Preparar posts para o Instagram, checar o Facebook a cada cinco minutos, rolar a timeline do Twitter para saber tudo que está publicado. Há quem não controle o ímpeto de repetir essas ações, o que levou à chamada sindrome fear of missing out, ou, na tradução livre para o português, o medo de estar perdendo algo. Praticar o niksen, termo holandês que significa fazer algo sem utilidade aparente e aproveitar o ócio, pode ser um aprendizado para essa turma que vive mergulhada no mundo hiperconectado.
A escritora e jornalista Olga Mecking, autora do livro “Niksen – Abraçando a arte holandesa de não fazer nada”, lançado pela editora Rocco, se apoia nas opiniões dos maiores especialistas do mundo em felicidade e produtividade, e examina a prática de fazer menos. Em cada capítulo, a autora aborda um aspecto da filosofia do niksen, baseada em várias disciplinas, como sociologia, biologia, história e psicologia, servindo-se de histórias interessantes que ilustram os efeitos positivos da prática, que, segundo eles, deixa as pessoas mais criativas e relaxadas.
A arte holandesa, segundo Olga Mecking, não significa fazer uma pausa para assistir a um filme, ler um livro ou navegar pelas redes sociais. O conceito está mais próximo do exercício de abrir espaço na agenda para a mente divagar, sem a necessidade de regular a atenção ou de se concentrar em algo. Em sua pesquisa para escrever o livro, ela destaca ter descoberto que as pessoas estavam cansadas das tendências de bem-estar centradas na cobrança do esforço no aperfeiçoamento pessoal.
“Por isso, muitos se identificam com o niksen porque é a espécie de bem-estar mais fácil que se pode imaginar. Mas, por outro lado, percebi que as pessoas simplesmente não sabem como não fazer nada. Embora possa parecer simples, na verdade é tudo menos isso. A maioria precisa de ajuda para aprender a ser menos ocupado. Logo, escrevi o livro com a esperança de poder esclarecer como não fazer nada, que não há problema em se sentar no sofá e passar algum tempo fazendo niks (nada).”
Segunda a a escritora, “a verdade é que estamos ocupados e estressados. Nos sentimos sobrecarregados com as obrigações das nossas vidas cotidianas, e isso nos deixa sem fôlego, apressados e ansiosos. Desesperados por uma solução, procuramos respostas em todos os lugares.” Ela recusa a alcunha de guru do bem-estar, mas diante de suas pesquisas nos últimos anos, se convenceu de que é essencial se dedicar a essa filosofia.
Para Olga Mecking, não fazer nada pode tornar as pessoas mais produtivas e criativos. “Fazer niks significa não trabalhar ou realizar qualquer esforço emocional ou estar mentalmente atento. Não é egoísta, preguiçoso ou chato. Pelo contrário, pode ser um serviço para a comunidade. E não é navegar no Facebook, assistir à Netflix ou checar e-mail. Os nikseneers estão fartos das tendências de bem-estar que nos dizem que devemos fazer mais, comprar mais ou que temos de nos aprimorar. Queremos menos ocupação e mais tempo livre para nossos interesses, hobbies e paixões. Queremos redefinir a produtividade para que nosso valor não esteja conectado as quantas horas trabalhamos ou o quanto produzimos”.
TRÊS PERGUNTAS PARA ...
Marco Túlio de Aquino, médico psiquiatra cooperado da Unimed-BH, mestre em ciências da saúde, terapeuta cognitivo-comportamental e professor universitário
Qual é a importância de não fazer nada para a saúde mental? Em que contribui para a busca do equilíbrio e percepção da vida?
