Jornal Estado de Minas

SAÚDE DO NARIZ

Olfato tem relação direta com as emoções e o armazenamento de memórias

O perfume da mãe, o cheiro da barba do pai, a fragrância do hidratante da mulher amada, o aroma da comida da avó, o bálsamo daquela viagem... O sentido do olfato não é apenas o odor captado pelas narinas, vai além, tem relação direta com o processamento das emoções e com o armazenamento de lembranças e de memórias.



A pandemia trouxe interesse para o olfato. Pacientes infectados pelo Sars-CoV-2, com COVID-19, o perderam, tiveram diagnóstico clínico de anosmia, ausência da percepção de cheiros. Imagina não sentir os aromas do mundo, da vida?

Antônio Eduardo é sommelier, o olfato é sua ferramenta de trabalho no bistrô AA Wine Experience, mas ele revela que sempre teve uma relação próxima, íntima mesmo com os aromas: “Se hoje faz parte da minha profissão, no passado, sentir o cheiro, o aroma das coisas, dos alimentos e de tudo que está no ambiente é inato. É algo que sempre fez parte da minha vida e estou sempre atento, interagindo e me seduz muito. É do meu cotidiano, rotineiro, diário e satisfatório porque consigo perceber e ter uma sensibilidade maior aos cheiros ao meu redor. Sempre me atraiu muito, e pela profissão ainda mais.”

Para o sommelier Antônio Eduardo, decifrar os aromas do vinho é desafiador e um trabalho que o encanta (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Para Antônio, os cheiros que o capturam são os das especiarias: “São os que mais me atraem. Quando se fala do mundo dos vinhos, existe uma infinidade e tipos e aromas que podemos encontrar, eles revelam uma gama enorme. Mas os aromas de especiarias, os temperos usados na gastronomia, talvez pela vastidão, são o que mais me instigam, me cativam.”



Com a riqueza e finesse do seu olfato, Antônio chama a atenção para os odores que constroem sua memória afetiva: “Alguns aromas estão, uma gama deles, no grupo da minha memória olfativa. Principalmente registros da infância, que, de alguma maneira, me cativaram, me despertam e me remetem a um passado, ainda que longíquo, mas que ficou registrado para sempre. Uma infância rica de experiências, artes, travessuras e bagunças. Formada por vários cheiros”.





Ele conta que morava em uma casa de quintal grande, com pés de laranja plantados pelos pais. O cheiro da flor da laranjeira é inconfundível para ele, que o identifica com facilidade e, no vinho então é e flagrante, pois marcou sua história.

Outro aroma bem familiar é do buquê de alfazema, que sua mãe tinha o hábito de moer e colocar no frasco com álcool e perfumar a casa. “São memórias gostosas, íntimas, de que sem de dúvida vou me lembrar, mesmo já bem velhinho. O aroma de café torrado na roça, do fogão a lenha da minha tia Elza... é tanta coisa boa, chega a ser emocionante.”

E quando se trata do cheiro dos vinhos, Antônio sente o mesmo conforto. Segundo ele, pela enorme gama de aroma e sabores que ele apresenta, é difícil definir.

“Não encontro uma palavra que sintetize e defina o que representa o cheiro do vinho. Posso dizer que é fascinante, ao abrir uma garrafa sempre é uma surpresa em cada taça degustada. E decifrar os aromas é desafiador, me encanta. Digo que não fui eu que escolhi viver no mundo do vinho, mas ele me escolheu e sou grato por trabalhar com algo que é minha paixão.”





Antônio confessa que seu maior pavor é perder o olfato. Ele conta que, nas raras vezes em que teve comprometida sua sensibilidade olfativa, foi quando encarou alguma gripe. “Nada além disso. E vivendo neste período desafiador da COVID-19, é o meu maior medo. É uma doença com consequências difíceis, mas como a perda do olfato é um agravante, eu a temo muito. Levo a sério todos os cuidados recomendados porque o olfato não é só mais um dos sentidos, mas ferramenta de trabalho, quem eu sou. Imaginar ficar sem esta sensibilidade é ruim. Semanas atrás, gripei e bateu logo o medo. Ia na cozinha buscar o cheiro do alimento mais intenso, cheirava o alho, ia nos perfumes da minha mulher e cheirava todos, tudo para ter certeza de que estava sentido todos os aromas. Só assim fiquei aliviado, confesso.”

E com o olfato na mais perfeita ordem, após a entrevista ao Bem Viver, Antônio anunciou que ele e a mulher, Elaine Araújo, acabavam de descobrir que vão ter um bebê, o primeiro filho do casal. Alegria imensa e, certamente, descoberta de novos cheiros e aromas para o sommelier.

SEGURANÇA E PRAZER 


O otorrinolaringologista Maurício de Oliveira alerta sobre os cuidados com o nariz: evite traumatismos e grande exposição ao sol, fique atento aos sinais de infecção e alergias e evite assoar, principalmente de forma enérgica (foto: Arquivo Pessoal)
O médico Maurício de Oliveira Barroso, otorrinolaringologista do Hospital Semper, enfatiza que é de grande importância o perfeito funcionamento do olfato. Segundo ele, a COVID-19, entre tantas outras complicações, chamou também a atenção pela grande porcentagem de acometimento do sistema olfatório em relação a outras viroses respiratórias. Juntamente aos outros sentidos, ele possibilita nossa interação com o mundo. Quando não se pode ver, ouvir, tocar ou sentir o gosto, o olfato é o único sentido que poderá, por meio do odor, permitir a identificação diversa e, portanto, orientar seu comportamento e até mesmo garantir sua segurança, prazer.







Por isso, a importância de cuidar do nariz. Maurício de Oliveira Barroso explica que a estética talvez seja uma das maiores preocupações com o nariz, visto que ele é o primeiro a “se apresentar”.

“Esteticamente, são muitos os cuidados exigidos, principalmente evitar traumatismos e grande exposição ao sol. Em termos funcionais, temos que estar atentos para sinais de infecção, alergias etc. Uma recomendação que sempre faço é que se evite assoar o nariz, principalmente de forma enérgica, e só usar medicação intranasal com recomendação médica. É uma conduta relativamente comum orientar as pessoas a lavar o nariz por dentro com soro fisiológico ou água. Particularmente, não indico isso, somente em casos muito especiais, visto que pode trazer mais problemas do que benefícios.”
 
O otorrinolaringologista destaca que a perda parcial do olfato é comum e ocorre principalmente devido a alergias respiratórias, infecções viróticas e bacterianas. A perda total e permanente do olfato é causada por virose e traumas na face ou crânio.



Perda do olfato, odor fétido, coriza, congestão, sangramento, edema, dor etc. é o que se apresenta com frequência nos consultórios. Segundo ele, a alergia (rinite alérgica) e os resfriados são as causas mais comuns a levar o paciente com queixas respiratórias à consulta médica. A orientação básica no caso de rinite alérgica é evitar ambientes, roupas, agasalhos, colchões etc. com cheiro de mofo. A exposição prolongada ao frio também pode agravá-la.

ANIMAIS E MEMÓRIA 

A memória olfativa também é registrada pelo paladar, pelos aromas da gastronomia (foto: DanaTentis/Pixabay)


Mesmo fundamental, Maurício Barroso lembra que o olfato no ser humano é relativamente pouco desenvolvido se comparado a inúmeros outros animais. “A borboleta, por exemplo, consegue localizar, pelo olfato, outro indivíduo da mesma espécie a uma distância superior a um quilômetro. Entre os mamíferos, o cão, o cavalo e o boi têm olfato muito superior ao nosso, sendo o elefante o mais privilegiado neste sentido.”

Ao pensar no funcionamento do olfato, o médico ensina que as partículas suspensas no ar que respiramos são as responsáveis por impressionar as células olfativas, que, por sua vez, enviarão impulsos nervosos ao cérebro, que irá interpretá-las. E ele está intimamente ligado ao paladar, atuam juntos na definição do sabor. Maurício de Oliveira Barroso diz que o paladar é o que nos orienta quando nos alimentamos. Outros sentidos também participam, sendo o olfato muito importante na definição mais fina do sabor.

O cheiro do alimento é percebido antes e depois que o levamos à boca. Quando alguma patologia acomete o sistema olfatório, a principal queixa, ou a que mais incomoda, é justamente ter dificuldade de apreciar um determinado alimento. Há ainda que se ressaltar a importância do olfato na memória. Os odores ficam muito bem guardados no cérebro e, quando reconhecemos algum cheiro, prontamente o associamos aos fatos que o envolveram.