauta de distribuição do medicamento já foi realizado e a previsão é que o abastecimento seja regularizado nos próximos dias. “O medicamento era adquirido pelo Ministério da Saúde junto à empresa Novartis. Contudo, em 30 de outubro de 2020, nas vésperas da assinatura de novos contratos com a empresa, foi proferida uma sentença julgando a nulidade da patente PI0409250-3, resultado de sentença judicial disputada por empresas farmacêuticas no país", disse o ministério em nota.
“Dessa forma, a pasta, obrigatoriamente, teve que dar continuidade ao processo aquisitivo do medicamento na modalidade pregão eletrônico por sistema de registro de preços. A Ata de Registro de Preços foi publicada no Diário Oficial da União em 19 de janeiro de 2021 e o novo contrato já foi assinado pelo representante legal da empresa vencedora da licitação. Cabe esclarecer que, além do fingolimode 0,5 mg, o Ministério da Saúde disponibiliza, para o tratamento da esclerose múltipla, a betainterferona, fumarato de dimetila, acetato de glatirâmer e teriflunomida, todos com o abastecimento regular”, alegou a pasta.
Suspensão de tratamento pode levar a danos graves
Segundo o neurologista e médico responsável pelo caso de Maria Beatriz, Guilherme Isaac Schreiber Litwinski, o medicamento é crucial para o controle da doença, haja vista seu caráter preventivo. “Ela é uma paciente que tem doença crônica. Então, esse medicamento é usado como forma de evitar que a doença fique em atividade. E esse fármaco, por ser caro, é fornecido pela Secretaria de Estado de Saúde, mas por algum problema de distribuição não foi reposto. O medicamento custa em média R$ 5.000", detalhou.
As dificuldades não param por aí, aponta Maria Beatriz. “Eu estou sem medicamentos e receio por continuar a tomar o remédio que vinha tomando e ter alguma reação adversa. E não tem nenhuma outra alternativa, porque ele não é vendido por aqui, e é muito caro para adquirir fora. Tem uma lógica de eu ganhar o remédio, que é muito mais caro eu desenvolver a doença e ficar internada do que se o governo pagar para eu ficar bem. É mais barato eu ficar bem do que desenvolver a doença", avaliou.
Os danos pela falta do tratamento podem ser graves, mesmo a paciente não apresentando surtos há cerca de sete anos. “Realmente não pode estar em falta um medicamento como esse, tem muitas pessoas que utilizam e, na falta dele, há o risco de a pessoa ter um surto de esclerose múltipla e ficar com alguma sequela neurológica. Então, não deveria acontecer. Esse medicamento é usado para prevenir surtos, então, se ficar sem ele, a pessoa fica sem a prevenção e pode ter a ativação da doença. Não se sabe se ela vai ter ou não, mas ela fica sob risco”, conclui o médico.
* Estagiária sob supervisão do subeditor João Renato Faria