Estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), realizado pelos departamentos de Fisiologia, Psicobiologia e Ginecologia da Escola Paulista de Medicina, aponta para uma relação direta entre os hormônios do apetite e quadros de distúrbios mentais e do humor. As constatações se mostraram ainda mais relevantes no que tange mulheres no período de pós-menopausa.
Para além disso, a pesquisa dá “luz” à estreita ligação da nutrição com aspectos relacionados às doenças psicológicas e psiquiátricas.
Segundo Maria Fernanda Naufel, doutora em nutrição e uma das responsáveis pelo estudo, fatores como peso, resistência à insulina, ingestão alimentar e gasto energético influenciam as doenças da mente, como depressão e ansiedade, bem como os distúrbios do humor.
“Constatamos que, além da obesidade total e abdominal, o avançar da idade e resistência à insulina influenciarem em quadros de depressão e ansiedade, a leptina e a grelina são fortes preditores independentes, que se associaram respectivamente com a ansiedade e a depressão na população estudada. Ou seja, averiguamos que quanto maiores os índices de leptina maiores os sintomas de ansiedade e quanto maiores os níveis de grelina maiores os sintomas de depressão em mulheres na pós-menopausa.”
Mas, como essa relação se faz? Ou seja, como os hormônios do apetite se ligam aos distúrbios do humor? O estudo observou que a grelina e a leptina, conhecidas como hormônios da homeostase energética – que influenciam no apetite, ingestão alimentar e gasto energético –, também se relacionam com o controle do humor, já que têm ações em diferentes estruturas do cérebro: tanto as que controlam a ingestão e gasto energético, como o hipotálamo, quanto estruturas que têm relação com o humor, como o hipocampo. Estruturas, inclusive, que têm conexões, explica a nutricionista.
Apesar de constatada a relação dos hormônios da fome (grelina) e saciedade (leptina) com a depressão e a ansiedade, Maria Fernanda ressalta que ainda não é possível concluir se esses efeitos são positivos ou negativos para o humor.
“Essa associação pode refletir tanto uma resposta fisiológica do corpo tentando lutar contra a depressão e ansiedade – neste caso, os hormônios estariam atuando como antidepressivos ou ansiolíticos –, quanto podem ser um fator causal destas patologias. Estudos experimentais levam a crer que estes hormônios auxiliam na melhora dos distúrbios de humor, contudo, mais estudos em humanos são necessários para se chegar a uma conclusão.”
De acordo com a especialista, estudos anteriores já haviam encontrado receptores de grelina – hormônio da fome – e leptina – hormônio da saciedade – em zonas do cérebro responsáveis pela regulação do humor. Por meio desse estudo, então, pode se observar uma estreita associação entre esses hormônios, afirma.
O estudo é uma combinação de duas pesquisas feitas pela Unifesp e ambas foram publicadas em revistas científicas, como a "Scientific Reports" (2021) e "Menopause" (2019).
PÓS-MENOPAUSA
E por que as mulheres em pós-menopausa apresentaram resultados ainda mais significantes no que tange essa relação? “É certo que quadros de ansiedade e depressão se manifestam com maior frequência em mulheres nesta fase. Parte dos transtornos de humor da pós-menopausa estão relacionados com a redução nos níveis de estrógeno, já que esse hormônio apresenta inúmeras ações nas funções neurais.”
“Além da influência hormonal, os sintomas menopausais não tratados, como fogachos, insônia e ganho de peso; e fatores estressores que acompanham esta fase da vida feminina, que incluem falta de apoio social e familiar, desemprego, síndrome do ninho vazio, e o envelhecimento, também são considerados fatores de risco importantes”, explica.
"Essa associação pode refletir tanto uma resposta fisiológica do corpo tentando lutar contra a depressão e ansiedade quanto podem ser um fator causal destas patologias. Estudos experimentais levam a crer que estes hormônios auxiliam na melhora dos distúrbios de humor, contudo, mais estudos em humanos são necessários para se chegar a uma conclusão."
Maria Fernanda Naufel, doutora em nutrição e uma das responsáveis pelo estudo
Outros resultados observados pelo estudo, segundo Maria Fernanda Naufel, incluem o fato de as mulheres na pós-menopausa apresentarem, também, maior prevalência de obesidade total e obesidade abdominal, quando comparadas às mulheres na pré-menopausa.
