Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Tratamento cirúrgico para diabetes segue sem cobertura dos planos de saúde


Em reunião, realizada na quarta-feira (24/2), a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde (ANS) aprovou a atualização de seu rol de procedimentos e eventos em saúde. E, mesmo com o apelo popular na consulta pública realizada em novembro do ano passado – segundo dados disponibilizados pela ANS para levantamentos, das 1.552 contribuições, 99% eram favoráveis à incorporação –, a cirurgia metabólica para controle do diabetes ficou de fora da lista de procedimentos a serem cobertos pelos planos de saúde.  
 
E por que o pedido foi negado? Segundo a Agência Nacional, porque o procedimento não é custo-efeitvo




 
Para Fábio Viegas, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), uma das entidades que contribuiu cientificamente para a inclusão do tratamento no rol da ANS, a decisão ignora os argumentos das entidades científicas e médicas, bem como dos pacientes diabéticos.

“A não recomendação da cirurgia metabólica demonstra que a ANS está deixando de ouvir a comunidade científica, entidades médicas e a população que sofre com a doença.” 

Segundo ele, bastava apenas ampliar um procedimento já existente no rol da Agência Nacional de Saúde como obrigatório, a cirurgia bariátrica, aos portadores de diabetes tipo 2.

“Não seria um procedimento inédito oferecido pelas operadoras, dispensando a adoção de novas tecnologias e treinamentos para as equipes que atuarão na ponta”, alertou Fábio Viegas.

Marcos Leão Vilas Bôas, cirurgião e autor da contribuição feita durante a consulta pública da ANS em nome da SBCBM, concorda e explica que o pedido foi feito justamente a fim de ampliar o tratamento já oferecido. 





“Esse pedido foi realizado em janeiro de 2019 e durou dois anos. Para que um procedimento, como o caso da nossa tecnologia, seja incorporado no rol, é necessário haver comprovação científica e um custo-efetivo. Ou seja, o que é gasto com o método precisa valer a pena pelo benefício que tem. Além disso, é preciso mostrar que o impacto orçamentário da inclusão desse procedimento na lista obrigatória dos convênios não vai levar a uma instabilidade no setor de saúde. E temos tudo isso.”  

De acordo com Marcos Leão, estudos comprovam que a cirurgia usada para tratar a obesidade tem resultado positivo no controle do diabetes.

“As evidências científicas apontam que pessoas que se submetem a essa cirurgia têm resultados bons de melhora ou remissão do quadro muito superiores que qualquer outro tratamento. Além disso, a sociedade apresentou um estudo e mostrou que a cirurgia produz um efeito muito bom, custando menos que um PIB per capita, que é considerado extremamente custo-efetivo. E foi provado que o impacto orçamentário é muito pequeno”, justifica. 
 
Segundo ele, é muito importante, uma doença tão grave como o diabates, que leva tantas pessoas às filas de hemodiálise e muitas a óbito, em razão das complicações do quadro – infarto e derrames –, contar com tratamentos capazes de reduzir esses índices. E é o que ele aponta na cirurgia metabólica.



“O nível normal de hemoglobina glicada no individuo é até seis, e a cada ponto acima dessa taxa, tem-se 21% a mais de mortalidade, 40% a mais de complicações cardiovasculares graves e 47% de amputações e problemas nos membros inferiores.” 

“Ou seja, esse risco é muito alto quando há o descontrole. E temos uma tecnologia como essa, que controla e melhora, e muito, a vida de pacientes com diabetes, com o controle do diabetes, do açúcar, da glicemia, da hemoglobina glicada, do colesterol e da hipertensão arterial. A cirurgia melhora sim a vida dos portadores da doença, pois reduz o tamanho do estômago e faz um desvio para o intestino", afirma.

Tecnicamente é a mesma coisa que a cirurgia bariátrica para obesidade, só que o foco não é perder peso. "Se perde peso, as pessoas voltam a um peso próximo ao normal, mas o foco principal é controlar o açúcar, o colesterol e a pressão”, completa. 
 
