A enfermeira e empresária Giselle Antoniazzi, de 43 anos, sofreu com danos cognitivos após a infecção por COVID-19

A enfermeira e empresária Giselle Antoniazzi, de 43 anos, sofreu com danos cognitivos após a infecção por COVID-19

Arquivo pessoal

É possível recuperar o funcionamento do cérebro? Sim. E um dos grandes aliados desse processo é o treino cognitivo. Trata-se de um método baseado no conceito de neuroplasticidade do cérebro, que é a condição do sistema nervoso de se adaptar, se reorganizar e se modificar de acordo com as interações e estímulos com o meio ambiente interno e externo.

Essa plasticidade do cérebro se difere de pessoa para pessoa, uma vez que cada um é modificado por estratégias cognitivas específicas. Desse modo, pode-se promover um estímulo ao cérebro envolvendo novidade, variedade e desafio crescente.

“Essa estimulação é extremamente importante para que se consiga ter uma progressão da recuperação do paciente, seja quem vai se recuperar de uma infecção por COVID-19 ou quem deseja prevenir danos. No primeiro caso, esse estímulo cerebral vai fazer com que a conexão entre os neurônios se restabeleça, ou seja, vai estimular o cérebro a formar novas sinapses no lugar das que foram destruídas pelo vírus”, afirma o neurointensivista Marco Paulo Nanci.
 

"Comecei a ter lapsos de memória pós-COVID, principalmente de trabalho. Percebia uma perda de atenção, dificuldade para executar multitarefas, coisas que nunca tive"

Giselle Antoniazzi, de 43 anos, enfermeira e empresária

 
 
Já na prevenção primária, explica o especialista, o paciente vai estimular o cérebro a ter um número muito maior de conexões entre os neurônios, e quando tiver uma infecção e destruição de uma dessas vias, o cérebro estará preparado para mudar o caminho por outras vias já funcionais. Assim, tem-se um menor impacto da lesão do vírus no cérebro.
 
Nesse caso, trata-se, então, de criar uma reserva cognitiva. “Nos quadros demenciais, o paciente que tem mais bagagem por estímulos ao longo da vida terá menor manifestação e menos propensão a desenvolver a doença. O que provavelmente ocorre com o coronavírus é a mesma coisa: a pessoa que tem maior desenvolvimento da parte intelectual e deixou o cérebro mais preparado e treinado pode ter menos comprometimento cognitivo em caso de uma possível infecção pelo coronavírus.”


ESTADO DE EXCELÊNCIA


Essa aquisição de reserva cognitiva pode ser comparada analogamente a uma poupança, um estímulo que deve ser feito ao longo de toda a vida, mas sobretudo na idade adulta. “Todo esforço para manter o cérebro ativo e funcionando em estado de excelência proporciona conexões entre os neurônios e, em caso de lesão no sistema nervoso, ele estará preparado para refazer rapidamente as conexões que foram perdidas”, diz Marco Paulo Nanci.
 
A enfermeira e empresária franqueada Supera Giselle Antoniazzi, de 43 anos, sofreu com danos cognitivos após a infecção por COVID-19. Ela conta que se contaminou em julho do ano passado, após o marido, que é médico, ter se infectado no trabalho. “Percebi que no pós-COVID comecei a ter lapsos de memória, principalmente de trabalho. Percebia uma perda de atenção, dificuldade para executar multitarefas, coisas que nunca tive”, diz.
 
“Passei a esquecer palavras amplamente utilizadas, ia pedir para alguém pegar alguma coisa e esquecia, não conseguia lembrar rapidamente o nome de um objeto. Isso foi uma coisa que me afetou muito, porque comprometeu muito a minha memória de trabalho, que é a de curto prazo, porque quando a atenção está falha, perdemos muito a memória de trabalho. Percebi ainda que tudo isso dificultou um processo que, para mim, é bem prazeroso, que é a leitura.”
 
Gisele Antoniazzi precisava ler várias vezes um mesmo parágrafo ou frase para apreender informações. Essa autopercepção foi importante para sua recuperação. “A minha sorte é que trabalho com cognição, e consegui identificar essas perdas rapidamente. Comecei a fazer exercícios de estimulação para melhorar meu desempenho. Isso está sendo fundamental até para manter minha saúde mental.”

EM ESTUDO


Em março, ainda no início da pandemia no Brasil, pacientes com COVID-19 que estavam internados na unidade de terapia intensiva (UTI) no Hospital Universitário de Estrasburgo, no nordeste da França, apresentaram, além dos sintomas respiratórios e motores, algumas dificuldades cognitivas e confusão mental. A observação sobre o comportamento do grupo internado ainda no início da pandemia foi publicada em um estudo no periódico “New England Journal of Medicine”.
 
Mais recentemente, outra pesquisa, com médicos e cientistas do Imperial College, no Reino Unido, apontaram que a COVID-19 pode causar declínio das funções cerebrais em pacientes que tiveram a doença. Segundo o estudo, o cérebro pode envelhecer até 10 anos por conta do impacto do vírus na estrutura e no funcionamento do órgão. Em fase inicial, os estudos ainda precisam de confirmação da comunidade científica.

*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram