Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Envelhecimento: 'A coisa mais moderna que existe nesta vida é envelhecer'

“A coisa mais moderna que existe nesta vida é envelhecer/A barba vai descendo/E os cabelos vão caindo pra cabeça aparecer/Pois ser eternamente adolescente/Nada é mais démodé/Não sei por que essa gente/Vira a cara pro presente e esquece de aprender/Que felizmente ou infelizmente/Sempre o tempo vai correr.” Arnaldo Antunes, de 60 anos, músico, poeta, compositor e artista visual, ex-integrante e um dos fundadores do Titãs, em plena atividade, em sua canção “Envelhecer” traduz com maestria esta fase da vida, tão rica e tão desprezada, atacada e menospreza por muitos.





Sem tabus, sem lutar contra o inevitável na ordem natural da vida, é preciso entender que vale a pena passar pelo processo do envelhecimento. No entanto, apesar da revolução da longevidade nas últimas décadas, com maior expectativa de vida, o preconceito é real e o entrave na vida de quem encara a velhice continuam presentes. Tanto que o termo ageísmo, do inglês ageism, foi criado pelo psiquiatra americano Robert Butler, em 1969, para descrever que o preconceito da sociedade com as pessoas mais velhas ainda persiste. Seus estudos observaram que o estereótipo desencadeia práticas discriminatórias e favorece o isolamento.
 
 
O ageísmo, também identificado como idadismo, etarismo e idosismo, é entendido como ações diretas ou indiretas em que alguém é excluído, considerado diferente, ignorado ou tratado como se não existisse devido à sua idade. É a discriminação aos idosos, a marginalização e eventual exclusão social. É urgente que haja uma ressignificação no modo de vivenciar, representar e conviver com o velho e o processo de envelhecimento.

O envelhecer nunca é igual para todos. E o “envelhecer bem” é subjetivo. Fato é que cada um tem sua história e quem continua ativo, independente, produtivo, curioso, com saúde e saudável, tem o direito de seguir presente em todos os níveis da sociedade. E quem necessita de cuidado, das mais diversas ordens, também tem o direito de ser tratado, auxiliado, acompanhado da maneira mais humana e digna para levar a vida. Já passou da hora de as pessoas se livrarem de estereótipos negativos e eufemismos que deram origem a expressões como “terceira idade”, “melhor idade”, “meia-idade”, “maior idade”, que não passam de termos discriminatórios para justificar uma sociedade pautada pelos padrões de consumo focada nos jovens.




 
Mesmo diante de uma mudança inevitável, com a Organização das Nações Unidas (ONU) mostrando que a proporção de pessoas com 60 anos ou mais em todo o mundo irá duplicar nas próximas décadas, devendo alcançar a marca de 2 bilhões até 2050. Entre os idosos, a faixa populacional que mais cresce é aquela que compreende os acima de 80 anos. Foram contabilizados 70 milhões em 2000 e estima-se que venham a quintuplicar ao longo da primeira metade deste século. Viveremos dias em que haverá mais avós do que netos.


SEPTUAGENÁRIA MUITO VISÍVEL 


A psicóloga clínica Clara Feldman, que se orgulha de ser uma “septuagenária muuuito visível”, com 71 anos, destaca que, antes de mais nada, é preciso pensar na in/visibilidade dos velhos em dois níveis: circunstâncias externas que “querem” tornar o velho invisível; e o sentimento de ser invisível. E nem sempre a (in)visibilidade tem a ver com a idade: dependendo da perspectiva, existem jovens invisíveis e velhos muito visíveis.

Para a psicóloga Clara Feldman, de 71 anos, existe uma essência em cada um, e ela está presente a cada fase da vida, não importa a idade (foto: Dani Castro/Divulgação)


Clara, muito ativa no trabalho e na vida social, revela que carrega uma frase que ouviu da mãe desde cedo: “Precisamos envelhecer com dignidade, minha filha”. E o que seria envelhecer com dignidade? “Lembro-me da Oração da Serenidade, que aplico à minha vida na maior parte do tempo: 'Que eu tenha a força para mudar o que posso mudar; serenidade para aceitar o que não posso mudar; e sabedoria para diferenciar uma situação da outra'. Assim é também com o envelhecimento: serenidade e aceitação para as limitações que a idade nos impõe; força e energia para continuar vivendo de forma rica, interessante e produtiva”.





Por amar o que faz, Clara conta que sua palavra-chave é trabalho. E todas as consequências que dele resultam: independência financeira e emocional, autonomia, gratificação, senso de importância e de utilidade. “Me sinto profissional e pessoalmente como vinho: quanto mais velha, melhor. Mais experiente, mais madura, mais equilibrada, menos ansiosa.”

Para ela, ainda que possa soar como clichê psicológico, é um clichê verdadeiro: “A (in)visibilidade começa dentro de nós. Serei desrespeitada se eu não souber me respeitar e se não souber impor respeito aos outros. Nós, velhos, temos que tomar muito cuidado para não assumir o papel de vítimas. Temos nossa enorme parcela de responsabilidade na maneira como seremos vistos. Se me vejo com bons olhos, serei vista assim também.”

Clara compartilha a observação de um autor americano que estudou e cujos livros traduziu e publicou, John Powell: “'Como se vive, se envelhece'. Acho que, nesse sentido, não existem peculiaridades dos velhos, mas das pessoas. Creio que existe uma essência em cada um, e ela está presente a cada fase da vida, não importa a idade”. Então, sabe de quem depende essa postura de descarte do velho? Para Clara, dos velhos. “Não adianta querer me descartar: eu estou aqui trabalhando, desfrutando do que gosto, traçando meus caminhos. Eu não me descarto.” 

Clara sabe que não é difícil ver a negação da velhice e o sofrimento de quem a nega: “Múltiplas cirurgias plásticas, roupas inadequadas para o corpo que mudou, tentativa de imitar os jovens, relacionar-se só com pessoas bem mais novas.  O tempo, o envelhecimento e a morte são irreversíveis, incuráveis, inexoráveis. É da responsabilidade do velho impor respeito”.





AINDA NO JOGO 


Rogéria Maciel, conhecida como Rô Maciel, de 61, arquiteta, consultora de imagem, designer de joias e fundadora da marca Rogéria Maciel – Estilo & Acessório, está em movimento e sem medo de envelhecer. “Sempre faço questão de falar minha idade, 61 anos, quase chegando aos 62, inclusive. Superimportante para mostrar que é possível chegar à maturidade com leveza. Nunca me imaginei tão feliz em chegar aos 60”, diz.

Rô Maciel enfatiza que se coloca e se identifica com uma mulher ageless – do tempo de agora. “Muito do que sou é o espelho do que vivenciei em casa. Tive uma criação em que a posição da mulher – no caso a minha mãe – sempre foi de liderança afetiva e liberdade nas escolhas. Minha construção foi em cima dessas referências. Segurança daquilo que somos e queremos, com certeza, abre portas e é algo totalmente desvinculado da idade.”

Com sua marca, Rô Maciel decidiu focar no público 50%2b, mas revela que ocorreu naturalmente: “Sempre estive à frente dos meus negócios e expondo minha imagem. Com o tempo, essa imagem se tornou meio que uma inspiração para esse público, de que eu também faço parte”. Hoje, além das consultorias, divulga produtos em que acredita. “Conhecer-se é fundamental em todos os períodos da vida, porém, na maturidade, traz segurança e consequentemente autoestima.”

Rô Maciel contagia pelo fato de não ter estacionado na vida.  “Acho que minha curiosidade e inquietude me trouxeram aonde cheguei. Sou geminiana, gosto do novo e não paro diante da vida e dos erros. Continuo querendo aprender, ainda estou totalmente no jogo. Simples assim.”