O presidente da SBCBM relata que, agora, com a negativa confirmada, em reunião, pela ANS, medidas judiciais serão tomadas para assegurar melhores alternativas aos portadores de diabetes. "Isso representa um retrocesso e um descompasso em relação ao que a ciência demonstrou. Apelaremos para o Ministério Público e o Poder Judiciário. Também orientaremos a população a buscar o poder mediador da justiça."





O PROCEDIMENTO X CUSTOS 


A cirurgia metabólica para o diabetes é recomendada para pacientes com diabetes tipo 2, com diagnóstico de menos de 10 anos, Índice de Massa Corporal (IMC) entre 30kg/m² e 34,9kg/m², com idade entre 30 e 70 anos e que não conseguem controlar a glicemia com o tratamento clínico medicamentoso.

Para isso, o procedimento é realizado. O método adotado é o de videolaparoscopia, por meio de pequenos furos na parede abdominal, promovendo a passagem mais rápida do alimento do estômago para o intestino. 

Além disso, mudanças metabólicas ocorrem no organismo após o procedimento, como a aceleração da produção de hormônios, que atuam no pâncreas, melhorando, assim, a produção de insulina, o que normaliza os níveis de glicose no sangue.

“Cerca de 45% dos pacientes entram em remissão do diabetes (deixam de tomar medicamentos e insulina) já no primeiro ano de cirurgia. Ainda, ela é uma ferramenta eficaz para prevenir complicações graves do diabetes como insuficiência renal, retinopatia diabética, acidentes cardiovasculares e problemas de úlcera e gangrena dos membros inferiores.” 

É o que detalha o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Fábio Viegas. E o custo para a melhora na qualidade de vida? Segundo dados do Estudo de Impacto Orçamentário apresentado pela SBCBM para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), incorporar a cirurgia metabólica custaria aos planos de saúde, em média, 10 centavos por usuário por mês.Técnicos da agência refizeram os cálculos e encontraram valores em torno de 18 centavos por usuário.





Para a SBCBM, os cálculos divergem pois a ANS se baseou em pacientes com obesidade mórbida submetidos a cirurgias ultrapassadas feitas por meio de cortes no abdômen, diferentemente do modelo utilizado atualmente, que se baseia na cirurgia feita por videolaparoscopia, mais segura e mais custo-efetiva. “Quanto custa aumentar um ano de vida para uma pessoa com qualidade de vida máxima? Isso é muito pouco”, afirma Marcos Leão. 
 

NO CONTEXTO DA PANDEMIA 


Em meio à pandemia de COVID-19, obesos e diabéticos são considerados grupos de risco para a doença, podendo desenvolver a infecção em sua forma mais grave. Nesse cenário, o cirurgião e autor dos dados apresentados a ANS destaca que a cirurgia metabólica poderia salvar vidas. “A principal causa na mortalidade nas pessoas que são contaminadas pelo novo coronavírus, com mais de 60 anos de idade, é obesidade e diabetes.” 

“Além disso, jovens que estão morrendo todos os dias no Brasil e no mundo, na maioria, são obesos e diabéticos. Na lista de comorbidades das UTIs, as mais prevalentes são obesidade e diabetes. Essas doenças chegam ao ponto de se equiparar a um indivíduo com 75 anos. Só que não podemos voltar atrás no tempo e fazer um indivíduo ter 50 ou 40 anos novamente, mas podemos ter uma tecnologia que faça com que esse indivíduo controle a sua obesidade e diabetes, e a tecnologia mais eficiente para isso é a cirurgia bariátrica e metabólica”, diz. 
 

PREVALÊNCIA

 
De acordo com dados da Federação Internaciomal de Diabetes, cerca 16,5 milhões de brasileiros são diabéticos. Além, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o diabetes é responsável por aproximadamente 5% de todas as mortes no mundo.

*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram