Desde que o mundo é mundo, pais criam expectativas sobre os filhos. Basta observar os preparativos para o nascimento de um bebê. No enxoval, vestidinhos e bonecas se for menina; carros e bonés se for menino.
A questão é que a vida e a individualidade dos filhos são muito mais amplas e complexas do que roupinhas rosa ou azul. A maioria dos pais, porém, não se sente pronta para ter essa conversa. É aí que as relações podem se complicar.
A questão é que a vida e a individualidade dos filhos são muito mais amplas e complexas do que roupinhas rosa ou azul. A maioria dos pais, porém, não se sente pronta para ter essa conversa. É aí que as relações podem se complicar.
Quando um filho ou filha demonstra não ter uma orientação heterossexual, em algumas famílias, conflitos começam a surgir. Muitos pais e mães querem ajudar, mas, na maioria das vezes, não sabem como. Outros, por ter suas expectativas frustradas, não aceitam e podem desencadear sucessivos problemas de autoestima e insegurança nos filhos.
“A melhor forma de agir é sempre escutar e acolher. É muito importante que o adolescente se sinta ouvido e respeitado em suas questões e descobertas”, recomenda a psicóloga Stephanie Gutierres.
“A melhor forma de agir é sempre escutar e acolher. É muito importante que o adolescente se sinta ouvido e respeitado em suas questões e descobertas”, recomenda a psicóloga Stephanie Gutierres.
“Na nossa sociedade, existe o que chamamos de sistema heteronormativo, ou seja, o padrão considerado ‘normal’ ou ‘esperado’ é o de orientação sexual hétero. É interessante pontuar que esse padrão é imposto e reforçado ao longo dos anos, por meio de falas e condutas que colocam o que está fora do padrão como algo marginalizado ou malvisto. E isso é herança de um longo histórico de preconceito e homofobia”, explica a profissional.
Para a aposentada Roberta**, receber da filha a notícia de que ela era homossexual não causou espanto, mas o processo até a revelação foi longo e complicado. Ela conta que já desconfiava da orientação sexual de Gabriela**, porém, não tomava a iniciativa de perguntar, e a jovem não se abria.
“Desde a adolescência, percebia alguns comportamentos que demonstravam que ela era homoafetiva, mas como era uma menina muito rebelde, muito geniosa, achava que aquilo era para me atacar. Pensava que era rebeldia de adolescente ou que, talvez, fossem as companhias”, lembra a mãe.
“Desde a adolescência, percebia alguns comportamentos que demonstravam que ela era homoafetiva, mas como era uma menina muito rebelde, muito geniosa, achava que aquilo era para me atacar. Pensava que era rebeldia de adolescente ou que, talvez, fossem as companhias”, lembra a mãe.
“É engraçado como são as coisas. Fui criada desde que nasci na igreja evangélica, tenho meus princípios evangélicos, mas, naquele momento, o que me machucava não era o fato de ela ser homoafetiva, e sim a forma agressiva como ela trouxe isso para mim”, conta. Gabriela diz que suas impressões sobre o que os outros achariam sobre sua orientação sexual, no final das contas, estavam erradas: “Achava que as pessoas me tratariam diferente, mas isso não aconteceu”.
Com o tempo, à medida que Gabriela crescia e amadurecia, Roberta também mudava a atitude em relação à filha, que não demonstrava mais comportamentos defensivos. Os atritos diminuíram e, quando a jovem se assumiu, foi acolhida com naturalidade. A tensão inicial causada pelo conflito de opiniões deu lugar a um novo sentimento: o medo de a filha sofrer algum tipo de preconceito.
“Tinha muito receio de ela ser discriminada, atacada, ficar sozinha e deprimida por conta disso. Mas, hoje, vejo que o meio dela a aceitou muito bem, porque a geração atual tem outra cabeça. Ela foi muito bem acolhida nos ciclos de amizade e, no emprego, é bem-sucedida”, alegra-se a mãe.
ESCUTAR E ENTENDER
Uma das questões que podem ser vivenciadas no ambiente familiar, envolvendo pais e filhos homossexuais, é quando o pai e a mãe divergem em relação à aceitação do(a) filho(a). A psicóloga Thaís Christinne dos Santos Ventura, especialista em psicoterapia para população LGBTQIA+, explica que o fato de ter uma das figuras compreendendo e acolhendo já ajuda muito.
Segundo ela, estudos apontam que quando um jovem LGBTQIA é acolhido por um adulto, o risco de suicídio cai em 40%. Ou seja, ter alguém que o ame e o aceite contribui muito para a sensação de bem-estar dessa pessoa.
Segundo ela, estudos apontam que quando um jovem LGBTQIA é acolhido por um adulto, o risco de suicídio cai em 40%. Ou seja, ter alguém que o ame e o aceite contribui muito para a sensação de bem-estar dessa pessoa.
“A psicoterapia pode também ser um caminho para os pais entenderem seus filhos, e os filhos conseguirem lidar melhor com esse momento”, sugere a profissional. “Buscar o processo psicoterapêutico é um caminho importantíssimo, por ser um ambiente de escuta, autoconhecimento e reflexão. É possível entender os sentimentos que emergem diante da orientação ou identidade do filho, e melhor trabalhá-los.”
A psicóloga também alerta para um erro comum de alguns pais, de acreditarem que há algum tipo de “reversão” para a homossexualidade, ou que tratam os filhos de forma ofensiva, na tentativa de “corrigi-los”.
“Muitos estudos já foram feitos, e sabemos que não há ‘reversão’ ou ‘cura’ para a homossexualidade, pois não se trata de escolha ou opção. A agressividade denota a ideia de punição. E por qual motivo uma pessoa homossexual merece ser punida? Acredito que o conhecimento pode tirar as pessoas dessa zona obscura e agressiva.”
“Muitos estudos já foram feitos, e sabemos que não há ‘reversão’ ou ‘cura’ para a homossexualidade, pois não se trata de escolha ou opção. A agressividade denota a ideia de punição. E por qual motivo uma pessoa homossexual merece ser punida? Acredito que o conhecimento pode tirar as pessoas dessa zona obscura e agressiva.”
LIBERDADE
A estudante Rhanna Lima, de 21 anos, assumiu-se para os pais aos 15, apesar de já ter certeza sobre a própria orientação sexual desde os 13. Ela conta que, no início, tudo foi muito difícil e conturbado. Com a mãe, ela teve mais liberdade para conversar, mas diz que ficou tão nervosa que não conseguiu se expressar direito. Já o pai a viu de mãos dadas com a namorada da época e fez uma reunião de família para perguntar para a filha sobre sua sexualidade. “Falei que era isso mesmo, mas eu estava muito nervosa e só conseguia chorar.”
A jovem desabafa que, no início, os pais erraram bastante na forma como a trataram e lidaram com a situação, mas que, aos poucos, eles foram entendendo, e a relação familiar melhorou muito.
“Eu estava muito feliz individualmente, porque nunca tive problemas em me aceitar. Foi um processo de alívio e libertação, porque poder amar quem eu queria amar, sem precisar esconder isso dos meus pais, era uma coisa maravilhosa. Foi uma sensação muito boa poder ser quem realmente eu era, mas, ao mesmo tempo, percebia que eles estavam em muito conflito”, afirma Rhanna.
“Eu estava muito feliz individualmente, porque nunca tive problemas em me aceitar. Foi um processo de alívio e libertação, porque poder amar quem eu queria amar, sem precisar esconder isso dos meus pais, era uma coisa maravilhosa. Foi uma sensação muito boa poder ser quem realmente eu era, mas, ao mesmo tempo, percebia que eles estavam em muito conflito”, afirma Rhanna.
A estudante recorda que sentia que precisava trazer a segurança que eles não podiam lhe dar, e respondeu a isso sendo segura de quem é – o que deu aos pais um pouco mais de calma. “Eles só precisavam de tempo. Hoje, a gente tem uma relação muito boa”, diz.
A jovem ressalta ainda a importância do diálogo e do acolhimento das famílias com pessoas LGBTQIA : “A gente precisa se sentir seguro nos lugares e nada melhor do que se sentir seguro dentro de casa. Eu acho que é isso que falta, os pais perceberem que, na verdade, você não tem que mudar seu filho para o mundo não machucá-lo, e sim dar segurança suficiente para ele poder enfrentar as coisas no mundo”.
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