“Com o aumento da expectativa de vida nas últimas décadas, é esperado que as mulheres vivam um terço ou mais de suas vidas no período da pós-menopausa, o que torna imperativo a investigação e tratamento dos sintomas climatéricos, como a depressão, a ansiedade e a obesidade. Assim, é de suma importância monitorar o ganho de peso e alterações de humor em mulheres na pós-menopausa, para um diagnóstico e tratamento precoce, preservando com isso a qualidade de vida”, indica a nutricionista e responsável pelo estudo.
O ESTUDO
No primeiro estudo ("Menopause Journal"), foram incluídas mulheres na pré-menopausa no chamado grupo controle, com idade entre 40 e 50 anos, e mulheres na pós-menopausa, entre 50 e 65 anos. No segundo estudo ("Scientific Reports"), foram incluídas somente mulheres na pós-menopausa que apresentavam algum grau de depressão, excluindo, portanto, aquelas não deprimidas.
“Em ambos os estudos foram analisadas medidas antropométricas por meio de bioimpedância avançada. Sintomas de depressão e ansiedade foram avaliados por questionários. Também foram dosados inúmeros parâmetros bioquímicos e hormonais por meio de amostras de sangue e saliva, além de parâmetros clínicos”, explica a especialista.
Segundo ela, esse é um estudo de importante relevância, haja vista o crescente número de pessoas deprimidas e ansiosas no mundo. “O número de transtornos mentais já era alarmante antes do início da pandemia de COVID-19. O relatório global da OMS apontou que, em 2017, o número de pessoas deprimidas e/ou ansiosas ao redor do mundo havia crescido de forma exponencial, sendo o Brasil o quinto país com maior número de deprimidos (5,8%), e o primeiro país em número de ansiosos – 18.657.943 ou 9,3% da população brasileira.”
Pesquisas nacionais e internacionais apontam que, com o início da quarentena, o número de transtornos psiquiátricos vem aumentando ainda mais. Estudo recente observou que enquanto 10% da população adulta do Reino Unido apresentava sintomas de depressão antes da pandemia, após o início da pandemia de COVID-19 este número praticamente dobrou e atingiu 19% dos adultos.
"No Brasil a situação não é diferente. Assim, estudos sobre possíveis fatores que podem estar relacionados com a piora do humor são sempre bem-vindos, na tentativa de auxiliar na prevenção e/ou tratamento destas patologias”, elucida.
"No Brasil a situação não é diferente. Assim, estudos sobre possíveis fatores que podem estar relacionados com a piora do humor são sempre bem-vindos, na tentativa de auxiliar na prevenção e/ou tratamento destas patologias”, elucida.
Em solo brasileiro, segundo um estudo recente da Universidade de São Paulo (USP), cerca de 63% da população sofre de ansiedade e 59% de depressão, e isso somente levando em conta o período da pandemia. O Brasil, inclusive, é o líder de casos no mundo.
E AGORA?
“Inúmeras pesquisas apontam que a alimentação também influencia diretamente em nosso humor, e por ser tão importante para a saúde mental, inspirou o surgimento de um novo campo da medicina denominado psiquiatria nutricional."
Desta forma, diante de inúmeras evidências, está cada vez mais clara a intensa relação entre a nutrição e os distúrbios psicológicos. "Assim, o controle do peso, da ingestão calórica, e a preferência por alimentos saudáveis e in natura, devem fazer parte da rotina para melhorar, entre vários fatores, o humor.”
Desta forma, diante de inúmeras evidências, está cada vez mais clara a intensa relação entre a nutrição e os distúrbios psicológicos. "Assim, o controle do peso, da ingestão calórica, e a preferência por alimentos saudáveis e in natura, devem fazer parte da rotina para melhorar, entre vários fatores, o humor.”
É o que afirma Maria Fernanda Naufel. E justamente por isso os estudos não param por aí. Para ela, é de suma importância, agora, entender a ação desses hormônios sobre os distúrbios do humor, se é positiva ou negativa. Por isso, mais estudos em humanos são necessários. “Depois de constatados os efeitos, devemos pensar e pesquisar maneiras de fazer com que esta descoberta auxilie na melhora de quadros de depressão e ansiedade”, afirma.
*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram