A chegada de setembro dá início a uma importante campanha de conscientização no Brasil sobre a doação de órgãos. O "Setembro Verde" é um movimento que foi criado em 2007 para incentivar a população a tomar uma decisão para salvar vidas que aguardam, muitas vezes, há anos por transplante em uma fila.
Segundo a médica coordenadora da Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) do Hospital Municipal de Contagem, Renata Graziela Soares, existem dois tipos de doação. Uma é conhecida como 'coração parado', e a outra é realizada após a constatação de morte encefálica.
"Existem dois tipos de doações. A de coração parado ocorre quando a pessoa falece e existe a possibilidade de doar córneas. Já a morte encefálica, o paciente tem diagnóstico de morte, mas com órgãos ainda vivos e pode se tornar um doador de múltiplos órgãos", explica.
"A de córnea é mais fácil do que de múltiplos órgãos, porque essa última exige toda uma estrutura para manter o possível doador em condições. Com a COVID-19, ficou muito mais difícil, devido as exigências rigorosas e a diminuição de possíveis doadores", disse a médica.
Quando um paciente morre, o médico deve informar à assistente social do hospital sobre a indicação ou não da doação de córneas. Caso tenha a possiblidade, uma equipe de profissionais, inclusive da CIHDOTT, conversa com a família para saber se o procedimento será autorizado.
"Dentro dos hospitais existe a Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT). Precisamos ter esse grupo atuante, com especialistas atentos a todo momento e que despertam a atenção dos outros profissionais sobre os potenciais doadores" pontua Renata.
Já para a doação de múltiplos órgãos, o processo é mais complexo e com diversas fases. A primeira é diagnosticar o paciente em morte encefálica por algum acometimento que seja detectado por exame de imagem, comprovando a lesão cerebral.
Em seguida, são feitos exames clínicos e por último, um exame que comprove a ausência de atividade cerebral. Segundo a médica, para esse último podem ser feitos um doppler transcraniano, arteriografia cerebral, cintilografia cerebral ou um eletroencefalograma.
"Feito toda essa constatação, o MG Transplantes é acionado e eles começam a fazer os testes necessários para o doador. Existem vários motivos para a não possibilidade de doação. São feitos muitos exames, agora, inclusive, o teste de COVID-19 e só depois do resultado é que o processo pode continuar. Nas várias etapas do protocolo, pode ser que o possível doador não consiga doar, também por causa da autorização da família".
"Em alguns casos, a família autoriza, mas pelo protocolo só parentes de 1º ou 2º grau podem permitir, diferente disso não podemos fazer. Para menores de 18 anos é preciso ter autorização do pai e da mãe. São vários percalços e além desses fatores, tem a manutenção da vida", continua a coordenadora.
"É preciso manter a situação do paciente no CTI, monitorando sua condição durante o processo de realização dos exames necessários. Pode ser que durante esse tempo, ele não consiga e faleça".
Em média, desde a constatação de morte cerebral até a realização do transplante leva cerca de dois dias. "Precisamos trabalhar para que seja o menor tempo possível, mas principalmente pela complexidade do processo e necessidade de exames, têm demorado em torno de 48 horas. Mas, ainda assim, é preciso trabalhar para que o tempo seja cada vez menor", disse.
Segundo o MG Transplantes, nesta quinta-feira (2/9) a fila de espera contava com 5.234 pacientes, 2.789 deles aguardam por um rim e 2.237 por córnea. Outros órgãos estão com uma espera bem menor, sendo fígado (78), medula (45), rim/pâncreas (44), coração (38) e pâncreas (3).
De acordo com o diretor do MG Transplantes, Omar Lopes Cançado, as filas de rim e de córneas são maiores, porque as doenças que afetam esses órgãos, tratáveis por transplantes, são mais frequentes na população. Além disso, por determinação do Ministério da Saúde, as captações de córneas em doadores de coração parado foram suspensas até outubro de 2020, sendo captadas apenas em doadores de morte encefálica para atender as urgências, por isso houve aumento na fila de espera.
"A doação é uma possiblidade de ressignificação da vida. É um trabalho super delicado, que envolve não só a conscientização das pessoas [famílias], mas também da equipe profissional, porque a maior parte depende dela. A cada processo concluído e doação feita, é uma vitória. Para a família pelo gesto, para equipe que participou do andamento e para a pessoa que recebe o transplante" afirma a médica Renata Soares.
'Não imaginava a importância de doar'
Aos 63 anos, João Bosco de Azeredo aguarda por um transplante de fígado. Atualmente na 8ª posição da fila, quando entrou ele era o 49º paciente. "Tem dois anos que descobri a cirrose hepática. Fui ao médico, tentamos tratar, mas não teve jeito e, em janeiro deste ano, entrei para a fila. Eu sou o oitavo agora", disse.
Quando soube da necessidade de realizar o transplante, ele ficou preocupado. "No início eu assustei muito mesmo, entrei numa depressão forte. Fiquei uns três a quatro meses assim, mas depois fui fazendo acompanhando com psicóloga e psiquiatra e agora eu estou bem. Quando for para fazer, estou pronto", diz Azeredo.
A esperança de uma vida com menos remédios e mais saudável está cada vez mais próxima. Com apenas 20% do fígado funcionando, o aposentado precisar levar uma rotina bem controlada, com alimentação apropriada para manter o peso e evitar novas sobrecargas de outros órgãos, causadas pela quantidade de medicação.
"Eu não imaginava a importância de doar. Quando perguntam para fazer identidade 'você é doador de órgãos?', a gente já marca não, né? De medo. Mas hoje, eu peço às pessoas que procurem mais informações sobre a doação, vejo como é importante. Não é só salvar a vida, é um gesto que você faz. Se alguém morre na família, é triste, mas você pode fazer esse gesto para uma pessoa que vai viver, é muito importante", afirma.
"Peço que as pessoas façam esse gesto. Não sabemos quem doou e a família também não sabe os dados de quem recebe, isso também é bacana, que nos preserva. Mas, também é importante para a própria família se sentir bem pelo ato de doar", finaliza.
*Estagiária sob supervisão do subeditor João Renato Faria