Sócrates afirmava que por intermédio do ato de descobrir o que uma coisa não é se chega mais perto do entendimento do que esta coisa é. É saudável não fazer nada se isso não vier acompanhado de pensamentos ruminativos “negativos” e “disfuncionais”. O não fazer nada proposto usualmente é realizado por meio de atividades culturais, da gastronomia, da contemplação arquitetônica, da música, da pintura, da literatura e das artes em geral ou simplesmente da ideia de sentar-se em um parque, praça, café ou jardim e não pensar em nada ou ter uma atenção plena apenas naquilo que se apresenta naquele momento como aspecto sensorial único, um frescor sensorial. Alguns optam por simplesmente dormir. Esses comportamentos mudariam rotinas estressantes e evitariam pensamentos disfuncionais e negativos que costumam alterar o humor. Deitar-se em uma rede para descansar após um dia cansativo e estressante de trabalho usualmente produz um efeito físico e emocional de descanso. Deitar-se na mesma rede porque perdeu o emprego e está sem dinheiro pode ter um efeito totalmente oposto nos pensamentos e emoções do indivíduo. A ideia central do não fazer nada seria o aproveitamento dos momentos livres da melhor forma possível, sem regras ou crenças absolutas, escolhendo de maneira flexível a forma individual de relaxar e de sentir prazer. Devemos, entretanto, respeitar a característica de cada pessoa. Alguns descansam meditando, outros praticando esporte radical.
Há pessoas que não conseguem desacelerar e o ato de não fazer nada, muitas vezes, é associado à preguiça. Como explicar isso?
Há alguns anos foi cunhado o termo workaholic. Conceitualmente é aquele indivíduo viciado não apenas no trabalho, mas nas conquistas e realizações, colocando a vida profissional acima da família, do lazer, da vida social, e até mesmo da saúde. Para o mundo moderno e industrializado, principalmente na cultura ocidental, tal comportamento veio a calhar, pois o conceito de produtividade é seu grande pilar, sendo o seu grande bordão, 'tempo é dinheiro'. Criou-se inclusive uma crença social muito bem fundamentada de que o tempo livre e “o ócio” são sinais de malandragem e preguiça. O discurso produzido pelos meios de produção atual, pelas empresas, as indústrias e até por certos setores do meio acadêmico praticamente invalida aquilo que secularmente era validado por grupos culturais dos quais falamos anteriormente. Se por um lado o trabalho é fundamental à sobrevivência e crescimento pessoal, o excesso está ligado a vários estressores e patologias relacionadas ao estresse. A literatura científica é extensa com trabalhos sobre o tema. Costumo dizer que a cultura e o meio em que vivemos moldam a forma de gerenciar o tempo. Aprendemos desde a infância a cumprir metas, tarefas, prazos, horários e uma infinidade de compromissos. A agenda não contempla o tempo livre. A grande questão é onde está o limite para tantos compromissos e qual o impacto que esse comportamento representa na crença central do indivíduo e nas suas emoções.
Como funcionam as percepções sobre mudanças de comportamento e como chegamos a elas no momento de desacelerar?
Existem cinco aspectos que interferem na experiência de vida na presença de qualquer problema ou mesmo a ausência dele: os pensamentos, o ambiente, o estado de humor, o comportamento e as reações físicas. As mudanças de comportamento podem mudar o ambiente. Igualmente, mudanças no pensamento afetam o comportamento, humor, reações físicas e podem levar a mudança no ambiente social. Se você quer mudar, se sentir melhor, se quer melhorar os relacionamentos ou mudar o comportamento, é pelo pensamento que, na maior parte das vezes, devemos começar. A neurociência mostra que o cérebro não para de pensar e que o conteúdo e a qualidade desse pensamento vão fazer grande diferença nas emoções e no comportamento. Em síntese, qualquer mudança no meio que repercuta favoravelmente sobre as emoções, pensamentos e comportamento pode trazer benefícios terapêuticos. Estudos sobre a utilização de técnicas de relaxamento têm demonstrado grande relevância nos resultados. Há vários tipos de exercícios, incluindo o relaxamento muscular progressivo, o uso do imaginário e o controle da respiração. Importante é ter cuidado na indicação de técnicas, pois alguns indivíduos vivenciam um efeito contrário com os exercícios de relaxamento e na verdade ficam mais tensos e ansiosos.